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    Blumhouse, o novo templo do cinema de terror

    Conheça a trajetória do estúdio responsável por filmes como Corra!, Atividade Paranormal e Uma Noite de Crime; o mais recente filme da companhia, Verdade ou Desafio, está em cartaz no Brasil.

    Podcasts, livros, histórias em quadrinhos, séries para plataformas de streaming e para grandes emissoras, documentários, dramas ganhadores do Oscar e, é claro, filmes de terror. Aparentemente não há mídia na qual a Blumhouse não opere ou que não possa empregar sua expertise para encontrar sucesso no futuro. Responsável por êxitos de bilheteria como FragmentadoAtividade ParanormalUma Noite de Crime e também pelo essencial Corra!, de Jordan Peele, a companhia criada pelo produtor Jason Blum há 18 anos se firma cada vez mais como um dos estúdios mais importantes e influentes de Hollywood. Conheça a seguir a trajetória de triunfos da Blumhouse:

    RETOMADA DO TERROR

    O gênero do terror, apesar de extremamente popular, sempre percorreu uma trajetória de altos e baixos dentro dos limites da sétima arte. Esse ciclo de vitórias e percalços ficou mais evidente a partir de meados dos anos 1990, quando a oferta das produções do tipo causaram uma espécie de saturação no mercado. Após os clássicos dos anos 1970, dos quais se destacam as obras profundamente psicológicas de cineastas como William Friedkin (O Exorcista), Roman Polanski (O Bebê de Rosemary) e Steven Spielberg (Tubarão), os anos 1980 trouxeram uma oferta de filmes centrados na sanguinolência de suas tramas e em uma infinidade de jumpscares - as situações desenhadas para provocar sustos instantâneos na plateia -, situação esta que encontraria um ponto de inflexão negativo na década seguinte.

    Com o afastamento gradual do público das salas de cinema, os produtores e executivos buscaram uma reconexão com as audiências através da realização de filmes de terror auto-conscientes das características do seu próprio gênero. Assim, surgiriam inúmeras produções que giravam em torno de paródias e ironias, se alimentando diretamente dos horrores cinematográficos do passado; no âmbito das obras mais dramáticas e estruturalmente complexas, portanto, os Estados Unidos praticamente pararam de oferecer novos conteúdos, com a notável exceção do fenômeno A Bruxa de Blair. Os exemplares do cinema de terror mais criticamente aclamados, baseados em cenários frequentemente minimalistas e pouco dependentes de efeitos visuais, passaram a vir de territórios estrangeiros, tanto da Europa quanto da Ásia - muitas delas, inclusive, ganhariam refilmagens em Hollywood, como O Chamado e O Grito.

    Inspirado pelo minimalismo crescente do gênero e pela renúncia a tendências como a do gore, do slasher e dos supracitados jumpscares, Jason Blum decidiu colocar em prática um modelo de produção economicamente sustentável e artisticamente respeitoso: ao contrário das majors, que insistiam em longas de terror de grandes orçamentos e baixíssimos retornos em comparação aos custos de realização, Blum e sua empresa inverteram o paradigma. O contrato é o seguinte: por um orçamento de produções indies - leia-se: muito distante da megalomania típica de Hollywood -, o cineasta cujo filme é produzido pela Blumhouse tem controle total sobre sua obra, independentemente de sua experiência ou de seu reconhecimento na indústria; tradicionalmente em Hollywood, apenas os figurões tem direito ao final cut, ou a capacidade de decidir o corte final de seus projetos. E é aqui que entra Atividade Paranormal, de 2007.

    O REINADO DA BLUMHOUSE

    Contando com um orçamento de somente US$ 15 mil, um valor ínfimo quando comparado aos orçamentos gerais dos blockbusters, Atividade Paranormal terminou sua jornada de exibição com US$ 193 milhões arrecadados. Excluindo a verba de publicidade e considerando apenas o montante gasto para as filmagens, Atividade Paranormal torna-se automaticamente um dos filmes mais lucrativos de toda a história do cinema, um patamar que alavancou o status da Blumhouse na indústria. Com tal cartão de visitas, não demorou para que a produtora conseguisse emplacar continuações de seu primeiro hit nos anos seguintes; logo em seguida, a Blumhouse daria o pontapé inicial em mais duas lucrativas franquias: Uma Noite de Crime e Sobrenatural. No total, os seis filmes de Atividade Paranormal, os quatro de Sobrenatural e os três de Uma Noite de Crime arrecadaram quase US$ 2 bilhões - e estas sagas não devem parar por aqui; a prequel desta última, aliás, já está confirmada: A Primeira Noite de Crime.

    Mas foi em 2014 que a companhia concretizou seu primeiro salto de maior impacto ao assinar um contrato de 10 anos com a Universal. A partir do acordo, a major adquiriu a primeira opção de compra dos direitos de distribuição das obras da produtora de Blum, o que não só cimentou a potência da empresa independente, como também demonstrou que a Blumhouse havia se tornado um player importante no mercado, atraindo a atenção dos gigantescos estúdios de Hollywood. E na mesma época, o estúdio emplacou seu primeiro grande hit de público, crítica e premiações, investindo fora do âmbito do terror: o fenomenal drama Whiplash - Em Busca da Perfeição (US$ 3,3 milhões gastos vs US$ 48 milhões arrecadados), de Damien Chazelle, vencedor de 3 Oscar. Com a sustentação da Universal de um lado, o teto orçamentário de no máximo US$ 10 milhões para cada uma de suas produções e o garimpo de talentos inéditos, a Blumhouse elevou seus lucros e o nível de qualidade de seus títulos, pavimentando a estrada para o retorno à forma de um reconhecido cineasta: M. Night Shyamalan.

    Analisando em retrospecto, é bastante significativo o fato de que Shyamalan tenha escolhido a Blumhouse para dar um reboot em sua carreira. Após os fracassos retumbantes de obras execradas pela crítica, tais como Fim dos Tempos (eleita para a lista do AdoroCinema de filmes tão ruins, mas tão ruins que se tornaram clássicos cults), O Último Mestre do Ar e o destruidor de carreiras Depois da Terra, o realizador decidiu voltar às suas origens minimalistas - e, para isso, selecionou a companhia em ascensão de Blum, onde enfrentaria um nível mínimo de pressões e encontraria maior liberdade para "exercitar seus músculos" criativos. Dito e feito. A Visita, primeiro longa feito por Shymalan em parceria com Blum, foi produzido por US$ 5 milhões e arrecadou US$ 95 milhões, conquistando crítica e público em medidas similares. E se A Visita não foi o melhor que Shyamalan poderia produzir ou até mesmo a produção mais inspirada da Blumhouse, o terror fez o suficiente para recolocar o diretor no mapa e concretizar a posição da Blumhouse como um selo voltado ao cinema de autor.

    CINEASTAS AUTORES

    A noção de autoria na sétima arte é bastante complicada por inúmeros motivos, mas o conceito torna-se especialmente problemático quando aplicado aos blockbusters. Em uma era onde produtores como Kevin Feige (Marvel) e Kathleen Kennedy (Lucasfilm) dão todas as cartas, os diretores contratados pelos grandes estúdios devem praticamente obedecer aos desígnios dos estrategistas criativos de cada major ou franquia. Essencialmente, são os produtores que mandam em Hollywood e toda e qualquer decisão artística precisa ser aprovada pelos executivos a cargo das produções; assim, onde é que se coloca o espaço para a criação do cineasta ou do roteirista de um determinado projeto? Em que medida é possível ter liberdade para concluir um filme e em que medida o resultado final não será uma pasteurização industrial? Bem, na Blumhouse e em outras companhias indies correlatas, redutos do cinema de autor em Hollywood, cada um dos realizadores contratados possui espaço de manobra suficiente para exercer autoria sobre suas obras. Não é à toa, portanto, que o estúdio tenha atraído a atenção de nomes consagrados como Shyamalan e Eli Roth e revelado (então) jovens promessas como James WanJames DeMonaco e Scott Derrickson.

    A relação de nomes que trabalharam com Blum é extensa e repleta de qualidade, mas a companhia viria a atingir seu auge com a revelação de que um celebrado comediante também era, no fundo, um dos cineastas mais promissores do momento. Em 2017, a Blumhouse não só lançou o inesperado A Morte Te Dá Parabéns (US$ 122 milhões vs um orçamento de US$ 4,8 milhões) e Fragmentado - o mais recente longa de Shyamalan foi produzido por somente US$ 9 milhões e arrecadou US$ 278 milhões, tornando-se o maior hit do estúdio -, como também apresentou ao mundo o surpreendente e aclamado Corra!. Estreia do humorista Jordan Peele na direção de longas-metragens, o thriller social vencedor do Oscar de Melhor Roteiro é o pináculo da Blumhouse, combinando todos os elementos que destacam a produtora no imenso e competitivo mercado cinematográfico dos Estados Unidos. Baixo orçamento (US$ 4,5 milhões), rendimento elevado (US$ 255 milhões) e a aprovação geral de público, crítica e das premiações ao redor do mundo. Corra! não só mudou o jogo para Peele e para Blumhouse: mudou o jogo também para o cinema de terror, coroando uma safra recente de produções inspiradas e fundamentadas em comentários político-sociais aprofundados, tais como The BabadookCorrente do Mal e A Bruxa, entre outros.

    Trazer Peele também foi instrumental para que a Blumhouse garantisse a contratação de outro realizador experiente: Spike Lee. Seu vindouro suspense - produzido por Peele -, BlacKkKlansman, que analisa a operação da organização supremacista branca Ku Klux Klan nos Estados Unidos da década de 1970, disputará a prestigiada Palma de Ouro 2018 ao lado dos mais novos títulos de cineastas como Asghar Farhadi e Jean-Luc Godard. Ou seja, caso BlacKkKlansman saia da Croisette com algum prêmio - ou até mesmo com o troféu máximo da premiação -, a Blumhouse conhecerá um prestígio inédito dentro de Hollywood e terá a chance de operar com mais solidez fora do nicho do terror. Isso sem contar com o fato de que a companhia pode emplacar sucessos televisivos através da aguardada minissérie da HBO Objetos Cortantes, da versão seriada de Uma Noite de Crime e da antologia Into the Dark, distribuída pelo Hulu. E retornando ao âmbito do cinema, a Blumhouse também já se prepara para lançar Glass, conclusão da trilogia composta por Corpo Fechado e Fragmentado; a nova sequência de Halloween, dirigida por David Gordon Green e com Jamie Lee Curtis de volta ao seu icônico papel; e o reboot de Spawn, projeto escrito e comandado por Todd McFarlane.

    Estes são apenas alguns dos futuros caminhos que a Blumhouse pode percorrer para seguir trilhando o sucesso já conquistado até aqui. O certo é que, para a sorte dos fãs do cinema de terror, a companhia chegou para reestruturar o panorama do gênero - e não pretende deixar o certame. E enquanto as novas etapas da história da Blumhouse não se concretizam, é possível conferir o mais recente projeto do estúdio nas salas de cinema nacionais: Verdade ou Desafio, suspense coestrelado pelos astros teen Lucy Hale (Pretty Little Liars) e Tyler Posey (Teen Wolf), está em cartaz no Brasil.

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