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    Belfast
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Belfast

    Saudades de tempos mais simples

    por Katiúscia Vianna

    Todo ano, os grandes festivais internacionais se tornam o palco preferido para grandes apostas do Oscar conquistarem seus primeiros apoiadores. No Festival de Toronto 2021, o grande vencedor foi Belfast, filme de Kenneth Branagh, inspirada em suas próprias recordações da infância, ambientada no local que dá título ao filme. Com um filme doce, ele busca sua primeira estatueta dourada, após receber cinco indicações — desde direção, atuação e passando até por roteiro. 

    Qual é a história de Belfast?

    Belfast é o nome da capital da Irlanda do Norte, onde vive o pequeno Buddy (Jude Hill), no final dos anos 60. Ele é um garoto comum que passa os dias brincando, até que sua pequena comunidade é abalada pelos confrontos entre católicos e protestantes no país, que culmina em brigas, ataques e até carros explodindo na porta de sua casa. Porém, ele ainda mantém as preocupações típicas da infância (como conquistar seu pequeno crush da escola) e os sonhos inocentes da juventude, enquanto tenta entender a confusão ao seu redor.

    Na vida do pequeno protagonista, existem outras figuras importantes: um deles é o Pai (Jamie Dornan), um homem amável, mas passa semanas longe de casa, num trabalho em Londres. Já a Mãe (Caitriona Balfe) é encarregada de criar os dois filhos, mas passa os dias angustiada com a falta de estabilidade de sua família. Buddy também é muito próximo dos avós (interpretados por Judi Dench e Ciarán Hinds), que lhe dão conselhos e carinho.

    A história é levemente inspirada na infância de Kenneth Branagh, que realmente nasceu em Belfast. A época retratada no longa foi o início de The Troubles, como ficou chamado o conflito entre partes das comunidades católica e protestante, sobre a ligação do país com a Grã-Bretanha. Isso causou milhares de mortes durante a segunda metade do século XX.

    Belfast usa fotografia preta e branca para contar sua história

    Não é incomum diretores usarem o cinema para relembrar parte significativa de suas vidas. Alguns membros da imprensa especializada chama Belfast como a Roma da vez — fazendo referência ao longa onde Alfonso Cuarón fazia uma homenagem para sua segunda figura materna da infância. E, obviamente, chama a atenção como ambos os filmes optaram pelo uso da fotografia preta e branca. E os dois também tinham conflitos civis como pano de fundo... Então, dá pra entender a comparação. Porém, não é bem assim.

    Belfast não tem a magia cinematográfica das cenas de Roma, optando por uma visão mais lúdica de sua história. O público confere tudo através do olhar de Buddy, então as informações sobre a época são cedidas aos poucos, através de pedaços de noticiários e conversas paralelas. Afinal, que criança ia parar e debater o estado sócio-político de seu país? Por mais que isso faça sentido, é bem complicado pro espectador entender a situação, caso você não tenha alguma familiaridade com esse período em questão. 

    Porém, o filme de Kenneth Branagh também tem sua beleza. É interessante ver os pequenos vislumbres de luz quando a família de Buddy vai ao cinema conferir O Calhambeque Mágico, numa cena bonita onde todos ficam maravilhados com o poder da sétima arte. Dá para entender a paixão do cineasta por filmes desde pequeno se ele realmente os via dessa forma...

    Jamie Dornan e Caitriona Balfe estrelam Belfast

    Por mais que seja adorável ver as aventuras de Buddy pela infância, suas cenas mais cativantes são as conversas com o avô, que o ajuda nos exercícios de matemática e debate sobre mulheres. A performance de Hinds rouba a cena, sempre apoiado pelo trabalho de Judi Dench (alguém que nunca errou nessa vida). Numa dessas situações, surge uma breve dança entre o senhor e sua esposa, que é algo tão simples, mas tão delicado, que é impossível não se encantar e ter vontade de ligar pros seus avós, se ainda tiver essa chance. 

    Já Jamie Dornan reforça sua vontade de superar o estereótipo que ganhou em Cinquenta Tons de Cinza, fazendo um personagem bem complexo. Por um lado, ele é um pai simpático, que brinca com os filhos e as outras crianças da vizinhança. Um sujeito que conta piadas e até canta! Ao mesmo tempo, é ausente e passa realmente pouco tempo com Buddy e seu irmão, deixando sua família preocupada com suas decisões meio irresponsáveis em relação ao dinheiro. Nessa função, o astro consegue interpretar bem seu papel, se tornando uma figura sólida para acompanhar Buddy.

    Porém, Caitriona Balfe é responsável pelas cenas mais emocionantes de Belfast. A moça conhecida por seu trabalho em Outlander assume o papel de mãe musa, sempre encantadora e bonita nos olhos do filho. Porém, o roteiro também lhe dá a chance de demonstrar dúvidas e sofrimentos, já que nem sempre se dá bem com o pai. Eles formam um casal apaixonado, mas com visões diferentes de vida: ele quer morar com a família em Londres, enquanto ela não quer deixar o conforto que sente em Belfast. Esse contraste segura boa parte do drama adulto da produção e realmente faz você se conectar com esses personagens.

    É impossível falar de Belfast sem falar em Jude Hill, que faz sua estreia atuando em longas. Não tenho outras palavras para descrevê-lo: é uma criança muito fofa mesmo. Ele vive Buddy com muita facilidade, sabendo expressar as afirmações ingênuas do personagem, tudo de forma bem natural. Destaque para as reações do pequeno quando frequenta a igreja e passa a ter uma crise existencial, sem saber que caminho seguir, literalmente em seus desenhos. 

    Belfast surge como forte candidato para o Oscar

    O roteiro de Belfast é bem simples, mas representa uma bela homenagem para uma época que foi tão importante para o crescimento de Kenneth Branagh. È como se fosse uma realidade esquecida, escondida no fundo de suas memórias, já que ele foi obrigado a amadurecer diante dos confrontos que surgiram em seu caminho. Algo que qualquer um pode se identificar, já que todos nós temos saudades de tempos mais simples, onde nossa maior preocupação era completar comprar os bonequinhos de Pokémon. Ok, talvez esse seja meu caso específico, mas você entendeu o conceito...

    PS (e alerta de pequeno spoiler): em determinada cena, Buddy é arrastado por sua mãe, no meio de uma ação violenta de vandalismo, para devolver uma caixa de sabão em pó. Esse momento me fez rir compulsivamente, mas não deveria, pois é um momento dramático importante. Porém, achei hilária as prioridades daquela época. Hoje em dia, você se esconde em casa e deixa pra devolver depois, né amiga?

    *O AdoroCinema viu este filme durante o Festival do Rio 2021.

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