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    Mammal
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Mammal

    Todos precisam de afeto

    por Bruno Carmelo

    Este drama irlandês aborda a vida de personagens solitários cujas vidas se cruzam pela cidade: Margaret (Rachel Griffiths) é uma mulher que abandonou o próprio filho quando pequeno e hoje vive sozinha, o ex-marido Matt (Michael McElhatton) sofre com a perda do filho durante a adolescência, a vizinha Ann Marie (Nika McGuigan) não tem ajuda para cuidar de seu bebê quanto o marido a abandona, e Joe (Barry Keoghan) é um garoto negligenciado pela mãe, que passa a cometer crimes numa gangue de rua. A ideia é aproximar estas pessoas muito diferentes até começarem a fornecer um pouco de carinho umas às outras.

    O procedimento não é exatamente inovador, e parte de uma premissa um tanto forçada: assim que Margaret descobre que o filho abandonado faleceu, ela adota Joe como filho simbólico e passa a desenvolver o instinto materno que nunca teve. O fato de todos os conflitos envolverem relações familiares também pode soar esquemático. Mesmo assim, Mammal consegue levar o drama a caminhos inesperados, já que a relação entre a mulher adulta e o garoto adolescente envolve carinho, amizade e também desejo sexual.

    A diretora Rebecca Daly constrói uma obra dura. As luzes são naturais, a câmera na mão, seguindo os personagens, imprime a sensação de imediatismo, a ausência de trilha sonora - algo raríssimo em produções indie como esta - impede os floreios estéticos ou o sentimentalismo. A autora bebe nas boas fontes do realismo social, como nos trabalhos de Mike Leigh e Ken Loach. Trata-se de um “filme de personagens”, no sentido clássico do termo, colando a câmera ao pequeno grupo escolhido e seguindo-os dia após dias, como se os personagens tivessem autonomia para controlar os rumos da história, e não o contrário.

    A veterana Rachel Griffiths apresenta bom trabalho de composição, sem exagerar nos gestos nem vilanizar a mulher que abandonou a própria família. Barry Keoghan é igualmente eficaz como jovem encrenqueiro, descobrindo a vida adulta. O conjunto transparece um naturalismo notável no retrato da classe média baixa, mesmo que a busca pela crueza a todo preço impeça que reviravoltas mais fortes mudem os rumos lineares da narrativa. De qualquer modo, os questionamentos morais do relacionamento entre Margaret e Joe garantem a tensão de que o roteiro precisa.

    O próprio título merece questionamento: “Mamífero” diria respeito aos instintos grupais dos seres humanos? Aos seus instintos sexuais, ou à necessidade de proteção? Sugere-se uma explicação biológica para comportamentos apresentados de modo sociocultural? Apesar de ser um filme calculadamente pequeno e discreto, Mammal chama a atenção para o belo controle narrativo da diretora. Algumas cenas em particular, como a imersão de Margaret numa piscina pública, filmada em plano-sequência, deixam boas expectativas quanto aos próximos trabalhos da cineasta.

    Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2016.

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