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    "Os filmes que eu faço funcionam mais nos Estados Unidos do que no Brasil", afirma Rodrigo Teixeira, produtor brasileiro de A Bruxa (Exclusivo)

    Conversamos com o brasileiro premiado no Independent Spirit Awards.

    Divulgação RT Features

    A temporada de premiações nos Estados Unidos trouxe uma boa notícia a um produtor brasileiro: Rodrigo Teixeira, da RT Features, recebeu prêmios importantes por seu trabalho no filme de terror A Bruxa. A produção americana levou os troféus de melhor filme estreante e melhor roteiro estreante.

    O troféu consagra uma longa trajetória que inclui produções nacionais como Tim Maia, O Cheiro do Ralo, Quando Eu Era Vivo e Alemão, além das estrangeiras Frances Ha, Love, O Amor é Estranho e o próprio A Bruxa.

    Nós conversamos com Rodrigo Teixeira sobre sua visão do cinema brasileiro atual:

    Você percebe diferenças estruturais entre produções independentes brasileiras e estrangeiras?

    Rodrigo Teixeira: A produção em si, no set de filmagem, não tem nenhuma diferença. Mas a forma como você financia e comercializa são muito diferentes. No Brasil, você é altamente dependente - com toda a razão - do incentivo fiscal, e o seu resultado se torna dependente da bilheteria. Nos Estados Unidos, não: a bilheteria é uma parte do resultado. No cinema independente, eu posso fazer uma pré-venda do filme, e o risco da bilheteria vai para a distribuidora.

    A distribuidora nos Estados Unidos adquire o direito de distribuir seu filme pagando para você caso ela não tenha financiado o seu projeto antes. Se financiou antes, você se torna uma espécie de prestador de serviço para o estúdio, o que também acontece no Brasil. Então, na prática, o grande diferencial é a comercialização e a maneira de financiar o projeto. 

    A RT Features tem interesse em distribuir os próprios filmes?

    Rodrigo Teixeira: Sim, eu penso em autodistribuir no Brasil. A tendência do setor no Brasil é ser um pouco mais enxuta. Pessoalmente, vou me dedicar mais aos projetos internacionais. Ainda vou fazer projetos brasileiros, mas num modelo com menos filmes. Penso muito nisso. Só não vou fazer cinquenta projetos brasileiros porque não existe mercado para tudo isso. Então prefiro me focar onde existe um mercado mais expressivo. Para o tipo de filme que eu quero fazer, o mercado maior é fora do Brasil.

    Você já produziu filmes de terror tanto no Brasil quanto fora. O gênero tem grandes sucessos nos Estados Unidos, mas o cinema de terror brasileiro enfrenta dificuldades de encontrar público.

    Rodrigo Teixeira: A Bruxa teve um sucesso muito grande no nosso mercado. Acho que o brasileiro prestigia o filme de gênero, contanto que seja feito fora do Brasil. Ele não prestigia o cinema de gênero brasileiro porque se torna um subgênero do "filme brasileiro". Existe uma dificuldade e um preconceito muito grande de se assistir a um filme brasileiro de gênero. Lá fora, o público é mais maduro. Os gêneros fazem parte do cotidiano, do dia a dia, eles estão acostumados a ver. Nossa bandeira já é um gênero por si só. Então, quando você começa a criar subgênero, o seu público não necessariamente adere a isso. Mas sou a favor destas produções, por isso eu fiz. 

    Como vencer o preconceito contra o cinema brasileiro?

    Rodrigo Teixeira: Formando público, não tem jeito. É preciso formar público no Brasil. O brasileiro tem que aprender a quebrar o preconceito contra o cinema nacional. O preconceito não existe na comédia, que é muito popular, mas ainda é necessário encontrar um balanço para os filmes de arte - filmes de terror, filmes de gênero – para trazer o mesmo público da comédia, e isso é difícil. Esse público não está querendo conhecer novos projetos.

    Mas se eu pensar como esse público, eu entendo. Acho triste, porque no caso de Quando Eu Era Vivo, por exemplo, fico imaginando “Eu fiz um filme de terror", e não "Eu fiz um filme brasileiro". Por acaso ele é brasileiro, porque foi filmado no Brasil, eles falavam português, mas na hora de analisar o contexto, é um filme de terror brasileiro. Não posso deixar de fazer esta análise.

    A Bruxa venceu dois prêmios no Independent Spirit Awards, o que gerou grande repercussão na mídia brasileira. Mas premiações nacionais, como dos festivais de Brasília e Gramado não causam um impacto determinante na carreira comercial dos premiados.

    Rodrigo Teixeira: O Oscar e o Globo de Ouro impactam de forma muito alta, porque são eventos midiáticos. Brasília e Gramado não são. A gente está falando de eventos que atingem 32, 40 milhões de pessoas. O que o Spirit Awards traz para mim é a consagração, uma afirmação de que estou fazendo certo e eu passei a outro nível. Eu fiz o maior filme de uma companhia, e com o prêmio, eu faço parte da academia. Isso abre mais portas, me dá mais credibilidade e mais acesso.

    Aqui no Brasil, se o filme ganha Berlim, por exemplo, ele tem um peso no Brasil. A polêmica do Aquarius trouxe público para o filme, sem dúvida nenhuma. Aquela imagem midiática da turma do Aquarius dizendo “Estamos vivendo em um golpe” trouxe mídia positiva e negativa. Pode ter certeza de que isso influenciou ou no aumento de público ou no decréscimo de público. Você não tem muito como saber qual dos dois, mas de alguma forma influenciou.

    Divulgação RT Features

    Você acredita na influência comercial da crítica?

    Rodrigo Teixeira: Acho que a crítica impacta muito o filme. Por exemplo, eu sempre olho o Rotten Tomatoes [site agregador de críticas norte-americanas]. É muito louco. Se vejo que está verdinho lá [sinal de críticas majoritariamente negativas], eu penso: “Será que vale a pena?”. Olho muito esses sites e textos especialmente para filmes que não seriam a primeira escolha, que eu veria direto em DVD. Olho e falo: “Este aqui eu não vou ver”. 

    A RT Features está produzindo Alemão 2, uma das raras franquias nacionais que não são de comédia. Qual é o desafio de construir uma franquia de temática social?

    Rodrigo Teixeira: A temática social está impregnada em vários filmes brasileiros. Mas a ação, não. Existem tentativas de filmes de ação, mais ainda é preciso explorar o gênero. Estou envolvido de maneira superficial no Alemão 2 por enquanto, ainda quero me envolver mais, porque o Alemão é uma premissa minha. Então tenho uma relação muito forte com o filme, embora a minha agenda não tenha permitido um envolvimento maior até agora.

    A baixa quantidade de filmes de ação brasileiros se deve a questões culturais ou de orçamento?

    Rodrigo Teixeira: Acho que pelo orçamento, e também pela questão cultural. Orçamento, sim, porque você fica prejudicado por não ter financiamento no Brasil. É um desafio diário, porque a comédia dá dinheiro, então as pessoas vão na comédia como algo certo, quem vai querer arriscar? Este é um problema do produtor e do distribuidor brasileiro, que poderia tomar mais riscos.

    Existe um mercado maduro para um tipo de filme que no Brasil não é maduro. Se O Gorila fosse um filme americano, talvez nos Estados Unidos ele tivesse o sucesso que não teve no Brasil. O tipo de filme que eu quero fazer funciona nos Estados Unidos. No Brasil, ele funciona menos. Os dois filmes meus que saíram da curva no Brasil foram Alemão e O Cheiro do Ralo, que superaram todas as expectativas. No caso de Tim Maia, a expectativa era maior e ele fez menos do que a gente imaginava.

    Nos Estados Unidos eu tenho outras coisas. Frances Ha mudou a minha carreira, A Bruxa mudou a minha carreira, Mistress America mudou minha carreira, Love mudou minha carreira...O impacto desses filmes na minha trajetória é muito maior do que o de Quando Eu Era Vivo e O Gorila. Alemão e O Cheiro do Ralo tiveram um impacto de imagem muito forte. Alemão foi um filme pequeno que rendeu muito dinheiro e foi um sucesso. A gente fez 935 mil espectadores, quase viramos um milhão.

    A RT tem financiado várias de suas próprias produções. Como você vê as mudanças políticas no setor de incentivos?

    Rodrigo Teixeira: Todo mundo se preocupa, mas a gente não sabe como vai ser o dia amanhã. É tudo especulação. A princípio, as leis de incentivo continuam existindo. A partir do momento em que continuam existindo, a gente se beneficia delas porque apresenta projetos, depois somos selecionados, contemplados... Foi criado um processo, um ritmo. O problema diz respeito à continuidade disso. Mas ainda não sabemos o que vai acontecer, depois o Manoel Rangel [diretor-presidente da Ancine] vai sair e vamos descobrir o que acontece com a Ancine. Pode entrar alguém que mantenha a estrutura do Manoel e faça um trabalho maravilhoso. 

    Como percebe a influência das plataformas digitais na produção?

    Rodrigo Teixeira: Para o cinema nacional, o impacto é muito grande. Por exemplo, eu tive a oferta para a compra de um filme na Netflix que eu não receberia por uma mídia tradicional. Isso já me diz que o impacto é bom. O fato de ter mais competição estabelece uma margem diferente. Além disso, é preciso fazer a distribuição digital. É algo super importante, é o futuro, não tem jeito. A sala de cinema tende a ficar um espaço menor enquanto a distribuição digital se torna o espaço mais aberto. Assim, de fato, você pode exibir e comercializar o seu trabalho.

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