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    Marvel 10 Anos: O legado de Homem de Ferro, uma década depois

    Filme foi o primeiro ato de uma franquia que não para de crescer e continua tão bom quanto em 2008.

    "A verdade é que... Eu sou o Homem de Ferro", diz Robert Downey Jr. no desfecho do longa-metragem que impactaria de forma colossal a sua carreira artística e os rumos do cinema hollywoodiano no século XXI. Há 10 anos, no dia 14 de abril de 2008, Homem de Ferro fazia sua première mundial em Sydney, na Austrália, dando início ao que viria se tornar o Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês), a maior franquia de filmes de todos os tempos.

    Foram mais de 40 anos entre a criação do personagem do Homem de Ferro nos quadrinhos da Marvel Comics na década de 1960 e a estreia do filme sobre um gênio, bilionário, playboy e filantropo que combate o mal de dentro de uma poderosa armadura construída por ele. E não foi um caminho fácil.

    De herói pouco conhecido a líder dos Vingadores

    As origens do projeto remontam ao início dos anos 1990. Muito antes da Marvel Studios manifestar o interesse de produzir por conta própria o longa-metragem, os direitos de adaptação do Iron Man passaram por estúdios como 20th Century Fox e Universal Studios. Ainda no século passado, nomes como Nicolas CageTom Cruise chegaram a manifestar interesse no papel de Tony Stark e até mesmo Quentin Tarantino já esteve cotado para ser diretor. Nos anos 2000, quando os direitos do personagem estavam com New Line Cinema, Nick Cassavetes chegou a ser escalado para a direção do longa, que teria um confronto entre Tony e Howard Stark, seu pai, que usaria o traje do Máquina de Combate. Depois de sucessivas tentativas frustradas de tirar o projeto do papel e acertar o roteiro do filme, a New Line devolveu, enfim, os direitos para a Marvel.

    Quando a Marvel Studios decidiu fazer de Homem de Ferro o primeiro filme financiado exclusivamente pela companhia, Jon Favreau foi contratado para cuidar do projeto e prometeu fazer um filme inspirado em James Bond, RoboCop e nos livros de espionagem de Tom Clancy. Favreau também interpreta o motorista e guarda-costas Happy Hogan. A escolha do estúdio de focar no herói que até então era bem menos famoso para além dos aficionados por HQs se deu porque o Homem de Ferro era um dos poucos heróis da Casa das Ideias que não estava licenciado para outra empresa. Ironicamente, foi este mocinho que "restou" que levou a Marvel de volta à relevância cultural de outrora.

    Apesar da Marvel ter definido com facilidade o diretor do filme, foi muito mais complicado encontrar quem desse rumo à trama. "Mais de 30 roteiristas recusaram" uma oferta para trabalhar no filme, afirmou o produtor Jeremy Latcham. A falta de confiança no projeto ocorreu porque este seria o primeiro filme que a Marvel Studios produziria sozinha, sem auxílio de um outro estúdio mais consolidado, e no fato do personagem principal ser relativamente desconhecido.

    Inicialmente, o diretor intencionava contratar um ator menos conhecido para viver Tony Stark, após filmes como Homem-Aranha (2002) e X-Men (2000) alcançarem o sucesso sem a presença de grandes estrelas de Hollywood nos papeis principais. Felizmente Favreau mudou de ideia.

    Homem de Ferro e os filmes posteriores dos Vingadores não seriam a mesma coisa sem o carisma de Downey, Jr. Entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, a vida do ator estampava mais as páginas policiais dos jornais e tabloides de fofoca do que os cadernos de entretenimento e arte por conta dos problemas do astro com abuso de álcool e outras drogas. Durante essa fase da vida, o ator foi preso diversas vezes e passou longos períodos em clínicas de reabilitação. Sóbrio desde 2003, o artista que já tinha sido indicado ao Oscar por Chaplin (1992) deixou os dias de vício para trás para reconstruir sua carreira. Ao aceitar a oportunidade de viver Tony Stark, marcou o ponto alto de sua retomada pessoal e profissional, marcada pelas boas atuações em Beijos e Tiros (2005), Zodíaco (2007), Trovão Tropical (filme de 2008 que o rendeu sua segunda indicação ao Oscar) e o sucesso de Sherlock Holmes (2009).

    "Os melhores e piores momentos da vida de Robert foram acompanhadas pela opinião pública. Ele teve de encontrar o equilíbrio pessoal para superar os obstáculos que surgiram para além de sua vida profissional. Isso também aconteceu com Tony Stark. Robert trouxe uma profundidade para ele que vai além de um personagem baseado em histórias em quadrinhos", avaliou Favreau ao falar sobre a presença do ator no projeto.

    A Marvel, que estava a beira da falência anos antes, dependia do sucesso de Homem de Ferro para sobreviver. No ano de 2005, a companhia fez um acordo com o banco Merrill Lynch, formado por investidores de Wall Street. O acerto deu ao estúdio o acesso a uma quantia de US$ 525 milhões, que seriam utilizados para produzir até 10 filmes. Foi com esse dinheiro que a Casa das Ideias conseguiu comprar de volta os direitos de adaptação de personagens como o Hulk e a Viúva Negra. Entretanto, se a empreitada fosse um fracasso, a Marvel teria de entregar os direitos de alguns de seus personagens mais valiosos, como o Thor e o Capitão América, para pagar o empréstimo.

    Avaliando Homem de Ferro 10 anos depois

    Não é preciso sequer fazer suspense para dizer que sim, a aposta da Marvel Studios com Homem de Ferro vingou. Orçado em US$ 140 milhões, o filme conseguiu uma respeitosa bilheteria de US$ 585 milhões mundialmente. O valor pode parecer pequeno perto do US$ $1,5 bilhão de bilheteria de Os Vingadores - The Avengers (2012), mas antes do filme estrelado por Downey Jr., apenas os três filmes do Homem-Aranha dirigidos por Sam Raimi fizeram mais dinheiro do que Iron Man considerando somente os longas baseados em heróis de HQs.

    O longa-metragem de Favreau só não foi o melhor filme de heróis de 2008 porque foi lançado no mesmo ano de Batman - O Cavaleiro das Trevas, obra antológica dirigida por Christopher Nolan e carregada pela performance arrebatadora de Heath Ledger como Coringa.

    Se, por um lado, o sucesso de O Cavaleiro das Trevas se deve a, entre outros fatores, a atmosfera cínica e soturna que Nolan imprimou ao projeto, o trunfo de Homem de Ferro foi encarar a extragância das HQs como um chamada para uma abordagem recheada de humor, algo que se tornou um template a ser seguido em diversas outras produções do Universo Cinematográfico Marvel.

    Homem de Ferro e Batman - O Cavaleiro das Trevas, porém, tem uma coisa que garantiu o sucesso a ambos os filmes: Um roteiro guiado por personagens fortes e não por viradas de enredo.

    Não é a toa que Homem de Ferro é o filme do MCU que reserva a maior quantidade de tempo de tela para o seu protagonista, 77 minutos. Em termos comparativos, estima-se que Chris Hemsworth só apareça em 43 minutos de Thor (2011) e Chris Evans em 56 minutos de Capitão América: O Primeiro Vingador (2011).

    O filme começa com uma cena ótima na qual Tony Stark está no Afeganistão e tem uma conversa descontraída com os soldados que os escoltam. Tony está lá para representar os interesses de sua empresa, Stark Industries, gigante da produção de armas. Logo nos primeiros minutos se destaca a agilidade dos diálogos, que fluem com muita naturalidade quando proferidos por um ator confortável no papel. Downey Jr. encarna perfeitamente esse tipo arrogante e cativante ao mesmo tempo, uma soberba dotada de certo magnetismo — claro que se o personagem não funcionaria fosse apenas pedante e o roteiro também é habilidoso para mostrar outras facetas de Tony.

    Homem de Ferro é uma história de origem, mas o que diferencia o filme de outros longas-metragens com propostas similares é justamente a forma como Tony Stark assume seu alter-ego heróico. Peter Parker é picado por uma aranha radioativa por acidente. Personagens como Hulk e o Quarteto Fantástico são frutos de experiências científicas que deram errado. Thor já nasceu com seus poderes. O que diferencia Tony Stark é que ele escolhe desenvolver um alter-ego heróico e o filme sobre o herói explora isso de forma habilidosa.

    Depois de ser sequestrado por terroristas no Oriente Médio, elemento do roteiro que ajuda a entender as ansiedades estadunidenses há uma década, Tony é feito refém em uma caverna onde seu talento como engenheiro e cientista será posto à prova. Ele é obrigado a construir um poderoso míssil "Jericho" para os rebeldes, mas usa de seu tempo no cárcere para construir aquele que seria o protótipo do traje metálico que usaria como arma.

    Este arco dramático, que ocupa um o primeiro terço do filme, serve para humanizar Stark. Ao lado de outro prisioneiro, chamado Yinsen, Tony revela que se seu plano de fuga der certo não será recebido por familiares, já que seus pais morreram anos antes. Ali o personagem ganha profundidade como um "homem que tem tudo... e não tem nada", o que contrasta com sua petulância inicial. Ao invés de dizer que Stark tem habilidades, o filme mostra o protagonista com a mão na massa, apresentando as habilidades práticas do herói de forma convincente e não como alguém que simplesmente é dotado de capacidades especiais sem maiores explicações. As sequências no Afeganistão também chamam a atenção por usarem cenários e paisagens reais, algo que se tornou mais e mais raro nos filmes do MCU com o passar do tempo. A Marvel tem feito filmes inteiros com cenários baseados em CGI. Em alguns casos a escolha se torna mais evidente, especialmente em filmes ambientados em cantos mais remotos do espaço sideral. Entretanto, até em filmes que poderiam ter mais cenas filmadas em locações reais, como o caso de Pantera Negra, ainda há um excesso de ambientes virtuais criados por computador, o que é uma pena.

    Quando constrói seu primeiro protótipo, ainda bem rudimentar, do que viriam a ser o traje do Homem de Ferro, o filme apresenta Stark com o primeiro traje que o personagem que o usou nos quadrinhos da Marvel Comics. Para o público leigo, esse aspecto deve ter passado despercebido, mas para os fãs foi um sinal de que a equipe por trás do longa-metragem estava atenta ao legado das HQs e respeitava isso, o que indica uma outra característica responsável pelo sucesso dos filmes do MCU. Enquanto a os filmes do Universo Estendido da DC são criticados por "desrespeitar" os fãs da DC Comics, o Universo Cinematográfico Marvel sabe muito bem quando e como fazer o fan service.

    Voltando para a performance de Downey Jr., a naturalidade que o ator tem para viver Tony Stark em muito tem a ver com a liberdade que teve ao trabalhar suas cenas. O roteiro do filme não tinha sido finalizado ainda quando as filmagens começaram. Por conta disso, Downey Jr. teve a chance de improvisar bastante e houve relatos de que Gwyneth Paltrow teve dificuldades para lidar com os métodos do colega. Intérprete de Pepper Potts, a assistente pessoal do magnata logo se torna seu interesse amoroso. As dificuldades encontradas durante as filmagens não ficam explícitas na tela. Downey Jr. e Paltrow tem até certa química e formam um dos melhores casais do MCU, especialmente porque Pepper retorna em diversos filmes, tornando-a uma personagem importante para os fãs.

    Ao privilegiar o desenvolvimento do personagem principal, Homem de Ferro tem menos sequências de ação do que outros filmes que o sucederam no MCU. Os efeitos especiais, que ficaram à cargo da Industrial Light & Magic, envelheceram bem e, 10 anos depois, o filme não soa visualmente datado. Ultrapassado mesmo foi a referência ao MySpace, o celular usado por Tony e a forma como ele lida com as mulheres.

    Por um lado, Tony pode ser visto como um gênio e bon vivant. Por outro, suas atitudes também podem ser lidas como os atos de um macho alfa egocêntrico. Sua posição social o coloca em um lugar de poder no qual as mulheres são um mero adereço e o machismo é seu . O flerte de Stark com uma repórter logo no início do filme é algo que não deveria passar batido e ser interpretado como parte do charme do herói, especialmente em tempos como o da campanha "Deixa Ela Trabalhar", que prega o respeito a mulheres jornalistas. No mundo de Stark, aeromoças boas são aquelas que em um momento estão servindo uma bebida, em outro são dançarinas de pole dance. Se a intenção era mostrar que Stark era uma pessoa que só pensava em si, haviam maneiras para além da misoginia de transparecer isso.

    O vilão do filme é Obadiah Stane, um sócio de Howard Stark, pai de Tony, que depois tem que passar o controle da empresa para o herdeiro da companhia de facto. Depois de perceber como suas armas são usadas, Tony manifesta publicamente a vonta de fazer a Stark Industries mudar de ramo, o que contraria a vontade de Obadiah. No clímax do filme, a disputa entre Tony e seu nêmesis se dá de uma maneira clássica em filmes de super-heróis. Stane é um antagonista que representa um espelho retorcido e corrompido do protagonista. Por mais que o filme tenha um vilão um tanto genérico, carcterística que se repetiu em muitos outros projetos da Marvel, a atuação de Jeff Bridges é consistente e contribui para tentar dar mais escopo ao personagem.

    Por fim, Homem de Ferro é uma produção que consegue introduzir com maestria um novo personagem na cultura pop e trabalhar o seu desenvolvimento com profundidade narrativa, construindo aquele que viria a ser o líder dos Vingadores. Mesmo que haja no longa a intenção de ligar eventos da trama a filmes vindouros (é por isso que o Agente Phil Coulson está no longa-metragem, afinal), a obra é eficaz em apresentar tudo em seu momento certo. Homem de Ferro pode não ser o melhor filme do Universo Cinematográfico Marvel, mas nenhum outro teria existido sem ele.

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