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    Relembre casos recentes de embranquecimento em Hollywood

    Prática é tão antiga quanto a própria indústria cinematográfica, mas ativismo de atores e cinéfilos tem discutido a falta de legitimidade de atores brancos para papéis de personagens de etnias minoritárias.

    "É nossa responsabilidade tomar decisões morais em tempos difíceis e dar voz a inclusividade", comentou o ator Ed Skrein, que foi notícia na última semana após desistir de um papel na nova versão de Hellboy. A atitude do ator de Deadpool foi tomada após ele descobrir que o personagem que ele foi contratado para interpretar o Major Ben Daimio, de ascendência japonesa.

    "Está claro que a representação deste personagem de uma maneira culturalmente precisa tem significado para as pessoas, e que negligenciar essa responsabilidade continuaria uma tendência preocupante para obscurecer histórias de minorias étnicas e dar voz a elas nas Artes. Eu sinto que é importante honrar e respeitar isso. Portanto, decidi desistir para que o papel possa ser escalado adequadamente", explicou Skrein, que é inglês e vem de uma família de judeus austríacos.

    A recisão de Skrein e a divulgação de sua carta aberta ganharam as manchetes da imprensa especializada por ser um raro caso em que a reação dos fãs na internet contra o embranquecimento de um personagem em Hollywood causou uma mudança real no estado das coisas. Especialmente em um ano como 2017.

    Duas adaptações americanas para animes/mangás impulsionaram o debate sobre o "whitewashing" nos últimos meses: A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell, versão de O Fantasma do Futuro, e Death Note, longa da Netflix que é uma versão americana repleta de liberdades criativas da cultuada série animada de mesmo nome. No caso de Ghost in the Shell, a controvérsia na escalação de Scarlett Johansson para o papel principal foi tão grande que a Paramount teria assumido que isso prejudicou o desempenho do filme nas bilheterias e com a crítica.

    A prática de embranquecimento em Hollywood vem de longa data, passando por representações grosseiras como o blackface de Laurence Olivier para viver Othello (1965) e grosseiro personagem asiático interpretado por Mickey Rooney em Bonequinha de Luxo (1961). 

    Mesmo em casos menos gritantes e vulgares, o whitewashing persiste e representa um empecilho a uma maior diversidade na representação da experiência humana na sétima arte. Quando um personagens não-branco é vivido por um ator branco, perde-se a chance de alcançar mais autenticidade em uma performance e valorizar o trabalho de minorias que historicamente foram deixadas em segundo plano em Hollywood. 

    Um estudo da Universidade da Carolina do Sul publicado em 2016 avaliou mais de 400 filmes e séries de TV lançadas nos Estados Unidos um ano antes e concluiu que apenas 28.3% dos personagens com falas eram de grupos raciais e/ou étnicos não-brancos (negros, hispânicos, asiáticos, nativos, etc), enquanto tais grupos representam quase 40% da população do país. Apenas 7% dos filmes analisados apresentaram um elenco que refletisse a realidade da diversidade racial/étnica americana. Entre as séries o índice sobe para 19%.

    No slideshow no início desta notícia, relembre filmes recentes que contaram com atores brancos em papéis de personagens de outras etnias.

    Johnny Depp como Tonto em O Cavaleiro Solitário (2013) Em O Cavaleiro Solitário, Depp foi recrutado para interpretar um personagem indígena que já havia sido estereotipado na série As Aventuras do Zorro, o Cavaleiro Solitário (1949 - 1957), mesmo sendo interpretado por um nativo americano legítimo, o ator Jay Silverheels. Com uma caracterização bizarra, o ator branco defendeu sua participação no filme alegando ter ancestrais da tribo cherokee, apesar de nunca ter provado sua ancestralidade indígena e descender de ingleses e franceses.

    Angelina Jolie como Mariane Pearl em O Preço da Coragem (2007)  Jolie entregou uma performance incrível neste drama baseado em uma história real sobre uma mulher que teve o marido sequestrado por terroristas. A atriz chegou a receber indicações no Globo de Ouro e SAG Awards. O problema é que ela jamais deveria ter sido escalada para o papel de Mariane Pearl, uma mulher negra nascida na França, com ascendência cubana, chinesa e holandesa. O esforço da produção para fazer Jolie parecer com Pearl, incluindo a maquiagem e os penteados afro, nada mais são do que o velho blackface em pleno século XXI.  No filme de ação O Procurado (2008), Jolie embranqueceu uma personagem outra vez. Ela interpreta uma personagem que é negra e inspirada em Halle Berry na adaptação da Fox para a HQ de Mark Millar e J. G. Jones.

    Jake Gyllenhaal como Príncipe Dastan em Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo (2010) Com base no jogo de mesmo nome, que por sua vez faz parte de uma franquia que tem o clássico da literatura árabe As Mil e Uma Noites como uma das inspirações, Príncipe da Pérsia traz Gyllenhaal no papel principal e ainda conta com Gemma Arterton e Alfred Molina como personagens importantes, embora os atores europeus passem muito longe de ter ascendência iraniana.

    Benedict Cumberbatch como Khan Noonien Singh em Além da Escuridão - Star Trek (2013) A piada está pronta. Basta ler o nome do ator, típico de um lorde de alta sociedade britânica, e o de seu personagem, que originalmente era um indiano sikh. Khan foi vivido pelo mexicano Ricardo Montalbán na série Jornada nas Estrelas (1966 - 1969) e no filme Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (1982). Claro que não seria ideal ter um latino como um vilão asiático, mas Montalbán foi escalado para o papel nos anos 60, uma época totalmente diferente, e era um estrangeiro de um país do terceiro mundo fazendo carreira nos Estados Unidos com um personagem de destaque. De certa forma, a escalação de Cumberbatch representou um passo atrás pela diversidade no filme de J.J. Abrams.

    Rooney Mara como Tigrinha em Peter Pan (2015) A branquitude indiscutível de Mara foi usada para transformar a única personagem indígena da história de Peter Pan em uma caricatura risível em um filme esquecível dirigido por Joe Wright. Em entrevista, a atriz admitiu ter se arrependido de ter particpado do longa-metragem. "Eu realmente odiei, odiei, odiei que eu tenha ficado do lado do embranquecimento da história do Peter Pan. Eu nunca mais quero ficar desse lado. Entendo o motivo das pessoas terem se chateado e frustrado."

    Tilda Swinton como Anciã em Doutor Estranho (2016) O personagem Ancient One é um homem tibetano nos quadrinhos. O guru foi transformado em mulher Universo Cinematográfico Marvel, o que causou polêmica e fez a Marvel Studios soltar até nota oficial para explicar a alteração. Segundo um dos roteiristas do filme, a intenção da mudança foi evitar o estereótipo Fu Manchu, que já ajudou a reforçar noções racistas sobre os asiáticos. As justificativas não mudam o fato de que os roteiristas poderiam ter se esforçado para construir um personagem asiático interessante e não mudar sua etnia.

    Liam Neeson como Ra’s al Ghul em Batman Begins (2005) A trilogia O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, começou com uma competente atuação de Neeson como o mentor do Batman que se torna seu adversário. Entretanto, este é mais um caso no qual o erro está exposto já na contradição entre o nome do ator e o do personagem. Apresentado como um árabe nos quadrinhos da DC, Ra’s al Ghul é interpretado pelo australiano Matthew Nable em Arrow e pelo ator árabe Alexander Siddig, de cidadania sudanesa e britânica em Gotham.

    Justin Chatwin como Goku em Dragonball Evolution (2009) Hollywood não consegue adaptar decentemente um anime por motivos como a péssima escolha de elenco da versão com atores do clássico de Akira Toriyama. Chatwin, um ator canadense, interpreta o Goku em um filme que conta com atores asiáticos em papeis menores, mas escala Emmy Rossum para viver Buma.

    Boa parte do elenco principal de O Último Mestre do Ar (2010) Inspirado em lendas do folclore japonês e chinês, a animação americana-coreana Avatar: A Lenda de Aang é mais uma terrível adaptação que embranqueceu seus personagens principais. M. Night Shyamalan tentou defender seu filme alegando que os personagens de animes tem "características faciais ambíguas".

    Quase todas as adaptações bíblicas falham em representar adequadamente a etnia de seus personagens. Nos últimos anos, produções como A Paixão de Cristo (2004), Últimos Dias no Deserto (2015), Êxodo: Deuses e Reis (2014) e Noé (2014) trouxeram apenas atores brancos nos papéis principais de personagens que nasceram no Oriente Médio. Uma rara e grata exceção foi o drama A Cabana, que trouxe Avraham Aviv Alush como Jesus, marcando a primeira vez que um ator israelense interpretou o Messias em um filme com diálogos em inglês. Vale ressaltar que o embranquecimento da figura de Cristo e de outros personagens da Bíblia tem origem em aspectos cristalizados da iconografia cristã, já que boa parte da arte sacra da religião usa como base padrões eurocêntricos, como o irrealista Cristo loiro e de olhos azuis que estampa um sem-numero de quadros e ilustrações há séculos.

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