Inspiração para Jogos Vorazes, A Longa Marcha é uma das adaptações mais brutais de Stephen King
por Bruno Botelho dos SantosStephen King é um dos autores mais populares de todos os tempos e suas obras renderam clássicos do cinema como Carrie, a Estranha, O Iluminado, Cemitério Maldito e Um Sonho de Liberdade. O que muitos não sabem é que King já usou o pseudônimo de Richard Bachman na carreira, publicando algumas de suas histórias mais diferentes e sombrias.
Este é o caso de A Longa Marcha, seu primeiro livro escrito, mas publicado apenas em 1979 – quando Carrie já havia sido lançado. Até hoje, a história não tinha recebido uma adaptação para o cinema, mas isso finalmente se torna realidade com o filme A Longa Marcha: Caminhe ou Morra (2025), dirigido por Francis Lawrence, que entrega uma das experiências mais brutais e impactantes para os fãs de Stephen King.
Paris Filmes
A Longa Marcha: Caminhe ou Morra se passa num futuro distópico em que os Estados Unidos vive sob um regime autoritário em que uma competição mortal recruta todo ano um grupo de cinquenta jovens meninos para a A Longa Marcha. Um dos escolhidos deste ano é o adolescente Raymond Garraty (Cooper Hoffman) e a regra é clara: se mantenha caminhando sem parar, para não ser baleado enquanto essa prova brutal de resistência é transmitida para milhares de espectadores ao redor do país. É preciso caminhar até restar um sobrevivente e, como prêmio, o vencedor tem direito a um desejo especial.
Quando Stephen King escreveu A Longa Marcha nos anos 60, ele estava fazendo uma clara metáfora sobre a Guerra do Vietnã. A adaptação consegue capturar a ideia da obra original e fazer uma crítica contundente ao regime fascista, que se aproveita do cenário de instabilidade sociopolítica e crise econômica para apresentar falsas soluções e reforçar seu sistema autoritário. Neste caso, os jovens são enviados para essa competição sádica e mortal, que é televisionada para a população com a intenção de servirem de inspiração no aumento de produtividade – muito semelhante às propagandas militares.
Paris Filmes
O filme, com roteiro de J.T. Mollner (Desconhecidos), é fiel à estrutura narrativa simples e tensa do livro. Ele acompanha a Longa Marcha do começo ao fim, enquanto os participantes tentam seguir na competição e sobreviver, mas acabam morrendo um a um. É um conceito que o diretor Francis Lawrence (Constantine) consegue aproveitar muito bem na tela para a construção de tensão a partir da angústia e exaustão dos personagens.
A escolha de Francis Lawrence é interessante pela sua relação com a franquia Jogos Vorazes – inspirada em A Longa Marcha, como já reconheceu a autora Suzanne Collins. Ele foi diretor de Em Chamas, A Esperança - Parte 1, A Esperança - O Final e A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, então tem experiência com distopias. Na adaptação de Stephen King, Lawrence constrói o cenário distópico por sutilezas visuais e diálogos, não se arriscando muito na construção imagética fora da estrutura estabelecida e focada na marcha. Isso também faz o filme se tornar um tanto repetitivo em certo ponto.
A direção usa uma tática eficiente do choque para seus personagens, como soldados em trincheiras, não apenas tendo que lutar pela sua sobrevivência, mas enfrentando o trauma dos assassinatos desses jovens colegas a todo instante. A Longa Marcha não poupa o público da violência e brutalidade, aproveitando de sua classificação indicativa para maiores de 18 anos com cenas de mortes gráficas que reforçam a crueldade do regime fascista.
Paris Filmes
Mesmo nas obras mais pesadas e sobrenaturais de Stephen King, ele sempre se preocupou com o lado mais humano dos personagens. É algo que a adaptação de A Longa Marcha compreende magistralmente pela relação de Ray Garraty, interpretado por Cooper Hoffman (Licorice Pizza), e Peter McVries, vivido por David Jonsson (Alien: Romulus).
Ray Garraty e Peter McVries são o coração de A Longa Marcha. Em meio a um cenário implacável e desumanizante, a jornada emocional dos dois personagens construindo uma relação de amizade é reconfortante e proporciona reflexões importantes sobre nossa sociedade e como enfrentar o regime autoritário que eles estão inseridos. Entre o amor e a vingança, o filme caminha para um final sombrio e pessimista – diferente do livro – que é uma porrada nos sentidos e mostra como a crueldade do mundo forma ciclos de violência.
Com um elenco jovem e talentoso, outros personagens como Hank Olson (Ben Wang), Gary Barkovitch (Charlie Plummer), Stebbins (Garrett Wareing) e Arthur Baker (Tut Nyuot) são importantes, mas acabam caindo mais em estereótipos, enquanto Garraty e McVries são os que têm um desenvolvimento mais aprofundado. O principal vilão da trama é o Major, interpretado por Mark Hamill, que serve como uma representação máxima da figura autoritária. Ele entrega uma atuação intensa, mas também sem muitas camadas para trabalhar.
Paris Filmes
Se tratando de uma das histórias mais pesadas de Stephen King, A Longa Marcha entrega uma experiência violenta e chocante ao levar o material para as telonas, transportando com muita eficiência a tensão das páginas do livro em uma narrativa cinematográfica angustiante. O filme não se arrisca muito além da obra original e se trata de uma adaptação bem fiel. A principal mudança fica mesmo no final, que segue impactante nas duas versões.
A Longa Marcha segue mais atual do que nunca e serve como uma denúncia dos perigos de regimes fascistas. O filme expõe toda violência e espetáculo da morte intrínseca ao funcionamento do sistema, mas também encontra a beleza nas relações humanas. Sem dúvidas, uma das melhores adaptações de Stephen King para o cinema.