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    BR 716
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    BR 716

    Cinema nostálgico

    por Bruno Carmelo

    Nos últimos anos, o veterano Domingos Oliveira tem construído obras marcadas pela nostalgia: Primeiro Dia de um Ano Qualquer (2012) reunia um grupo de amigos relembrando os bons tempos de antigamente, enquanto Infância (2014) resgatava os laços familiares nos anos 1950. Agora, Barata Ribeiro 716 retrata não apenas os anos do golpe militar – estamos no Rio de Janeiro, em 1964 – como também a estética das vanguardas desse período, com referências claras à Nouvelle Vague, ao New Cinema americano e às experiências independentes de John Cassavetes.

    A narrativa é quase inteiramente situada dentro de um apartamento, na rua Barata Ribeiro, 716. O luxuoso imóvel é ocupado por Felipe (Caio Blat), rapaz de classe média-alta que busca se tornar escritor, embora nunca tenha concluído uma obra sequer, além de dezenas de amigos que frequentam o lugar diariamente, em festas regadas a muita bebida. O cineasta busca captar uma ideia de liberdade pré-hippie, mas desprovida do componente político de tal revolução social: embora estejamos na época do golpe, a realidade brasileira fica em segundo plano em relação às desventuras amorosas de Felipe e sua turma.

    O filme adota escolhas imagéticas assumidamente anacrônicas: o preto e branco de contraste clássico – desta vez em textura digital –, as lentes grande-angulares dentro do apartamento, as câmeras em plongé por puro deleite estético, sem função narrativa, além de alguns closes fetichistas, como os instantes em que Gilda (Sophie Charlotte) apresenta seus dotes vocais aos amigos. O projeto inteiro transpira fetiches, tanto da História quanto do cinema e da liberdade sexual daqueles anos. Isso não impede que alguns retratos soem machistas: todas as mulheres em cena dedicam-se a seduzir homens ou prostituir-se para homens, e mesmo as diversas lésbicas do local beijam-se olhando maliciosamente para o anfitrião masculino.

    Fala-se muito em sexo, fala-se em política e em subversões, mas nenhuma dessas ações se concretiza em tela. Temos um investimento idealizado e um tanto impotente das experiências juvenis. Estas trocas ocorrem através de diálogos bastante desiguais: ora os personagens proferem citações literárias de autores consagrados, ora suas evocações lembram improvisos informais da linguagem oral. Nos piores momentos, recorre-se aos diálogos em estilo “eu sei, você também sabe”, quando as falas visam informar o espectador sobre informações compartilhadas por ambos os personagens. Assim, ex-namorados dizem um ao outro “Nós ficamos cinco anos juntos”, gerando como resposta “Sim, foi você que tirou a minha virgindade”. A dinâmica destes momentos é bastante artificial.

    O formato de filme coral reforça a heterogeneidade do filme. Os bons momentos de Barata Ribeiro 716 são ótimos, enquanto os momentos ruins são realmente muito fracos. Existe espaço para personagens que parecem se inserir muito bem naquele contexto (com destaque para as ótimas composições de Lívia de Bueno e Glauce Guima) enquanto outros não convencem como figuras dos anos 1960, parecendo inseridas demais no século XXI pela maneira de falar e de se portar. Apesar ds instabilidades e da narrativa assumidamente caótica, o filme surpreende pela vitalidade que imprime a formatos estéticos pouco utilizados no cinema contemporâneo.

    Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em setembro de 2016.

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