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    O Clube dos Anjos
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Clube dos Anjos

    Os homens que morrem pela boca

    por Aline Pereira

    Luis Fernando Veríssimo é um dos autores mais adaptados pelo audiovisual brasileiro e não é à toa: o escritor gaúcho tem uma habilidade notável para a criação de personagens cativantes e, talvez principalmente, para a construção de histórias dinâmicas, com um tipo de diálogo que se comunica diretamente com o público. Na década de 1990, por exemplo, o seriado A Comédia da Vida Privada tornou a linguagem de Veríssimo ainda mais familiar. É a partir deste histórico que O Clube dos Anjos, adaptação dirigida por Angelo Defanti, encontra espaço para cativar e dar vida (e vivacidade!) a seu grupo de personagens.

    O livro Gula - O Clube dos Anjos foi publicado em 1998 como parte de uma coleção que se inspira nos sete pecados capitais e Veríssimo, como o título indica, escreveu uma história contemporânea sobre a gula. Os protagonistas são um grupo de amigos que se reúnem no chamado Clube do Picadinho - uma vez por mês, os encontros são palco de grandes banquetes, que celebram a vida, a amizade e, claro, o prazer de fartura de comida.

    Ao longo dos anos, no entanto, o que era para ser um ritual de poder começa a se tornar um verdadeiro muro de lamentações. Cada vez mais frustrados com as próprias vidas, o Clube do Picadinho desmorona em desentendimentos entre os integrantes, até que o surgimento de um novo cozinheiro muda tudo: Lucídio surge misteriosamente para cozinhar os jantares e deixa os amigos encantados com o sabor das refeições. O problema é que, a partir daí, os personagens começam a morrer, um por um.

    O Clube dos Anjos tem ótimo texto e grande elenco

    O filme de Angelo Defanti mantém a essência de Luis Fernando Veríssimo na construção elaborada de diálogos entre os personagens e o ritmo das conversas torna O Clube dos Anjos fluido para quem está assistindo. Aqui, a história evolui com naturalidade - muito disso, talvez, pelo ar teatral do longa. É como se a atenção especial às interações entre os protagonistas (são elas o que dão sentido à história, afinal) conferissem mais simplicidade aos cenários e às situações propriamente ditas.

    A força da trama se concentra no trabalho de atuação de um elenco formado por estrelas do cinema e da televisão brasileira. O personagem de Otávio Muller (Sob Nova Direção) é quem narra os acontecimentos e é a partir do ponto de vista dele que conhecemos o restante dos amigos, interpretados por Paulo Miklos, Marco Ricca, Augusto Madeira, André Abujamra, Angelo Antônio, César Mello, Samuel de Assis e António Capello. As rusgas e a melancolia que existem na relação entre eles dão ao filme um humor ácido, do tipo que faz rir de nervoso ou pelo sentimento de “vergonha alheia”.

    O Clube do Picadinho é, no fim das contas, um grupo de pessoas com comportamentos quase patéticos, tristes e se segurando nos últimos fios de esperança diante da decadência. Uma gama de emoções que exige dos atores precisão na expressividade - O Clube dos Anjos passa longe de ser um drama, apesar de ser, sim, mórbido. 

    Matheus Nachtergaele (O Auto da Compadecida) interpreta o cozinheiro Lucídio, uma figura cujo mistério é sinistro. Quando o personagem surge na história, fica nítido que as intenções são escusas, mas o principal fator de tensão é incerteza, a princípio, de onde vem o perigo que apresenta e o que, exatamente, ele está fazendo. Não daremos spoilers, é claro, mas é surpreendente a relação que Lucídio tem com a tragédia que recai sobre o grupo e que se mantém em uma constante.

    Aqui, o ponto mais baixo é a rapidez com que o mistério fica respondido: toda a tensão construída nas primeiras aparições de Lucídio se desfaz um pouco rápido demais. Os espectadores mais atentos vão montar o quebra-cabeça mais rapidamente e, uma vez que o mistério está solucionado, resta esperar o final do filme para descobrir se o palpite estava certo.

    Embora o filme tenha “resumido” alguns acontecimentos do livro original, ainda fica uma sensação de excessos na repetição das situações, além de uma diferença muito gritante entre o estilo de atuação de Matheus Nachtergaele (que é sutil e sombria), com o clima caótico e o humor físico dos outros personagens. Não é que a história de Lucídio seja o ponto principal da história, mas o enigma seria um bom complemento ao X da questão em O Clube dos Anjos. O que nos leva ao próximo ponto.

    O Clube dos Anjos é um filme sobre masculinidade falida

    Em entrevista ao AdoroCinema durante o Festival de Cinema de Gramado, Otávio Muller pontuou (e eu também concordo) o que é o coração do filme: o “enterro” de uma masculinidade falida e ultrapassada. “Ali, estamos tratando daquele tipo de homem branco, heterossexual, que já não está mais dando certo, que já está falido, que destruiu o mundo e que vemos o tempo todo”, disse o ator. De fato, toda a imponência celebrada no início, e muito representada pelo exagero dos jantares, vira sinônimo de fracasso ao longo do tempo.

    Com o passar dos anos, a fartura, na verdade, aponta para o ridículo da situação: aqueles homens continuam apegados a um passado que não faz mais sentido, que não mais significa sucesso e que não os preenche - física ou intelectualmente. O que vemos é que a passagem do tempo acentua costumes que tornam a convivência inviável e que vão revelando quem realmente são essas pessoas: caricaturas do que já foram um dia e estereótipos comuns na vida real, da falsa intelectualidade à hipocrisia moral e à fragilidade emocional.

    Mais interessante ainda é observar e refletir sobre a permanência dos personagens nos jantares: ao longo da trama, os membros do grupo vão morrendo, um por vez, mas os que ficam insistem em retornar e caem exatamente no mesmo erro repetidas vezes. O Clube dos Anjos reflete sobre o apego perigoso a memórias de um passado que desembocou em um presente triste, mas que, de alguma forma, continua sendo um lugar confortável. É melhor morrer agarrado a convicções ultrapassadas do que fazer esforço para mudar? Cada personagem da história de Veríssimo e de Defanti nos responde esta pergunta de formas particulares e com diferentes justificativas.

    O tema do pecado da gula faz uma conexão direta com essa “moral”: o prazer de comer é tão grande que, mesmo quando não há mais o que se preencher, parece irresistível e impossível de parar. Em outra perspectiva, a fartura que antes provocava desejo, agora, causa uma certa repulsa.

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