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    Festival de Gramado 2016: Nossa avaliação dos filmes selecionados e da premiação

    O Silêncio do Céu, Guaraní e Central foram os destaques da 44º edição do evento.

    Edison Vara / Pressphoto

    O 44º Festival de Cinema de Gramado chegou ao fim com o troféu de melhor filme entregue a Barata Ribeiro 716, de Domingos Oliveira. De certo modo, esta escolha representou bem a seleção do festival, buscando articular de maneira às vezes conflituosa o cinema popular (vide a seleção de Elis, biografia em moldes televisivos) e o cinema jovem, ousado (como o perverso O Silêncio do Céu). Para não pender a nenhum dos dois lados, o prêmio máximo ficou num meio-termo, com a história agradável, nostálgica, mas um tanto inofensiva do já consagrado Domingos Oliveira.

    Três comédias, três dramas

    Os curadores do festival ressaltaram a presença inédita de três comédias na competição oficial: O Roubo da Taça, de Caíto Ortiz, El Mate, de Bruno Kott, e Tamo Junto, de Matheus Souza. Como o gênero seria menos apreciado pelos críticos, nas palavras do curador Rubens Ewald Filho, esta seria uma ousadia específica da 44º edição.

    Mas comédias podem ser tão diferentes entre si quanto os dramas. O Roubo da Taça aposta na farsa, fazendo uso inteligente da câmera e brincando com a imagem cordial do brasileiro. Em época de descrença política, funciona como comentário social. El Mate vale pela tentativa de fazer um filme de baixíssimo orçamento, com ideias interessantes, mas desenvolvimento apenas razoável. Tamo Junto investe no humor herdeiro das redes sociais, com piadas específicas para o público jovem. 

    Na outra metade da seleção encontram-se dramas: Elis, de Hugo Prata, conta de maneira tradicional a biografia de Elis Regina, pulando entre fatos com a pressa de quem acredita que o bom roteiro é aquele capaz de incluir o máximo de informações possível. Barata Ribeiro, 716 traz a leveza que faltava à biografia, embora a mensagem sobre amor livre e política fique mais no plano das palavras que da ação. Por fim, O Silêncio do Céu, de Marco Dutra, mistura o drama de um casal ao trauma de um estupro, com direito a uma possível tentativa de vingança.

    Ousadia ou tradição

    Talvez não se possa considerar a presença de comédias como uma ousadia em si. Compreende-se que Gramado tenha destacada uma obra acima da média como O Roubo da Taça, mas um produto formatado como Tamo Junto não faz muita falta à mostra competitiva. O mesmo vale para os dramas: O Silêncio do Céu é certamente o tipo de obra que merece ser valorizada por um grande festival (pela ousadia na linguagem, na narrativa, e pelo teor reflexivo), enquanto um filme de marca famosa e com grande aparato de marketing, como Elis, poderia existir fora da disputa pelos Kikitos.

    Fora da competição oficial, destacaram-se o excelente Aquarius, Kleber Mendonça Filho, uma obra-símbolo do descontentamento de uma parte da sociedade em relação ao modo atual de se fazer política, e o documentário Central, de Tatiana Sager, que parta da gestão do Presídio Central, no Rio Grande do Sul, para efetuar um retrato contundente das derivas do capitalismo no tratamento da sociedade.

    Os prêmios, de certo modo, apostaram em obras comedidas. É espantoso que O Silêncio do Céu tenha ficado sem os troféus principais da noite - embora tenha recebido o merecido prêmio da crítica - mas é louvável que os jurados tenham reconhecido as qualidades de O Roubo da Taça e o belo trabalho de Paulo Tiefenthaler no papel principal. El Mate também foi lembrado pelo trabalho de Bruno Kott como ator.

    Precisamos falar sobre a mostra latina

    Mas a competição oficial vai além dos longas-metragens brasileiros. Diante da qualidade considerável das obras nacionais, os filmes da mostra latina foram muito fracos. Em comum, traziam histórias de fuga e de autodescoberta, buscando sair do retrato das grandes capitais para valorizar o interior dos países.

    É notável que Gramado tenha tido uma preocupação de representatividade na seleção, incluindo filmes de países com poucas produções por ano, como Bolívia e Cuba, além de valorizar obras comandadas por mulheres. Entretanto, estes países certamente tinham obras melhores a oferecer do que Espejuelos Oscuros, espécie de fábula romantizada sobre o estupro.

    A própria Argentina, país de conhecida variedade cinematográfica, poderia ser mais bem representada do que pelos fracos Esteros e Campaña Antiargentina. Entre todos os títulos selecionados, Guaraní se encontrava num nível superior aos demais, levando merecidamente o prêmio principal e a recompensa de melhor ator para Emilio Barreto.

    Para que serve o curta-metragem?

    A seleção dos curtas-metragens nacionais também alternou entre dois polos distintos. Alguns filmes são representantes de uma preocupação social e política: Black Out, Ingrid e Lúcida valem mais por seu discurso afiado do que pelo desenvolvimento em imagens, mas são importantes para demonstrar a preocupação do festival com o mundo que nos cerca.

    Outro polo, contrário, pensa no curta como uma experiência narrativa tradicional, ou em outras palavras, como "mini-longa". A Página, Aqueles Cinco Segundos e Rosinha são alguns destes filmes que comprimem uma história longa no formato curto. Trata-se de obras que não exploram o potencial específico do curta que poderia, pelo orçamento reduzido e pelas poucas obrigações comerciais, ser muito mais inventivo na linguagem.

    É uma pena que os jurados tenham premiados justamente os filmes mais conservadores em termos de linguagem: Rosinha e Aqueles Cinco Segundos se apropriam mal do formato em que se encontram, mas foram escolhidos ao invés de obras mais complexas como o belo Lembranças do Fim dos Tempos.

    A função de um festival

    Todos esses questionamentos, atravessando as dicotomias entre cinema de arte / cinema popular, cinema experimental / cinema clássico, ajudam a pensar na função de um festival. Sempre é bom perguntar por que um evento destacaria obras capazes de despertar atenção suficiente por sua própria estrutura, independentemente do gênero. Se um filme não precisa do festival, por que o festival precisa do filme?

    É compreensível que cada evento tenha sua linha curatorial: não se pode esperar de Gramado que tenha a mesma seleção de Tiradentes, ou de Brasília que coincida com os títulos do Cine PE. No entanto, são mais coerentes aqueles festivais que optam por uma linha específica de filmes e que dizem, através delas, a forma de cinema que valorizam.

    Todo festival, por sua seleção, implica uma ideologia, uma visão da arte. A tentativa de abraçar tantos estilos, tantos discursos e tantas linguagens impede que obras criativas possam ser comparadas entre si, ou linguagens mais acessíveis sejam colocadas lado a lado. Ter que escolher entre Tamo Junto ou O Silêncio do Céu, por exemplo, deve ser um trabalho difícil para o júri, por pertencerem a categorias totalmente diferentes de cinema.

    Mesmo assim, a amplitude teve suas vantagens: todos os espectadores devem ter encontrado na 44º seleção de Gramado pelo menos algumas obras de que gostaram. As sessões, de fato, estavam cheias, demonstrando boa interação do espectador com os filmes exibidos. 

    Críticas dos filmes do Festival de Gramado 2016

    Aquarius

    Assistência DomiciliarBarata Ribeiro 716

    Campaña Antiargentina

    Carga SelladaCentral

    Desvios

    El Mate

    Elis

    Espejuelos Oscuros

    Guaraní

    Mammal

    O Roubo da Taça

    O Silêncio do CéuSin Norte

    Las Toninas Van al Este

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