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    Não! Não Olhe!
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Não! Não Olhe!

    Jordan Peele está criando clássicos do terror

    por Aline Pereira

    Ao longo da história, diversos grandes cineastas conseguiram deixar marcas de sua identidade no cinema, mas poucos o fizeram tão rápido quanto Jordan PeeleNão! Não Olhe! é apenas o terceiro longa criado pelo diretor, mas a sensação é de que ele já é um veterano do terror - e correndo o risco de estar me precipitando um pouco - já é responsável por clássicos do gênero. Em Não! Não Olhe!, Peele amadurece o que construiu até agora em Corra!Nós com um novo “superpoder” (que vem com novas responsabilidades): o do orçamento mais generoso que teve até agora.

    Com roteiro e direção de Jordan Peele, Não! Não Olhe! acompanha a história dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer), que administram um rancho especializado em treinar cavalos para participações em filmes. Os negócios eram originalmente comandados pelo pai dos dois, que teve uma morte trágica e em circunstâncias estranhas, causada pela queda de destroços de uma aeronave. 

    Agora, os irmãos precisam batalhar para manter as contas em dia, enquanto lidam com acontecimentos enigmáticos, que envolvem o desaparecimento de alguns de seus animais e o surgimento de algo estranho que parece estar sobrevoando a casa deles. E com esta sequência de eventos e descobertas que Jordan Peele nos fisga e entrega uma história cheia de camadas - para ver e rever. 

    Como enfrentar algo que não se pode ver? 

    Os acontecimentos estranhos do rancho despertam reações diferentes nos irmãos: enquanto o espírito mais recluso e desconfiado de OJ torna sua curiosidade “negativa”, Emerald mostra um faro “empreendedor” e passa a buscar meios de provar que há realmente um OVNI perto deles - uma tarefa que será muito mais difícil do que ela esperava. A trama, então, mistura os momentos de terror a um tom de comédia, trazidos pelas tentativas de “monetizar” tudo - aqui os protagonistas contam com a ajuda de um cineasta excêntrico e de um técnico de informática dispostos a ajudar. 

    Neste sentido, Não! Não Olhe! brinca com o clássico conceito do “medo do desconhecido”. Como o próprio título do filme explica, há uma questão importante de não encarar o “monstro” diretamente - não daremos spoilers dos detalhes, é claro, inclusive porque vale ressaltar como o longa se beneficia da completa falta de conhecimento do público sobre a história que será contada. Jordan Peele cria uma trama tão indecifrável que fica difícil prever os desfechos, o que torna o medo ainda mais intenso.

    O longa também oferece um tipo de terror que se afasta da claustrofobia e da escuridão já tradicionais do gênero para provocar medo justamente pela amplidão - os espaços abertos de Não! Não Olhe! são gigantescos, as terras ao redor do rancho Haywood parecem não ter fim e, de alguma forma, a sensação de imensidão amedronta. 

    Não! Não Olhe! é um filme complexo com cara de blockbuster 

    Uma das habilidades mais notáveis de Jordan Peele é a de discutir temas complexos em histórias que são, em sua essência, "simples". Há os protagonistas e o inimigo que precisa ser enfrentado, mas entre uma coisa e outra, a profundidade dos temas propostos são o ouro da obra - uma talento que ficou bastante claro no filme de estreia do diretor, Corra!, em 2017. Aqueles que estiverem dispostos a mergulhar no debate e nos “dedos nas feridas” que Peele propõe vão encontrar um vasto material; aqueles que se interessam pelo ritmo, pela ação e pela evolução do mistério principal, vão se divertir. 

    Em Não! Não Olhe!, a sociedade do espetáculo é um dos principais temas abordados: o diretor explora a necessidade que temos de ser vistos (de diversas maneiras), a vontade de ser parte de grandes momentos e até onde vamos para encontrá-los - para alguns, custe o que custar. Um tema que me parece ser abordado de forma mais impactante com um personagem específico: Jupe, interpretado pelo ator de The Walking Dead e indicado ao Oscar (MinariSteve Yeun - o que nos leva ao próximo tópico. 

    Não! Não Olhe! tem elenco sintonizado e bons personagens 

    O personagem de Steve Yeun é uma ex-estrela mirim que teve sua carreira artística interrompida precocemente e de forma terrível - o flashback que revela o que aconteceu em seu passado é, sem dúvidas, um dos grandes momentos do filme e expõe os altos e baixos da vida sob os holofotes, assim como as consequências de passar tempo demais ou de menos embaixo deles. 

    No núcleo principal, tudo indica que Jordan Peele realmente encontrou seu próprio Robert De Niro, como brincou o próprio cineasta em entrevista, fazendo uma referência sobre a parceira notável e longa entre o ator e o diretor Martin Scorsese. Vencedor do Oscar em 2021, Daniel Kaluuya (Judas e o Messias Negro) repete a parceria com Jordan Peele cinco anos após Corra! e está tão confortável em seu personagem que fica clara a sintonia com a direção e com um papel que foi feito pensando nele. 

    Keke Palmer, irmã de Kaluuya no longa, também é um destaque: com um timing cômico muito bom, a atriz traz sua experiência em produções como As Golpistas, Master of Sex, Scream Queens, entre outras, para uma personagem que precisa ser um pouco efusiva e provocar um sentimento de ansiedade que contraponha a melancolia de Kaluuya - uma junção que deu certo. 

    Jordan Peele é um mestre em discutir raça 

    Neste filme, a discussão racial não está em um primeiro plano tão “evidente” quanto em Corra! e Nós!, cujo horror está intimamente ligado às consequências devastadoras do racismo. Mas isso não significa que a questão não esteja presente e Jordan Peele reforça a habilidade em trazer o tema em vieses diferentes e em diferentes camadas. Há um detalhe muito importante de ancestralidade na trama dos irmãos Haywood, que são descendentes do homem anônimo que aparece na primeira imagem feita com captura de movimentos, pelo fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, no século 19 (uma história real!). 

    “Desde o momento em que as fotografias passaram a se mexer, nossa pele estava lá”, narra a personagem de Keke Palmer ao apresentar os negócios da família para um estúdio. Discute-se, então, um apagamento histórico de pessoas negras em uma indústria na qual sempre estiveram presentes e que ajudaram a construir. É como se Jordan Peele, enquanto cineasta, também reforçasse seu lugar no cinema.

     

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