Com Joseph Quinn e Will Poulter, Tempo de Guerra é uma experiência perturbadora e realista sobre os horrores da guerra
por Bruno Botelho dos SantosO cinema tem uma longa relação com filmes de guerra, seja retratando Primeira ou Segunda Guerra Mundial, Guerra do Vietnã ou outros conflitos que abalaram o mundo ao longo da história. Uma característica em comum de muitas dessas produções está na intenção de mostrar os horrores da guerra nas telonas, o que clássicos como O Franco Atirador (1978), Apocalypse Now (1979), Vá e Veja (1985), Nascido Para Matar (1987) e O Resgate do Soldado Ryan (1998) fizeram – e denunciaram – nas últimas décadas.
Tempo de Guerra (2025), dirigido por Alex Garland e Ray Mendonza, foca em um episódio específico ocorrido na Guerra do Iraque para nos apresentar uma experiência realista, imersiva e aterrorizante envolvendo esse período histórico.
Tempo de Guerra mostra a batalha de Ramadi. Um grupo de militares se encontra no meio de um fogo cruzado com tropas iraquianas. Escondidos numa casa no centro da província ocupada pelas forças da Al Qaeda, os militares americanos vigiam as ruas em busca de seus inimigos. Quando uma granada inesperada explode o esconderijo do grupo, o caos se instala e a necessidade de evacuar se torna o principal e mais difícil objetivo. Enquanto esperam resgate, uma troca de tiros intensa causa mortos e feridos, deixando um rastro de escombros e traumas.
Um ponto fundamental por trás das câmeras é a parceria entre Alex Garland e Ray Mendonza. Garland é um dos nomes mais respeitados do cinema atual, especialmente pelos seus trabalhos de ficção científica como Extermínio (2002), Ex_Machina: Instinto Artificial (2014), Aniquilação (2018) e Devs (2020). Em Guerra Civil (2024), ele mostrou seu interesse em analisar os Estados Unidos politicamente, o que se confirma em Tempo de Guerra em relação à política externa do país na Guerra do Iraque.
Ray Mendonza é um ex-fuzileiro naval do exército americano e veterano da Guerra do Iraque. Ele virou consultor militar em Hollywood, e inclusive trabalhou com Alex Garland em sequências de Guerra Civil, então suas memórias e vivências são fundamentais para fazer uma reconstituição fiel e intensa na produção.
Tempo de Guerra começa com uma cena mostrando a equipe da SEALs, força especial da Marinha dos Estados Unidos, assistindo um vídeo de aula de aeróbica. Essa é a preparação deles para a batalha, mas também o único momento descontraído no filme inteiro, e dos personagens, que estão prestes a entrar em um cenário de horror.
É dado um pequeno contexto sobre a Guerra do Iraque, mas não espere nenhum aprofundamento nas complexidades políticas. A narrativa do longa está mais preocupada em recriar precisamente, e em tempo real, a missão dos soldados. Para isso, o envolvimento de Ray Mendonza é fundamental na atenção de mínimos detalhes, como a comunicação entre os personagens, que sua experiência na vida real proporciona – e enriquece a imersão do público naquela situação caótica.
A primeira parte é dedicada mais para a observação dos soldados das forças inimigas. Não acontece muita coisa, mas é importante como os diretores conseguem estabelecer um clima de insegurança a qualquer passo dos personagens. A tensão cresce progressivamente e explode, literalmente com uma bomba na trama, até começar o tiroteio e confronto humano.
Tempo de Guerra é um dos retratos mais viscerais sobre os horrores da guerra. Alex Garland explorou muito bem a carga de tensão no caos de Guerra Civil e se aproveita basicamente de um cenário único de uma casa para criar um pesadelo na telona. Tiros, bombas, sangue para todo lado e gritos desesperados pelos ferimentos são a toada de boa parte das 1 hora e 35 minutos. É basicamente um filme de terror e isso fica ainda mais claro no olhar e expressão de medo dos soldados pela situação que eles estão inseridos e nem sabe se sairão com vida dela. Tudo isso é amplificado pelo trabalho sonoro enervante, que aproveita de maneira crua dos sons ambientes, e aliado à precisão das coreografias deixa tudo mais real – e impactante.
O elenco de Tempo de Guerra está repleto de novas estrelas de Hollywood, como é o caso de Joseph Quinn, Will Poulter, Kit Connor, Charles Melton, Cosmo Jarvis e D'Pharaoh Woon-A-Tai. Com tantos rostos conhecidos em tela, é um tanto curioso que nenhum deles tem um destaque especial, e também não existe muita história de fundo para seus personagens, o que acaba se tornando – propositalmente ou não – um comentário interessante sobre os efeitos desumanizantes da guerra.
O que vemos são soldados que perderam completamente sua individualidade e se tornaram mais um número nas estatísticas, enviados em uma missão sem sentido para morrer – ou carregar os traumas do campo de batalha para o resto da vida – representando uma ideia. Mesmo sem um desenvolvimento aprofundado nos personagens, existe uma identificação do público com suas emoções graças ao trabalho corporal dos atores e um foco intensificado em suas expressões faciais.
Uma coisa que incomoda em Tempo de Guerra é a característica de Alex Garland em não tomar partido e manter uma certa ambiguidade em relação aos seus posicionamentos nas produções, o que já havia acontecido em Guerra Civil. Não é que ele tenha que explicar tudo ao público, mas levando em conta que se está trabalhando com temáticas políticas, sua vontade de soar “apartidário” atrapalha ao esconder quais são suas verdadeiras intenções. Isso é um tanto covarde, ainda mais que Garland e Mendonza não estão nem um pouco preocupados em desenvolver essas complexidades na trama.
Ao mesmo tempo que o filme está deixando bem claro esse lado cruel e desumanizador dos conflitos, é inegável que existe um certo fetiche técnico pela reconstituição perfeita dos acontecimentos, o que caminha numa linha tênue (e até perigosa) entre denúncia e exploração do sofrimento.
Tempo de Guerra é uma das experiências mais viscerais e realistas sobre os horrores da guerra. Aliando a capacidade de Alex Garland em construir tensão e as memórias do veterano Ray Mendonza, o filme apresenta um pesadelo imersivo e aterrorizante sobre o que é estar em um campo de batalha, por mais que não esteja tão preocupado em se aprofundar nas motivações e complexidades políticas da Guerra do Iraque com uma trama bastante simples e superficial nesse sentido.
É um filme para quem tem estômago forte e, assim como os traumas vividos pelos personagens de Joseph Quinn, Will Poulter e Charles Melton, não vai sair da sua cabeça tão cedo.