O 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro trouxe surpresas ao público e aos jornalistas. Após uma edição de 2014 marcada por seis longas-metragens radicais, em busca de novas formas de linguagem e de representação, a edição de 2015 decidiu se abrir a formas mais populares e convencionais de cinema.
De fato, seria difícil manter o nível do ano interior, que trouxe uma safra fortíssima representada por Branco Sai, Preto Fica, Ventos de Agosto, Brasil S/A, Ela Volta na Quinta, Pingo d’Água e Sem Pena. Este ano, apenas três dos seis filmes selecionados adotavam uma linha de pesquisa estética: Big Jato, Para Minha Amada Morta e Fome. Trata-se de três obras complexas, controversas, dotadas de visões singulares do discurso cinematográfico. O trio representou muito bem um dos festivais de cinema mais importantes do Brasil.
Já A Família Dionti e Prova de Coragem marcaram a abertura ao cinema infantil, ao realismo fantástico e ao romance tradicional. São filmes capazes de estabelecer maior diálogo com o público médio, mas que decepcionaram pela ausência de ambição cinematográfica. Quanto ao fraquíssimo documentário Santoro - O Homem e Sua Música, sua presença em um festival tão seletivo despertou críticas fortes quanto à obrigação tácita de inserir uma produção brasiliense entre os seis títulos da mostra competitiva, mesmo que a qualidade dos títulos disponíveis no ano não esteja à altura dos demais.
O que pretendia a curadoria do 48º festival de Brasília? Multiplicar os registros, dar voz a todos os tipos de cinema? Sugerir que Prova de Coragem possui méritos cinematográficos equivalentes aos de Para Minha Amada Morta, por concorrerem aos mesmos prêmios, lado a lado? Certamente, não faltaram obras mais marcantes à disposição do comitê de seleção, que teve centenas de opções para avaliar. Títulos de alto nível, mas fora de competição, como Um Filme de Cinema e Através, poderiam perfeitamente elevar o rigor artístico da seleção oficial.
As mostras paralelas constituíram o reduto destinado às demais produções experimentais. Sem obrigatoriedade de ineditismo, o Panorama Brasil trouxe um grupo de filmes singulares, realizados principalmente por jovens cineastas. Apesar da qualidade variável, títulos como Asco, Através e Mais do que Eu Possa me Reconhecer marcam uma visão do cinema sem compromissos, feito com equipes reduzidas, poucos recursos financeiros e grande liberdade no uso das ferramentas digitais.
De modo geral, os curtas-metragens apresentaram uma linha curatorial mais homogênea e interessante que a dos longas-metragens. Com a exceção de alguns acidentes de percurso (a presença questionável de Copyleft), a mostra de curtas apresentou obras inquietantes, tão preocupadas com o refinamento estético quanto com a representação humana. Tarântula, A Outra Margem, História de uma Pena, O Corpo, Quintal, Command Action, Cidade Nova e O Sinaleiro são ótimos representantes de uma seleção que privilegia o curta-metragem como espaço de invenção, responsável por introduzir novos talentos no cenário cinematográfico brasileiro.
Tematicamente, a 48ª edição do festival apresentou o fracasso da masculinidade, a derrota e solidão dos homens que não encontram mais seu lugar na sociedade. O marido em luto de Para Minha Amada Morta, os três homens que não conseguem abandonar a cidade em Big Jato, o mendigo sem laços afetivos em Fome, o agroboy melancólico de A Outra Margem, o professor relutante de História de uma Pena e o jovem sem raízes de Cidade Nova pertencem à mesma realidade contemporânea de esvaziamento dos laços em comunidade. Não é por acaso que os melhores filmes fizeram ótimo uso da inserção dos corpos no espaço geográfico e sonoro: este foi o ano dos personagens que se perdem, sem necessariamente se reencontrar.
Leia as nossas críticas dos filmes do 48º Festival de Brasília:
5x Chico - O Velho e sua GenteAsco
Para Minha Amada MortaProva de CoragemSantoro - O Homem e sua Música