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    Como o escapismo de Vingadores: Guerra Infinita reflete nossa sociedade (Análise)

    Retrato dos tempos atuais.

    Vivemos a época das emoções instantâneas, a era do imediatismo. A velocidade de comunicação propagada pelas redes sociais, aplicativos de relacionamentos e outras invenções modernas que surgiram na esteira do Facebook alterou o conceito humano de tempo. Eventos que anteriormente se desenrolavam durante uma determinada sequência temporal, hoje ocorrem muito mais rapidamente. O bombardeamento de informações midiáticas e a instataneidade de conexão entre indivíduos ao redor do mundo - a tragédia do 11 de setembro foi a primeira a ser experienciada ao vivo nos quatro cantos do globo - suprimiu o tempo.

    Para efeitos de concretude, analisemos o tempo médio de duração de cada plano dos filmes da trilogia Homem de Ferro. No primeiro filme, lançado em 2008, durante a ascensão do Facebook, cada plano dura entre 3,5 e 4 segundos. Cinco anos depois, no auge das redes sociais, Homem de Ferro 3 fez a média cair drasticamente para um índice de 2 segundos de duração. Através dos estilos empregados por cineastas frenéticos como Michael Bay, a velocidade de montagem dos blockbusters modernos se aproxima cada vez mais da rapidez dos trailers - nos vídeos de divulgação, onde longas de duas horas precisam ser condensados em três minutos, cada plano dura em média 1,5 segundo -; a consequência direta é que, entre as cenas de ação e as gags, quase não sobra tempo para construir o drama nos épicos contemporâneos - como Matt Zoller Seitz, por exemplo, ressalta em sua crítica de Guerra Infinita.

    As mortes causadas por Thanos em Guerra Infinita são um bom indicativo da questão. Loki (Tom Hiddleston), um dos mais icônicos personagens do Universo Cinematográfico Marvel, não é tirado de campo nos minutos iniciais à toa. Temos apenas um microespaço de tempo para sentir a dor da perda. Ao invés de tristeza, ficamos chocados - até que a próxima sequência, um combate nas ruas de Nova Iorque, tome conta das telonas e nos distraia do que acabou de acontecer. Ainda mais vazias de drama, apesar de profundamente mais surpreendentes, são as execuções de metade do elenco de Guerra Infinita no encerramento do longa. Matar tantos personagens de uma só vez é uma jogada arriscada e muito interessante em um gênero onde os espectadores estão acostumados com finais felizes; o problema, por outro lado, é que dizimar os heróis não dá uma sensação real de perigo ou de que Thanos não será derrotado. Sabemos que, quando tudo tiver sido dito, as coisas acabarão bem, de uma forma ou de outra.

    Vale ressaltar, aliás, que a expectativa de um encerramento positivo não é um demérito - e é exatamente por isso que nem a Marvel, responsável pelo dramático Pantera Negra, e nem Guerra Infinita - que traz a importância da união como principal mote em tempos de polarizações políticas exacerbadas - são o problema; o grande evento do UCM, aliás, é a apenas um sintoma de uma tendência cada vez mais em voga na indústria cinematográfica. Ao passo em que já sabemos ser possível combinar entretenimento, preocupações com temáticas realistas, funcionalidade narrativa, tons cômicos e drama - como os recentes LoganJogador Nº1 bem demonstraram -, a questão é como o escapismo vem sendo trabalhado em Hollywood.

    Não é de se admirar que Dwayne Johnson - um dos maiores astros de Los Angeles no momento e produtor cuja digital parece estar em todos os filmes -, tenha declarado terminantemente que jamais fará um filme com um final triste. Se nós nos orientamos no mundo através do cinema e das séries, qual é o impacto que a eliminação da mera possibilidade de um desfecho triste - e não estamos falando de nada como os desenlaces brutais de longas como Chinatown ou Se7en, mas apenas de conclusões que carregam dramas da vida real - pode acarretar? Quais são as consequências psicológicas de nos desconectarmos quase que inteiramente da vida real e do caos atual, que continuará a existir com ou sem os épicos de Hollywood?

    A inclinação à substituição do drama pelo mero espetáculo ou por uma torrente interminável de piadas fica ainda mais patente quando observamos outras franquias massivas. Filmes como os da saga TransformersVelozes & Furiosos ou a recente Jurassic World - três das mais lucrativas do momento - são escapistas no sentido pejorativo da palavra. Desafiam a realidade, mas não apontam caminho algum. Não se aprende ou absorve nada através destas narrativas - e esta não é uma defesa de um cinema educativo. Como já exposto anteriormente, o entretenimento e a distração pura têm seus valores, sendo Thor: Ragnarok e o próprio Guerra Infinita como dois dos melhores exemplos recentes desta vertente; todavia, quando os blockbusters são acompanhados por jornadas dramaticamente complexas ou mais humanas, aí sim temos o melhor tipo de escapismo.

    Os aclamados Mulher-MaravilhaPantera Negra são exemplares evidentes de narrativas que fogem ao realismo e se desviam da realidade; entretanto, eles são muito mais do que aventuras de super-heróis. Uma vez que tais ficções finalmente fornecem modelos heróicos para audiências subrepresentadas, tanto o maior sucesso da DC quanto o surpreendente longa da Marvel comprovam não só a importância da representatividade, como também a tese de Steven Spielberg, estabelecida em uma entrevista do cineasta ao jornal El País: o "remédio" não é inimigo do "açúcar"; o escapismo e o entretenimento podem - e devem - ser conjugados para nosso estabelecimento enquanto indivíduos porque são nossos mitos modernos.

    A questão da ideologia, evidentemente estadunidense, que os blockbusters propagam é assunto para outro momento; não nos importa, aqui, discutir questões da ordem da "dominação cultural" ou problemáticas do tipo - ainda que seja importante ressaltar a existência de um ideal específico de mundo que os épicos de Hollywood constroem. O ponto, enfim, é que o escapismo, quando concretizado da maneira "correta", nos transporta para outros mundos e nos oferece um respiro das nossas próprias angústias, mas também nos coloca de pé novamente para tentar ressignificar os tempos que atravessamos. Guerra Infinita vale como diversão pura e quase atinge altitudes dramáticas satisfatórias, mas falha em seu objetivo de se tornar um épico mais aprofundado tal qual alguns de seus "primos" como Os VingadoresO Soldado Invernal ou o supracitado Pantera Negra, que conjugaram o drama sem perder pitadas do humor da Marvel.

    Enfim, é tudo uma questão de intenção, e o intenso Guerra Infinita, mais preocupado em chocar do que emocionar de fato, captura nossa atenção e impressiona, mas nos desconecta ainda mais da realidade. Resta saber se esta tendência se tornará hegemônica ou se este é apenas um evento isolado, decorrente de tantos personagens representados e importantes para a narrativa central.

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