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    Por que filmes de super-heróis vêm fazendo tanto sucesso ultimamente? (Análise)
    Rafael Felizardo
    Rafael Felizardo
    -Redator | Crítico
    Sonhador desde pequeno e apaixonado por cinema de A a Z, encontrou em David Lynch um modo de sonhar acordado.

    De Batman a Homem-Aranha, o legado dos quadrinhos ultrapassou as barreiras do papel e ganhou as telas do cinema, tornando-se um dos gêneros mais rentáveis de Hollywood.

    No fim de 2021, o Google liberou a lista dos itens mais pesquisados em seu buscador no decorrer do ano. Dos dez filmes mais procurados na plataforma, cinco pertenciam ao subgênero chamado popularmente de “filmes de super-heróis”. Dividindo-se entre Marvel e DC; Eternos (1º), Viúva Negra (2º), Liga da Justiça de Zack Snyder (3º), Venom: Tempo de Carnificina (4º) e O Esquadrão Suicida (7º) dominaram as buscas, em um movimento que diz muito sobre os rumos atuais do audiovisual global.

    A notícia de que Homem-Aranha: Sem Volta para Casa arrecadou a maior bilheteria de 2021, não foi surpresa para ninguém. Olhando a lista dos filmes mais lucrativos do ano passado — talvez, a métrica mais importante para os estúdios por trás dos longas — é possível confirmar o amplo domínio das produções com heróis, que além do primeiro lugar, ocupam também 4 das 10 primeiras posições. Se décadas atrás passamos pela era de ouro dos quadrinhos — os fãs da DC irão lembrar —, agora, é possível dizer que vivemos a era de ouro dos filmes de super-heróis, afinal, os números não mentem, não é mesmo?

    Homem-Aranha: Sem Volta para Casa
    Homem-Aranha: Sem Volta para Casa
    Data de lançamento 16 de dezembro de 2021 | 2h 28min
    Criador(es): Jon Watts
    Com Tom Holland, Zendaya, Benedict Cumberbatch
    Imprensa
    3,5
    Usuários
    4,5
    Adorocinema
    4,0
    Assista agora

    Mas o que explicaria o tamanho sucesso destes filmes? Seria o grande marketing investido pelos estúdios em suas produções? Ou talvez certa nostalgia relativa a tempos passados, onde os personagens se resumiam às HQs? Há uma maléfica agenda dos grandes estúdios visando lotar o mercado com tais filmes, como alguns conspiracionistas pregam? Visando entender a crescente popularidade das obras em questão, o AdoroCinema conversou com dois estudiosos do assunto: Marina Vlacic e Lucas da Silva Nunes, Mestre e Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria, respectivamente.

    Responsáveis pelo artigo Diferenças entre o popular e o pop: o cinema de super-heróis como parte integrante de uma cultura segmentada, ambos nos ajudaram a compreender um pouco mais sobre como chegamos ao momento debatido, assim como os possíveis futuros destas obras.

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    POR QUE FILMES DE SUPER-HERÓIS FAZEM TANTO SUCESSO?

    Como falado anteriormente, não há como negar o momento. De 2005 para cá, com o surgimento de Batman Begins, as produções com personagens de quadrinhos começaram a alcançar outro patamar cinematográfico, tanto em termos de investimento, quanto de excelência em relação ao gênero. Para quem não se recorda, antes disso, longas de qualidade duvidosa surgiam em maior frequência, como Demolidor - O Homem Sem MedoElektraO Juiz (Dredd)Mulher-GatoSpawn e muitos outros.

    Mas então quais foram os principais elementos que levaram este tipo de produção ao sucesso hoje em dia? De acordo com nossa entrevistada Marina Vlacic, o grande crescimento tecnológico vivido pelo cinema ajudou a consolidar os longas, amplamente conhecidos pelo frequente uso de computação gráfica.

    “A evolução da tecnologia ajuda bastante. Fazer super-heróis salvando o mundo em cenas de ação que pareçam verídicas é algo que envolve muito dinheiro e equipes gigantescas. Um segundo ponto é que algumas produtoras finalmente entenderam que para continuar com um público engajado, é preciso criar histórias convincentes que engajem o público a continuar assistindo, não apenas histórias que levem o público ao cinema para gerar lucro”, afirmou Vlacic.

    Além disso, segundo Lucas Nunes, há também uma mudança na perspectiva cultural em relação ao consumo de tais tipos de conteúdo. Se antes ser reconhecido como “nerd” era algo pejorativo, agora, há todo um orgulho por trás da alcunha, o que ajuda a explicar o atual momento

    “Devemos encarar o universo das HQs e destes filmes como pertencentes à identidade nerd, mas não apenas, e neste sentido, podemos citar que este tipo de público por anos era visto como ‘estranho’ e estereotipado. Já nos últimos tempos, o significado de ‘ser nerd’ passou por um processo de ressignificação e o que antes era visto como ‘estranho’, passou a ser encarado com motivo de orgulho, levando as pessoas a falarem mais sobre e atraindo a atenção de veículos de imprensa e grandes estúdios”.

    O doutorando ainda coloca que este universo “acaba movimentando outros mercados além do cinematográfico, como o consumo de itens colecionáveis e vestuário”. Ou seja, mercadologicamente, há o fator capitalista por trás dos filmes, que acaba retroalimentando um movimento cíclico: quanto mais se consome, mais se produz. Matemática simples.

    E se questões como mercado e tecnologia ajudam a explicar o sucesso atual dos filmes, a identidade pessoal de cada espectador configura um importante elemento para o engajamento atual.

    “O cinema de super-heróis, assim como outras produções da cultura pop, movem afetivamente seus públicos. As conexões criadas entre os personagens, suas narrativas e o público, ultrapassam o mero entretenimento. São poucos os filmes que não têm origem nos quadrinhos (...) São produções que geram sentimentos, criam laços, vínculos afetivos das quais as pessoas querem continuar vivendo, mesmo fora das telas”, explicou Marina.

    DIRETORES FAMOSOS CRITICARAM FILMES DE SUPER-HERÓIS

    Do mesmo jeito que estes tipos de filmes carregam uma legião de apaixonados, há um outro lado da moeda que não gosta pelos mais variados motivos. Cineastas influentes como James CameronMartin ScorseseDenis Villeneuve, Ridley Scott e outros grandes nomes do cinema já criticaram os filmes da Marvel e DC, alegando que os mesmos são prejudiciais ao cinema.

    Uma das maiores críticas ao gênero se constrói em cima do argumento de que ele tira espaço de produções “mais artísticas” nas salas de cinema e até nos streamings. Scorsese chegou a afirmar que os filmes da Marvel não são cinema, fazendo duras críticas aos roteiros e a grande quantidade de computação gráfica utilizada pelos estúdios.

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    Sobre o assunto, Marina tem uma opinião contrária à dos diretores citados. Segundo ela, há espaço suficiente na sétima arte para que os filmes de heróis e o chamado “cinema arte” coexistam, sem que haja prejuízo para nenhum dos dois. Ela também reforça a qualidade do primeiro:

    "A crítica em cima do que é “cinema arte” é muito subjetiva. Por que não podemos considerar um filme de super-herói como uma obra prima se assim ele foi feito para ser? Temos diversos artistas trabalhando nessas obras: equipe de efeitos especiais; figurinistas; direção de arte e fotografia; e os próprios roteiristas e diretores trabalhando com afinco para criar histórias que façam justiça aos personagens já existentes em outras mídias."

    E completa: “Temos diversos exemplos de que cinema de super-herói pode sim ser “cinema arte”, e não sou eu dizendo, é a própria academia. Desde Super-Man: O Filme (1978), os filmes de super-heróis figuram no Oscar. Apesar de se enquadrarem geralmente em categorias como efeitos especiais, direção de arte, montagem, trilha sonora, figurino e maquiagem, temos exemplos recentes de que eles estão cada vez mais presentes na maior premiação de cinema mundial. Joaquin Phoenix e Heath Ledger ganharam Oscar de melhor ator e melhor ator coadjuvante respectivamente, interpretando o famigerado vilão Coringa. Pantera Negra ganhou três estatuetas das seis categorias das quais foi indicado. Homem-Aranha no Aranhaverso ganhou o prêmio de melhor animação. Logan foi indicado ao prêmio de roteiro adaptado.”

    O FUTURO DESTE TIPO DE CINEMA

    Uma das questões mais debatidas sobre o assunto é: qual é o futuro do gênero super-heróis? Steven Spielberg já afirmou que este tipo de cinema, invariavelmente, encontrará seu declínio, assim como aconteceu com os filmes de faroeste. Em contrapartida, nomes como Paul Thomas Anderson (MagnóliaTrama Fantasma) e Bong Joon-Ho (Parasita) creem em um futuro positivo para as franquias, afirmando que tais produções são benéficas ao audiovisual.

    “Spielberg que me perdoe, mas super-heróis vieram para ficar. Assim como nos quadrinhos, permanecerão nos cinemas, nas séries e nas animações. O que vemos é só o início. A cultura pop se baseia na afetividade gerada pelo público com os produtos midiáticos, e o mercado achou um nicho insaciável. Eles estão atentos também aos engajamentos deste público. Percebemos uma mudança nas representações de personagens e uma maior diversidade de atores interpretando papéis. Isso gera ainda mais empatia com o público que se enxerga nos personagens”, coloca Marina, indo em direção a Anderson e Joon-Ho.

    Se levarmos em consideração que o dinheiro move Hollywood, não tão cedo estas franquias verão seu fim. Dando uma breve observada nas maiores bilheterias dos últimos quinze anos, percebemos que seis são de filmes de heróis — além da presença de outros títulos como Star Wars: O Despertar da Força e Transformers: A Era da Extinção, que também poderiam entrar no grupo. Se tais produções durarão “para sempre” ou não, é difícil dizer, mas é certo que enquanto elas continuarem a colocar dinheiro no bolso dos produtores, continuarão a existir.

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