A trama da história de "Birdman" se passa em apenas três dias, período no qual uma peça teatral da Broadway dirigida por Riggan Thomson (interpretado por Michael Keaton) entra em pré-estreia. No passado, Riggan teve seus tempos de glória e fama em Hollywood ao interpretar o personagem fictício "Birdman", papel que lhe rendeu mais duas sequências de muito sucesso. Porém, recusou o papel na sequência seguinte, vendo sua carreira como ator entrar em decadência desde então. Ora, mas essa é quase uma autobiografia do próprio ator Michael Keaton!! Correto. Quem conhece a carreira de Keaton logo sacará que uma das grandes jogadas de "Birdman" é na verdade uma sátira ao próprio ator. Keaton interpretou "Batman" em 1989 e "Batman - O Retorno" em 1992 (mesmo ano de estreia de "Birdman 3" no roteiro do filme), ambos dirigidos por Tim Burton. As duas primeiras longa metragens do homem morcego nas telonas rendeu a Keaton críticas positivas e grande aceitação do público. Por não gostar do roteiro, recusou o papel na sequência seguinte, "Batman Forever", sendo então substituído por Val Kilmer. Desde então, Michael Keaton não havia recebido nenhum papel de prestígio no cinema. Assim como seu personagem Riggan, Keaton tenta se reerguer e provar que ainda tem talento. E consegue! Já recebeu prêmios importantes de melhor ator este ano, como o Globo de Ouro, Critic´s Choice Awards, e é um dos favoritos ao Oscar (o primeiro de sua carreira). Keaton se mostra mesmo exposto, sem maquiagem ou artifícios, calvo, as cenas em que aparece só de cueca mostram um homem não mais em forma (parece que a mania de Walter White pegou!). É como se a personagem "Birdman" se fundisse a Riggan, que por sua vez se funde a Keaton. Atuação brilhante. Na verdade, a maior parte do elenco tem seus méritos também. Edward Norton (sou fã desde "Fight Club"), com seu personagem coadjuvante e inescrupuloso; e Emma Stone, como a filha problemática, também concorrem a estatueta por suas atuações. Enquanto a personagem protagonista é uma autobiografia do ator principal, o filme em si é metalinguagem pura. A locomoção das câmeras nos corredores do estúdio do teatro e o que rola nos bastidores nos faz parecer estar lá, como em um documentário, um "behind the scenes". Até a luz do cenário do filme é natural do ambiente, quase realista. O que vemos seria uma crítica cômica, se não fosse trágica, à indústria cinematográfica e sua relação com a Broadway, aos atores em busca de fama a qualquer preço, aos argumentos dos críticos de cinema e arte, e até mesmo a nós telespectadores. Em certo ponto "Birdman" me fez lembrar "Cisne Negro". Ambos são dramas psicológicos cujos protagonistas vivem uma crise existencial, questionam a realidade e criam um mundo fictício, no qual são capazes de cometer exageros em busca da perfeição à arte (o que pode explicar o subtítulo do filme: A Inesperada Virtude da Ignorância). O final fica por conta da imaginação de cada um.