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    Mostra de São Paulo 2017: Diretor de Niñato, Adrián Orr explica como criou momentos especiais a partir da vida comum (Exclusivo)

    Um homem dividido entre o rap e o cuidado com os filhos.

    De passagem a São Paulo para a 41ª Mostra Internacional de Cinema, o diretor espanhol Adrián Orr apresenta um documentário de grande simplicidade: Niñato, retrato da vida de um rapper da cena alternativa de Madri, que divide os dias entre a música e o cuidado dos filhos pequenos.

    Ao invés de se focar na trajetória de artista, o cineasta preferiu mostrar a vida doméstica e questionar as dificuldades do amadurecimento. O resultado é uma obra singela e realista - leia a nossa crítica.

    Descubra a entrevista exclusiva com o cineasta:

    Como veio a ideia de dedicar um documentário ao Niñato?

    Adrián Orr: Eu conheço o Niñato desde o Ensino Médio. Fui o DJ do grupo dele quando tinha 16 ou 18 anos. Quando ele se tornou pai, aos 24 anos, notei que mantinha a paixão pela música de quando a gente era adolescente, e ainda tinha a mesma paixão pelas crianças. Quis reconstruir o filme baseado na dupla dicotomia de Niñato como pai e Niñato como jovem, ainda procurando traçar um caminho na música e manter o sonho da adolescência, de ser músico. O filme é feito nessa linha dupla.

    O próprio nome Niñato sugere a infância do músico.

    Adrián Orr: Isso. Ele sempre incentiva os filhos a terem interesses variados, continuarem a sonhar em ser o que quiserem, mesmo sem saber se o seu próprio sonho vai se tornar realidade. A sua carreira como músico não é tão boa quanto gostaria, mas ele incentiva as crianças a seguirem o caminho que fez, porque é feliz assim, é uma maneira dele ficar realizado consigo mesmo. É nisso que eu fico muito interessado, no processo também.

    Você está sempre muito próximo dos personagens, mas nenhum deles parece desconfortável com a presença das câmeras dentro de casa.

    Adrián Orr: Fiz um curta antes, Buenos Días Resistência, com as mesmas crianças. Há cenas do curta no longa. Foi um processo demorado para arranjar o espaço certo, uma ideia de ficar perto, mas deixá-los agir normalmente sem que eu fosse um impedimento nos movimentos deles. Eu conheço a família há muito tempo, mas filmar lá dentro não é igual a visitar para tomar um café.

    Sobre as crianças, não queria que elas interpretassem, como ocorre nos filmes ficção: uma criança dizendo palavras escritas em um roteiro. Gostava delas sendo elas mesmas. Para os adultos, às vezes eu dizia como queria que fosse uma cena. Mas nunca ficava parado espiando. Não é voyeurismo, pelo contrário, a intenção é acompanhar estas pessoas e desenvolver uma confiança mútua.

    Algumas cenas são surpreendentes. Você filma as crianças acordando de dentro do quarto escuro, no instante exato em que o alarme toca. Algum desses momentos foi reencenado para a câmera?

    Adrián Orr: Eu dormia à noite na casa delas, porque elas acordam muito cedo, de manhã para ir para a escola, por volta das 6h30. Então ficava para dormir e na noite anterior eu dizia a elas: “Amanhã vou filmar quando vocês acordarem, não me estranhem, porque eu vou estar lá no quarto” e pronto. Quando elas acordaram, eu já tinha arrumado o enquadramento, sabia como era a luz, o diafragma, tinha visto mais ou menos vendo onde elas iam dormir, e ficava lá com a luz a apagada. Quando Niñato começou a acordá-las, fizemos a cena.

    Houve algum tipo de limitação? Algo que Niñato impediu de filmar?

    Adrián Orr: Sim, claro. Ele é um dos meus melhores amigos, então filmar o seu melhor amigo tem muitas coisas boas, mas tem muitas más. Ele tinha intimidade suficiente para dizer: “Hoje você não filmar, vai para casa, esquece o filme”. Eu também podia pedir: “Temos que filmar essa cena, porque é importante”, mesmo que ele não gostasse muito. Precisei negociar para ter certos momentos da intimidade dele, sobretudo com a namorada. Já gravei outros filmes com pessoas que não conhecia tanto e foi mais fácil, porque elas respeitam a ideia de um diretor de cinema, então evitam dizer não. Mas um amigo sempre diz o que pensa, e as crianças também. Às vezes eu propunha cenas, tipo, a cena da ducha, quando o garotinho começa a cantar rap, mas tem horas em que as crianças não aceitavam. Nunca fiz nada que elas não queriam fazer. 

    Mesmo sendo um amigo próximo, você nunca idealiza Niñato, não mostra uma realidade particularmente favorável a ele.

    Adrián Orr: Nunca quis julgar o personagem do Niñato de modo algum, apenas representar, porque o tempo é um elemento importante para a narrativa do filme. Foi como eu consegui contar certas coisas no filme, porque há elementos muito simples, do cotidiano. Eu gostava de transformar esses momentos em algo extraordinário pelo tratamento do cinema, com o enquadramento, o som. O simples fato de ficar um tempo com eles, e depois inserir isso numa ordem específica, poderia tornar o momento extraordinário. O espectador por ver que existe, naquela rotina, algo especial.

    São como os momentos do rap entre o pai e os filhos. Como eles se comunicam através do rap, existe uma empatia própria nessa questão. Mesmo quando brigam, têm conversas mais duras, existe algo interessante a mostrar. Há uma cumplicidade mútua na hora de explicar coisas que as crianças de 10 anos muitas vezes não percebem, em que se deve procurar outros caminhos de comunicação.

    Quais são as dificuldades de produzir e distribuir um projeto do porte Niñato?

    Adrián Orr: Se fosse um filme brasileiro, acho que seria mais fácil do que na Espanha. A Espanha anda muito mal para a distribuição. Mesmo que haja salas independentes para filmes como o meu e outros, é difícil arranjar orçamento suficiente para projetos do gênero. Mudaram as leis do cinema duas vezes, colocaram artigos novos. Para quem faz um primeiro filme, com uma produtora nova, é quase impossível conseguir financiamento através de instituições públicas. Madri não tem ajudas regionais de produção, por exemplo, apenas para a distribuição, o que é importante, mas não basta.

    Conversei com o João Salaviza, um diretor português que também está em São Paulo. Ele me diz que em Portugal é mais fácil de produzir. A quantidade de filmes é muito menor, mas com melhor orçamento. Às vezes se procura criar uma indústria de cinema mais comercial, mas o ideal seria pensar a cadeia inteira, incluindo o cinema independente.

    A situação fica mais difícil por se tratar de um documentário?

    Adrián Orr: Nunca pensei em Niñato como um documentário, pensei como um filme apenas. Agora ele ganhou um prêmio, vai ser lançado na Argentina e no Uruguai, mas será comercializado como um filme qualquer, sem o rótulo de documentário. Ele não tem o estereótipo que o espectador médio espera de um documentário, com trilha sonora e entrevistas. Não é informativo. Vamos distribuir um filme sobre a realidade de uma família; Mesmo se fosse uma ficção, seria de certo modo um documento da vida daquela família.

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