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    O Silêncio do Céu
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    O Silêncio do Céu

    Ensaio sobre a culpa

    por Bruno Carmelo

    Uma cena de estupro. Dois homens se revezam na agressão sexual a Diana (Carolina Dieckmann). Eles ameaçam a vítima com uma arma, tapam a sua boca. A cena é longa, com a tensão ampliada pelo jogo de sons e luzes. O marido dela, Mario (Leonardo Sbaraglia), chega em casa e flagra o ato pela janela. Sem saber de que maneira interceder, não age. Ele testemunha escondido, até os agressores decidirem partir. Este filme começa da maneira mais difícil, tanto para o espectador quanto para a equipe, provavelmente. O início constitui um trauma de grande impacto. A narrativa que se segue busca colar os cacos deste momento.

    Adaptado do livro "Era El Cielo", de Sergio Bizzio, O Silêncio do Céu adquire tons cada vez mais surpreendentes e sombrios. Nenhum outro momento iguala o impacto da cena inicial – ainda bem – mas todos os instantes de silêncio carregam este segredo perturbador. O fator mais interessante da premissa é ver o trauma contado pelo ponto de vista do marido, e não da esposa agredida. Ela, estoica, finge que nada aconteceu - é Diana, inclusive, que pergunta ao marido se ele está bem quando os dois se falam ao telefone – enquanto ele começa a remoer a culpa por sua passividade e pela incompreensão ao sigilo da esposa. Aos poucos, a incomunicabilidade evidencia conflitos mais antigos do casal.

    Nos últimos anos, o diretor Marco Dutra tem criado uma série de crônicas sociais e familiares com toques de terror, chegando ao ápice da fusão de gêneros neste novo filme. O material é psicologicamente mais complexo que nos projetos anteriores, a produção é maior e mais afinada do que nos demais, e o domínio estético revela-se mais polido. Com luzes contrastadas e enquadramentos destacando o vazio dos cômodos e das ruas de Montevidéu, O Silêncio do Céu é um filme claustrofóbico e um tanto perverso, por fornecer ao espectador um olhar onisciente sobre a situação. A violência continua, muito após o estupro, no esfacelamento do casal e nas pequenas chantagens de Mario, visando extrair a confissão de que precisa para efetuar o próprio luto.

    O roteiro faz uma bela escolha de trabalhar com símbolos, ao invés de cenas concretas. O realismo da agressão inicial é substituído pela atmosfera de paranoia, beirando a loucura. Para atingir este resultado, o projeto recorre a elementos lúdicos, como uma planta que se move sozinha, os dedos que mudam ao longo dos anos – e nem sempre seguram os anéis  -, os espinhos dos cactos, a transparência das janelas e vitrines. O filme faz alusões metafóricas aos conflitos entre o permanente e o efêmero, entre o passivo e o ativo, entre a natureza e o humano. A câmera desfila pelos ícones com o misto de hesitação e curiosidade típico do terror, como se temesse descobrir algum segredo, ou testemunhar algo que não deveria (mais uma vez). O ápice deste mecanismo se encontra nas belíssimas cenas da estufa, transformada em palco de um crime em potencial.

    Tamanha tensão se desenvolve com um trabalho curioso de atuações. O argentino Leonardo Sbaraglia, bastante expressivo, carrega no olhar todo o medo, culpa e raiva que se espera do marido. Carolina Dieckmann, em registro bastante distinto, faz o mínimo possível em sua composição, deixando pairar o mistério sobre a sua personalidade e suas atitudes. Por que ela não conta o que aconteceu? Por que não demonstra a mesma dor e raiva do marido? Como a história é contada pelo ponto de vista de Mario, as expressões indecifráveis de Diana são muito pertinentes à trama. Chino Darín e Mirella Pascual fazem aparições curtas, mas eficazes, transitando entre o drama e o suspense.

    A densa construção de personagens é ajudada pela excelente narrativa em off, nos quais os personagens se abrem – a si mesmos, ao espectador, ao céu, como uma confissão – sobre suas fobias e pesadelos. Estas narrações, nunca sobrepostas a imagens referentes, tornam os personagens ainda mais complexos, e ao mesmo tempo mais opacos. O texto de teor literário não é destinado a explicar, e sim aprofundar o emaranhado de sentimentos nos quais se encontram Mario e Diana. Talvez o espectador termine a história sabendo menos sobre o casal do que no início da história. Melhor assim. O Silêncio do Céu é um destes filmes no qual se sente algo muito grave acontecendo a todo instante, em cada cena, sem conseguir exatamente dizer o quê. Ao final da sessão, o filme não deve sair da cabeça do espectador tão cedo.

    Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2016.

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    Comentários

    • Wilson Azevedo
      O filme devagar, quase parando. Vai se arrastando que só quem tem um saco maior que o do papai Noel chega no final. Péssimo.
    • Passageiro d.
      Então, provavelmente, não assistiu ao sequestro, o espancamento e o assassinato. Parabéns pela sua critica, se todo mundo fosse cuzão como você disse que o marido dela é, tava metade do país no cemitério. Ta vendo a diferença entre uma crítica de quem vê um filme inteiro e quem vê só uma parte?
    • Luiz
      filmaço...me prendeu até o final...
    • Felipe Lucchetti
      Esse filme é muito ruim. Achei a maior bosta, nem assisti até o final. Estava assistindo e lá no meio desisti e fui assistir um outro filme. O marido dela foi um baita de um cuzão. O cara falo dos medos e tal mas nem para defender a próprio esposa.
    • Marcelo Araújo
      assisti ontem. é um filme perturbador. em alguns momentos achei lento demais e deu vontade de mudar. o final compensa a espera. a dissimulação entre os personagens principais é surreal.
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