Terminei de ver “A Substância” e vim correndo escrever enquanto toda a memória de sensações produzidas imediatamente pelo filme estão aqui fresquinhas. Sim, porque a obra toca neste ponto. Estupefação. O nó no estômago, a garganta seca, o asco, o nojo. São sensações despertadas imediatamente pelo roteiro inteligente e original, pelas atuações, pela qualidade da produção da maquiagem, cabelo, caracterização.
Os sentimentos causados pelo filme são sensações urgentes, imediatas que, primeiro, se fazem sentir, não tenho outro sinônimo para o que quero dizer – pelo menos não o encontro agora.
Depois de um certo tempo da poeira baixada, sensações acentuadas, daí, sim, se torna um filme capaz de nos levar à reflexão. Foi meu caso. Só consegui refletir sobre a questão da beleza, da autoaceitação, da objetificação do corpo feminino, do etarismo – tudo isso – depois que o filme acabou. Porque durante a experiência cinematográfica é um conjunto de sensações que não dão muito espaço para reflexão profunda.
“A Substância” conta a história da atriz, Elizabeth Sparkle, vivida por Demi Moore (sim, a adversária direta de Fernanda Torres na corrida pelo Oscar, mas vamos falar disso melhor daqui a pouco). O etarismo surge quando a rede de TV em que Sparkle trabalha decide substituí-la por alguém mais jovem. A atriz entra em crise até que se depara com a possibilidade de consumir uma substância capaz de criar uma versão mais jovem de si mesma. As duas versões coexistem num equilíbrio que é quebrado e daí se desenrola a trama.
O roteiro é assinado por Coralie Fargeat, que também dirige o filme. A obra recebeu vários prêmios ao longo de 2024 e 2025 e concorre em cinco categorias no Oscar 2025: Melhor Direção, Melhor Roteiro Original, Melhor Atriz e Melhor Cabelo e Maquiagem.
O filme é um body horror, ou terror corporal, um subgênero dos filmes de horror, que foca na deformação, mutilação e transformação física do corpo humano. É um tipo de horror que explora medo e repulsa relacionados a mudanças grotescas no corpo. A linguagem é usada com assertividade pelo filme, contrastando a beleza sensual jovial com as tais imagens repulsivas com as quais a obra, digamos, brinda o público.
“A Substância” desperta repulsa, medo, nojo, sensações muito primitivas por se valer de uma história que propicia isto: cenas grotescas, extremas, explosivas mesmo. É neste contexto que está a atuação de Demi Moore. Ela dispõe de ferramentas muito abertas, expostas, à mão, para fazer uma atuação altamente dramática, sem muito comedimento, com exagero que a obra exige. Por isso é uma atuação carregada de uma forte carga emocional.
Talvez o acesso a expressão de tal carga emocional seja algo menos dispendioso para o ator ao compararmos, por exemplo, a atuação de Moore com a de Fernanda Torres, em “Ainda estou aqui”, em que esta precisa exprimir uma emoção humana verdadeira sem exageros, com comedimento, portanto com menos espaço de extravasar que aquela teve.
Podemos dizer que Torres teve uma tarefa mais difícil que a de Demi Moore? Uns acham que sim. Outros que não. A minha sensação é a de que Demi Moore tem uma grande atuação dramática, perfeita para um filme de terror.