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    Indiana Jones e A Relíquia do Destino
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Indiana Jones e A Relíquia do Destino

    Um chapéu, um chicote e um legado

    por Lucas Leone

    Costuma-se dizer que os heróis vivem para sempre – e com os da ficção não seria diferente. Fato é que, em algum momento, até o mais destemido (e bem-condicionado) deles precisa aposentar seu manto. É o caso de um certo arqueólogo que, por décadas, vem dividindo seu tempo entre dar aulas teóricas na faculdade e cruzar o mundo para impedir que artefatos históricos caiam nas mãos erradas. Sim, chegou a hora de dar tchau para Indiana Jones!

    Depois de quatro filmes – Os Caçadores da Arca Perdida (1981), O Templo da Perdição (1984), A Última Cruzada (1989) e O Reino da Caveira de Cristal (2008) –, o personagem encarnado por Harrison Ford retorna para uma última missão em A Relíquia do Destino. Ambientado no final dos anos 60, o quinto longa começa com Indy afastado das aventuras de campo e prestes a se aposentar da vida acadêmica.

    Tudo muda quando sua afilhada Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge) rouba um dispositivo inventado por Arquimedes e capaz de manipular o tempo – a Antikythera, mais conhecida como Relíquia do Destino. De volta à ativa para recuperar o objeto e salvar Helena, Indy descobre que não está sozinho na busca: o neonazista Jürgen Voller (Mads Mikkelsen), com quem teve um embate no passado, também quer se apossar do valioso item por um motivo nada nobre.

    Sem dublê e sem camisa

    Paramount Pictures

    Em 1977, durante uma viagem ao Havaí, Steven SpielbergGeorge Lucas tiveram uma ideia que mudaria para sempre suas carreiras e a história do cinema. Na época, Spielberg já havia feito sucesso com Tubarão (1975) e queria muito dirigir um filme de James Bond. Por sua vez, o pai de Star Wars vinha ruminando um projeto inspirado em clássicos de ação dos anos 30-40 e focado em um arqueólogo então chamado Indiana Smith, que entraria em conflito com os nazistas.

    Mais de 40 anos depois do fenômeno iniciado com Os Caçadores da Arca Perdida, Spielberg não está na direção pela primeira vez, nem Lucas no roteiro. Os dois servem apenas como produtores executivos. E foi o próprio Spielberg quem escolheu seu substituto: James Mangold, que tem no currículo títulos como Garota, Interrompida (1999), Logan (2017) e Ford vs. Ferrari (2019). Este último, inclusive, concorreu ao Oscar de Melhor Filme.

    Não havia, portanto, dúvida de que Mangold estaria apto a comandar um quinto capítulo de Indiana Jones – e que saberia muito bem fazer as sequências eletrizantes que viraram marca da franquia. De fato, Mangold acerta no quesito "acrobacias de tirar o fôlega", conseguindo preservar o espírito original do herói que, quando não está de terno na frente da lousa, está pilotando aviões ou motos em alta velocidade, saltando de trens em movimento e desviando de pedras gigantes.

    Mais do que isso, as cenas de A Relíquia do Destino esticam os limites do que se podia executar tecnicamente na década de 80 – algo que já havia acontecido em O Reino da Caveira de Cristal, embora o resultado tenha deixado a desejar em decorrência de um roteiro pouco consistente. Não é que a trama de agora seja perfeita (longe disso), mas não se pode negar que a insistência de Mangold por efeitos especiais/práticos, e não visuais, proporciona entretenimento de ótima qualidade, em especial os momentos embaixo d'água.

    Em um mundo onde James Cameron é o rei das filmagens subaquáticas com Avatar, é incrível assistir a Harrison Ford, hoje com 80 anos, nadando para explorar os destroços de um navio – uma faceta inusitada para Indy, cuja maioria dos desafios foi em terra firme ou abaixo da terra. Em O Reino da Caveira de Cristal, existe até uma cena em que o protagonista despenca de uma catarata imensa, porém não o vemos submerso.

    Tudo fica mais impressionante quando consideramos que Ford dispensou dublês de ação. Ele se entregou tanto que machucou o ombro direito enquanto gravava uma luta com Mikkelsen, fazendo com que a produção fosse interrompida por duas semanas. Ao mesmo tempo, Ford não teve medo de parecer velho; pelo contrário, fez questão de aparecer sem camisa e aproveitou a mobilidade mais reduzida que vem com a idade para gerar humor e humanizar um personagem conhecido por sua destreza física.

    Uma questão de tempo

    Paramount Pictures

    O grande problema em A Relíquia do Destino talvez seja o tempo – em todas as suas definições. Apesar de manter a tradição dos três primeiros filmes de ter o nazismo (agora neonazismo) como o "vilão" da história, acaba suavizando seu impacto ao misturá-lo com o contexto da Guerra Fria, quer dizer, com a rivalidade entre americanos e soviéticos  – que também havia sido abordada em O Reino da Caveira de Cristal.

    Além disso, é a primeira vez que a viagem no tempo é empregada na saga, com Indy indo parar em uma antiga civilização, depois de, no presente, ter passado por Estados Unidos e Marrocos. É claro que deslocamentos frenéticos sempre fizeram parte de Indiana Jones, que já usou como cenário Nepal, Egito, Índia, Itália, Alemanha, Jordânia, Peru e até a Amazônia. No entanto, A Relíquia do Destino causa um certo estranhamento ao recorrer, em seu terceiro ato, a elementos da ficção científica – algo que havia sido imensamente criticado em O Reino da Caveira de Cristal.

    No que deveria ser um encerramento memorável para uma franquia de ação e aventura, os gêneros se embaralham. E o filme se alonga mais do que os anteriores (são quase 2h30 para um padrão de 2h) justamente para que essas muitas portas abertas sejam fechadas antes dos créditos finais. Assim, o roteiro de A Relíquia do Destino sofre com sua própria magnitude.

    Uma anti-heroína, um vilão e uma estrela

    Paramount Pictures

    É uma mudança válida que não haja um interesse amoroso para Indy no quinto longa, e que o papel feminino seja o de uma afilhada, a personagem de Phoebe Waller-Bridge. Certamente é uma forma de atualizar as representações de gênero na saga e evitar que a mulher seja uma mera coadjuvante, uma "donzela indefesa".

    Afinal, Helena Shaw se apresenta como uma trambiqueira que sobrevive na ilegalidade e tenta, inclusive, passar a perna no padrinho. Ela está acostumada a se colocar em perigo e se livrar sem a ajuda de qualquer homem – a não ser seu cúmplice, o adolescente Teddy (Ethann Isidore).

    Apesar de toda a desenvoltura nas sequências de ação, Phoebe sabe interpretar uma "anti-heroína" como ninguém e, por isso mesmo, trouxe para sua Helena traços semelhantes, às vezes idênticos, aos de Fleabag, série criada e estrelada por ela mesma a partir de uma peça escrita e encenada por ela mesma. O tom sarcástico, a rapidez na fala, o olhar penetrante, o sotaque britânico… Talvez sejam marcas da direção, talvez do próprio roteiro. Em todo caso, parece que a quebradora de quarta parede foi dar uma voltinha com Indy.

    O personagem de Mads Mikkelsen, por sua vez, não é tão poderoso quanto o bruxo Grindelwald de Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore, nem tão louco quanto o professor Martin de Druk. Por mais que esteja associado ao nazismo e um plano bizarro de dominação mundial, Jürgen Voller instila mais fragilidade do que uma sensação de ameaça iminente. A impressão é de que Mads faz o que sabe fazer de melhor sem, contudo, sair de uma zona de conforto.

    O destaque definitivamente vai para Harrison Ford. Seu Indy continua orgulhoso, teimoso e galanteador; por outro lado, se mostra bem mais vulnerável do que antes, trazendo no corpo as marcas do tempo – e das peripécias que viveu. Quando tudo ao seu redor parece lhe dizer que não tem mais idade para aquela vida de emoções, Indy coloca seu chapéu, amarra o chicote na calça e vai salvar o mundo. Nem que seja um último ato de heroísmo antes de adotar o pijama.

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