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    Admirável Mundo Pop: Quem precisa de continuações?

    Antigamente as histórias não precisavam ter um fim - elas simplesmente acabavam. Então por que essa necessidade atual de retomar franquias adormecidas?

    Creed II chega aos cinemas nesta semana e é mais um daqueles filmes que eu não sabia que precisava tanto ver. Assisti e adorei. Cheguei a fingir que estava gripado para enxugar as lágrimas que embaçaram as lentes dos óculos. Eu não precisava esconder a emoção. Mas os motivos foram tão pessoais que preferi reservar esse momento para mim.

    E não que minha expectativa estivesse baixa: Creed II é a continuação do excelente Creed: Nascido Para Lutar, de Ryan Coogler, mesmo diretor de Pantera Negra. Não é exagero afirmar agora que estes dois filmes Creed revitalizaram a franquia Rocky em um nível que parecia impossível. Foram muitos méritos conquistados de uma só vez. Não é fácil tirar uma saga envelhecida do ostracismo e renovar o status do protagonista que batiza a série, sem para isso focar todos esforços em seu processo de decadência e ressurreição. De paródia de si mesmo, o Rocky de Sylvester Stallone se tornou um dos mais incríveis personagens do imaginário cinematográfico, e o mérito em grande parte é do ator que o interpreta.

    Eu esperava muito de Creed II porque achei Creed: Nascido Para Lutar um baita filme, mas havia toda chance de o resultado ser ruim. Afinal, diz o imaginário popular que a maioria das sequências de grandes filmes não corresponde à altura. Antigamente era preciso se esforçar muito para se lembrar de uma "Parte 2" melhor que a "Parte 1" -- O Poderoso Chefão 2O Império Contra-Ataca eram exemplos clássicos --, mas até que essa proeza tem sido comum em filmes de ação e de super-herói. Pense em O Exterminador do Futuro 2, Superman 2, Homem-Aranha 2X-Men 2 e Batman - O Cavaleiro das Trevas e compare-os com os seus antecessores. Isso até dá o que pensar: será que é mais fácil acertar da segunda vez quando se tem uma grande torcida a favor?

    Chega a ser difícil de acreditar, mas muitas continuações são produzidas com uma intenção um pouco mais nobre do que só capitalizar em cima de uma base de fãs pré-construída: é porque há uma história interessante e relevante a ser contada. Às vezes um filme clama por uma sequência porque não houve tempo suficiente para se contar a trama toda. Como apaixonado pela franquia Rocky, nunca questionei se todos aqueles filmes eram mesmo necessários. Rocky 2 sempre me pareceu um caminho natural, afinal o protagonista merecia uma revanche contra Apolo Creed após a injusta derrota por pontos no final do primeiro (ops, spoiler!). É como se a trajetória iniciada em Rocky, Um Lutador tivesse razão e merecimento para continuar. Rocky 34 não conseguiram manter a qualidade em alta, mas foram importantes para fortalecer toda essa mitologia -- e hoje sabemos que, sem esses, Creed I e II não teriam razão de existir.

    Talvez essa questão da real "necessidade" de uma sequência seja o motivo de minha decepção com Vidro, o filme que encerra uma série iniciada quase 20 anos atrás com Corpo Fechado e seguida de maneira insuspeita por Fragmentado. Podemos chamar de oportunidade perdida, mas o fato é que M. Night Shyamalan, um aclamado contador de histórias, tinha nas mãos a oportunidade de encerrar sua fábula com chave de ouro, coroando o que parecia a mais improvável das trilogias. O resultado é que a amarração entre todos os personagens, tramas e estilos diferentes não compensou o esforço de 20 anos para se colocar o filme na tela.

    Naquele longínquo ano de 2000, ninguém dizia que precisávamos de uma continuação de Corpo Fechado. O filme parecia fechar um ciclo satisfatório, por mais que vários caminhos permanecessem abertos. Quando tirou Bruce Willis/David Dunn do limbo e o colocou no final de Fragmentado em 2016, Shyamalan nos fez acreditar que havia uma boa história a ser contada com aqueles personagens juntos. Mesmo com todos elementos nas mãos, o tiro saiu pela culatra. Isso desmerece os méritos alcançados por Corpo Fechado há duas décadas? Não. Mas sabe quando você tem aquela chance de ficar calado e não consegue? Foi isso o que aconteceu com Shyamalan.

    Creed, por sua vez, só aconteceu porque Sylvester Stallone aceitou que um agente externo -- no caso, o diretor e coroteirista Ryan Coogler -- sugerisse uma nova visão para a saga de Rocky, inclusive colocando o eterno protagonista como coadjuvante. Stallone foi humilde em aceitar e esperto o suficiente para garantir que seu Rocky brilhasse: ele é o coração dos dois filmes, ainda que não seja o único elo que evoca os capítulos anteriores. Foi uma jogada de mestre porque ninguém mais esperava algo dessa franquia. Com Creed, é como se a série tivesse adquirido uma validade que jamais ostentou antes. É como se seu legado tivesse sido reescrito habilmente para as novas gerações.

    Creed II e Vidro são propostas essencialmente diferentes, mas que juntos evocam uma questão atual e importante: o que determina se uma continuação tardia é necessária ou não? Ao meu ver, a raíz desse problema é que os estudios de cinema preferem valorizar marcas sem se preocupar necessariamente com boas historias. Se o retorno financeiro for minimamente garantido, isso já vale o esforço de lançar um longa que não faça justiça ao seu antigo antecessor.

    Não existe uma fórmula mágica para continuações de filmes antigos darem certo. Isso depende de uma série de fatores difíceis de serem conseguidos ao mesmo tempo. É preciso um diretor competente com respeito e reverência à obra principal (não precisa ser necessariamente o mesmo); tem de haver uma história realmente interessante que complete ou incremente a trama anterior (nem precisa ficar à altura, isso dá para aceitar); e é necessária a presença de boa parte do elenco original, porque é disso que a gente gosta quando retornamos a um universo ficcional que curtimos muito tempo atrás. Parece simples?

    É por isso que esse raro alinhamento de estrelas precisa ser valorizado quando funciona bem. Blade Runner 2049, apesar de não ser perfeito como o primeiro Blade Runner de 35 anos antes, para mim deu muito certo. O novo e renovado Halloween também se saiu bem diante do filme original de 40 anos atrás. Creed (e Creed II) foram ainda além e melhoraram suas fontes de inspiração. Vidro, por sua vez, se perdeu em suas grandes intenções. Acertar em cheio no alvo depende de pequenos detalhes.

    E é claro que Hollywood vai continuar a apostar em marcas antigas, porque essa é uma loteria irresistível em que tudo pode acontecer. O Exterminador do Futuro retorna esse ano com o elenco original, a mão criativa de James Cameron e a promessa de evocar tudo o que deu certo nos primeiros filmes. Eu reclamo e desdenho, mas é claro que vou pagar para ver. 

    Pablo Miyazawa é colunista do AdoroCinema e consome cultura pop desde que nasceu, há 40 anos, de Star Wars a Atari, de Turma da Mônica a Twin Peaks, de Batman a Pato Donald. Como jornalista, editou produtos de entretenimento como Rolling Stone, IGN Brasil, Herói, EGM e Nintendo World. 

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