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    O Hóspede Americano: Minissérie brasileira da HBO Max abriu estrada para gravar na selva (Entrevista)
    Lucas Leone
    Lucas Leone
    -Redator | Crítico
    Lucas só continua nesta dimensão porque Hogwarts ainda não aceita alunos brasileiros. Ele até tentou ir para Westeros ou o Condado, mas perdeu a hora do Expresso do Oriente. Hoje, pode ser visto escrevendo no Central Perk mais próximo.

    Estrelada por Chico Diaz e Aidan Quinn, produção acompanha uma expedição histórica que reuniu o marechal Cândido Rondon e o ex-presidente dos EUA Theodore Roosevelt.

    Você já deve ter ouvido falar no marechal Rondon, mas você sabe quem foi ele ou o que fez pelo Brasil? O Hóspede Americano, nova minissérie da HBO Max, conta a história real do lendário explorador e de seu encontro com o ex-presidente dos EUA Theodore Roosevelt. No início do século 20, os dois embarcaram em uma perigosa viagem para explorar o último rio não cartografado do país: o Rio da Dúvida, em Rondônia. Nessa jornada, os dois homens vão testar os seus limites físicos e morais, além de aprender a lidar com suas personalidades conflitantes para sobreviver.

    O Hóspede Americano
    O Hóspede Americano
    Data de lançamento 2021-09-26
    Séries : O Hóspede Americano
    Com Aidan Quinn, Chico Diaz, Dana Delany
    Usuários
    3,1

    Segundo o diretor Bruno Barreto, a grande mensagem da obra se encontra na complexidade: "Essa história é sobre poder, mortalidade e natureza. Esses dois personagens eram muito poderosos e se julgavam imortais de maneiras completamente opostas." Enquanto Rondon dizia "Morrer se for preciso, matar jamais", Roosevelt pensava que nunca o matariam pois tinha uma arma para se defender e atacar antes. À medida que a expedição se desenrola, eles passam a aceitar a finitude.

    O primeiro episódio de O Hóspede Americano chega ao serviço de streaming hoje (26), com mais três a serem lançados semanalmente – e com exibição simultânea na HBO. Em entrevista virtual, o AdoroCinema também conversou com os atores Chico Diaz e Aidan Quinn, que interpretam, respectivamente, Rondon e Roosevelt. O resultado você confere a seguir!

    QUAL A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DE ROOSEVELT E RONDON?

    Engenheiro militar, sertanista e marechal do Exército, Cândido Mariano da Silva Rondon nasceu em Mimoso, distrito ao norte do Mato Grosso. Era descendente de portugueses e espanhóis que haviam se combinado com indígenas das tribos guaná, terena e bororo. Não chegou a conhecer seu pai, e sua mãe morreu quando tinha apenas dois anos. "Ele era caboclo, saiu órfão de uma pequena cidade e alcançou o pico da civilização", lembra Chico Diaz.

    Para o ator, Rondon é uma figura icônica que acabou esquecida, tem muito a nos ensinar sobre nossas raízes. "Ele expandiu não só as fronteiras geográficas e físicas brasileiras, mas também contribuiu para a integração do nosso povo – que não era visto como tal até então." De fato, o explorador lançou luz sobre a questão indígena e a demarcação do território nacional, além de ter levantado debates em torno da oxigenação das Forças Armadas. "A história pessoal de Rondon mostra a fibra, a inteligência e a capacidade da nossa população, desde que seja educada e bem conduzida", afirma Diaz.

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    O militar – que, inclusive, virou nome de rua no Rio de Janeiro – foi responsável pela criação do Serviço de Proteção ao Índio, atual Funai. Ao mesmo tempo, teve um papel decisivo na história das comunicações no Brasil. “Rondon filmava tudo e mostrava nos cinemas o material. Ele era um aventureiro que também era um homem da mídia", lembra Diaz. “Eu acho fundamental que suas propostas sejam revistas pela sociedade brasileira, pelos alunos, pelas autoridades e, sobretudo, pelo Exército.”

    Bruno Barreto brinca ao dizer que a estratégia de Rondon equivale, nos dias de hoje, ao Instagram. "O governo da época achava que muito dinheiro estava sendo gasto com a expedição. Mas aqueles documentários faziam tanto sucesso que eles eram anunciados na marquise, junto do filme americano. Muita gente pagava ingresso para ver as aventuras de Rondon", explica.

    Aidan Quinn admite que, assim como o marechal brasileiro, Theodore Roosevelt não é tão lembrado quanto deveria. "Os americanos não sabem muito de História – e menos ainda de sua própria. Eu não acho que eles são contra Roosevelt. Eles apenas o desconhecem", analisa o ator. Como 26º presidente dos EUA, Roosevelt era repubublicano, mas se tornou uma persona non grata dentro do partido, que o enxergava como socialista.

    O político nova-iorquino ficou pouco mais de oito anos no poder, entre 1901 e 1909. Por um lado, gostava de armas e de caçar animais. Por outro, batalhou pelo voto feminino anos antes de sua implementação (que aconteceu somente em 1920), inventou a lei antitruste para combater grandes fortunas e impediu o desmatamento de áreas como o Grand Canyon por empresas mineradoras. Ele, inclusive, recebeu o primeiro negro em um jantar na Casa Branca.

    "Eu acredito em tudo que Roosevelt amava", diz Quinn. E continua: "Sou fascinado pela natureza. Acredito em justiça social assim como ele. Acredito que a desigualdade entre pobres e ricos é um dos maiores problemas que temos. Acima de tudo, se não cuidarmos do nosso planeta e uns dos outros – como Roosevelt sabia e defendia –, não poderemos sequer falar de justiça social. Porque não sobrará nada."

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    EQUIPE ABRIU ESTRADAS PARA GRAVAR NA SELVA

    Conhecido por filmes como Dona Flor e Seus Dois Maridos, Última Parada 174 e Flores Raras, Bruno Barreto conta que foi um grande desafio gravar em locações reais. A equipe da série passou cerca de 25 dias em Alta Floresta e quatro dias na Chapada dos Guimarães – ambos no Mato Grosso. "Tivemos que abrir algumas estradas para chegar no lugar. Uma hora e meia de estrada para ir e para voltar. Quanto à sequência das corredeiras, só foi possível fazê-la de barco", revela o diretor.

    "Não foi economizado tempo nem recurso para a veracidade. Toda aquela parte do rio e da selva foi uma coisa racional, planejada. Chroma key não é a mesma coisa, não daria essa veracidade", confessa Barreto, referindo-se à tela verde em que se inserem imagens e efeitos visuais na pós-produção. “Os indígenas que aparecem em cena são todos verdadeiros, não são atores. Foram trazidos do Tocantins, das tribos xavante e bororo", acrescenta.

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    Para Chico Diaz, o que se vê na tela não passa de um truque. "Quando nós filmamos, é tudo muito protegido, planejado, pensado plano a plano. As cenas de ação foram muito bem cuidadas por uma equipe enorme, tanto aquática quanto terrestre", diz. "A questão dos bichos: escorpiões, cobras, serpentes… Sempre havia os mateiros em volta, preparando o terreno para a filmagem.”

    Aidan Quinn, por sua vez, confessa que as cenas gravadas na floresta não foram nada fáceis. "Eu gosto de aventura e de estar em contato com o verde. Amei meu tempo no Brasil. Mas, da próxima vez que eu fizer um filme lá, talvez eu dispense a selva", diverte-se o ator, que já havia morado seis meses no Pará quando participou do longa Brincando nos Campos do Senhor, de Héctor Babenco.

    COMO O INCÊNDIO NA CINEMATECA ESTÁ RELACIONADO A RONDON?

    Muitos dos documentários feitos por Rondon estavam guardados na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Com o incêndio que atingiu a instituição em julho deste ano, vários registros de suas expedições foram consumidos pelas chamas – e não tinham cópia digitalizada. “Eu acho que nós somos um povo de memória curta, de quase não nenhuma memória", declara Chico Diaz. "O que aconteceu com o Museu Nacional, com a Cinemateca Brasileira, tudo isso é extremamente grave. São detalhes que demonstram como a prática cultural brasileira não se alimenta do passado."

    Segundo Diaz, a identidade brasileira vem sendo combatida de forma perversa e planejada. "Estão nos negando o óbvio: a proteção das futuras gerações, a educação, o alimento. Um imaginário de país, uma autoestima de país", lamenta. Ainda assim, o ator se considera um "pessimista esperançoso" e acredita que essa "noite" não vai durar muito tempo. "Nós temos muito talento e somos um povo de muita força, como mostrou Rondon. O Brasil é fundamental para a saúde do mundo: um país tão rico, desse tamanho, nessa localização geográfica, com essa mistura de povos e tendo passado pelo que passou."

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    Aidan Quinn se mostrou particularmente surpreso com a notícia do incêndio na Cinemateca. Mas fica feliz em saber que O Hóspede Americano vai resgatar parte dessa memória perdida. "Pelo menos as pessoas vão ter a chance de ver alguns dos mais incríveis feitos de Rondon – mesmo que na ficção", declara. "Eu espero que a série mostre que você pode ter diferenças culturais muito poderosas, manifestar o seu destino e buscar progresso."

    Mas, como pontua Quinn, isso não é tão relevante no fim das contas. "O mais importante é a conexão que temos. E a natureza está finalmente falando: 'Adivinha? Eu vou te ensinar uma lição e você vai ouvir'. Talvez a gente tenha a chance de ouvir agora, com a pandemia de Covid-19 e com as mudanças climáticas."

    O Hóspede Americano é uma produção exclusiva HBO, coproduzida com a Teleimage. O elenco conta ainda com Dana Delany, David Herman, Chris Mason, Trevor EveTheodoro Cochrane e João Côrtes.

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