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    Barry: Crítica da 2ª temporada

    Bill Hader não conhece limites na hora de misturar comédia, drama e violência nessa brilhante série.

    Nota: 4,5/5,0

    Como definir Barry? O projeto idealizado por Bill Hader e Alec Berg não fica preso em caixas, então ficou a dúvida se a dupla conseguiria repetir tal frescor. Afinal, um erro comum de séries novatas é amplificar todas suas qualidades numa segunda temporada, exagerando os limites da história. Mas a aposta da HBO alcança o imaginável: faz esse recurso funcionar.

    A narrativa retoma logo após o chocante final da primeira temporada. O protagonista de Hader se afastou do crime e parece bem mais confortável na nova vida. Só que o desaparecimento de Moss (Paula Newsome) abala profundamente Gene (Henry Winkler), que começa a montar um espetáculo com os maiores traumas de seus alunos, ao mesmo tempo que a polícia cerca Fuches (Stephen Root) em busca do assassino da agente. Já Hank (Anthony Carrigan) precisa de ajuda para manter os negócios diante da chegada de um terceiro grupo em seu cartel. Ou seja, é só questão de tempo para Barry voltar a explorar seus instintos violentos. 

    Hader e Berg foram elogiados por dosar comédia com drama violento, então a segunda temporada investe bastante nesses dois temas supostamente opostos. Mas, se no início, Barry buscava separar os âmbitos de sua vida dupla, cada vez mais é evidente o fracasso do personagem nessa tarefa, o que também afeta diretamente a narrativa. Riso e trauma se misturam, formando um humor obscuro que não desvaloriza ou escracha os temas valorizados, apenas adiciona um toque a mais ou ajuda a conduzir a narrativa.

    Se Barry começa a explorar a escuridão de suas violentas experiências na arte, enquanto tiroteios/brigas começam a ficar mais absurdas, a mesclagem também acontece na visão do espectador. Então, é possível rir no treinamento de criminosos, enquanto a louca sala de aula de Gene se torna debate de abuso doméstico. A transformação do tom acontece de forma tão rápida e natura, que só pode ser explicado com a icônica frase de Ted Burgundy (Will Ferrell) em O Âncora: "That escalated quickly!"

    A ousadia não fica somente na dualidade dos gêneros, mas também na expansão da história. Uma nova temporada é a oportunidade perfeita para aprofundar personagens além do protagonista. Ainda é possível aprender mais sobre Barry — vide os flashbacks da guerra e o início da construção de sua persona assassina. Porém, todos os outros membros do elenco principal também ganham suas próprias jornadas: Gene tenta voltar a se relacionar com o filho; a conexão de Fuches com a polícia explora mais seus sentimentos sobre Barry; e Hank comanda toda uma subtrama criminal e tem uma crise de identidade.

    Até o passado de Sally (Sarah Goldberg) vem a tona, com o retorno do ex-marido violento (e a dificuldade humana de enfrentar a verdade) junto com outra crítica ao sexismo presente em Hollywood. Pena que os arcos da atriz acabam meio ofuscados diante das outras frenéticas curvas da narrativa. Fica aqui também um lamento pelo maior (e quase único) defeito de Barry: o desperdício dos alunos da classe de Gene. Talentos como D'Arcy CardenKirby Howell-BaptisteDarrell Britt-Gibson ficam presos no que parecem ser esquetes de um humorístico dominical. São engraçadas, mas ainda precisam de espaço para revelar todo seu potencial.

    Falando em potencial, é hora de citar quando Barry explora todas as suas qualidades. Temporada 2. Episódio 5. "ronny/lily". Trata-se da construção de um dos episódios mais absurdamente criativos dentre as comédias atuais — algo nível "Teddy Perkins" em Atlanta. Sequências de ação bem coreografadas (algumas até sem cortes) se misturam com uma comédia de consequências, onde cada reviravolta empurra os limites da trama. É como se Hader (ator, roteirista e diretor do capítulo) colocasse uma fatia de sua excêntrica imaginação pra jogo. E faz gol de placa. Ps: se o mundo for justo, a carreira da prodígio Jessie Giacomazzi vai crescer depois dessa participação estelar.

    Se "ronny/lily" é o episódio de maior destaque, seu sucessor traz uma das melhores performances da carreira de Bill Hader: "The Truth Has a Ring to It". No momento em que Barry relembra a pior coisa que já fez, é a primeira vez que o espectador vê uma saída alternativa para o ex-assassino canalizar sua violência. A cena com Sally fica incrível e ele é até elogiado por Gene. Pena que o mentor está felicitando a energia que veio da lembrança de Barry matando sua amada. As atuações de Hader e Goldberg nesse são impressionantes, mas chega a ser avassalador, para quem conhece a carreira cômica do protagonista, vê-lo numa versão tão sombria. Ele já tinha convencido em grandes cenas de ação, mas aqui traz uma nova camada dramática para o papel.  Como a cereja do bolo, une esses dois fatores no episódio final, "berkman>block", onde coloca seu personagem retornando para a escuridão — de forma filosófica e literal (uma bela sacada de direção, que comprova o detalhismo da série, em referência contrária ao primeiro episódio do ano, quando Barry aparece vindo em direção a luz).

    Mais uma vez, Hader segue liderando um elenco bem talentoso. Vencedor do Emmy por Gene, Winkler ainda consegue transitar entre função de mentor e ídolo egocêntrico em segundos, enquanto emociona ao surgir realmente devastado (e humanizado) no último capítulo. Por outro lado, é possível ver como Carrigan ganhou mais destaque após seu sucesso na primeira temporada e não decepciona, mantendo o caráter hilário de seu personagem (principalmente nas dobradinhas entre Hank e Barry) e até em breves surpreendentes momentos obscuros do criminoso. 

    Com renovação garantida e mais um cliffhanger inquietante, é impossível saber qual será o novo capítulo da jornada de Barry. Vai caminhar para um lado mais Breaking Bad? Seguir a linha de Fargo? Dar a louca como Veep? É bem capaz de Berg e Hader misturarem tudo isso e fazer outra coisa insana. De qualquer modo, essa série já merece nossa atenção — e não somente porque foi exibida logo após Game of Thrones.

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