A idealização do ser amado em " Um Corpo que Cai "
"Vertigo ", ou "Um Corpo que Cai ", já foi considerado o melhor filme de suspense de todos os tempos. Para depois ser alçado a melhor filme de todos os tempos. É uma obra prima, que não envelhece, porque trata de um tema atemporal:a idealização do objeto do amor. Melhor dizendo do objeto da paixão. A paixão, não o amor cega até o mais frio intelectual.
O detetive aposentado John Scottie é chamado por um colega para seguir sua esposa Madeleine, que estaria mentalmente perturbada. Ela se sentia obcecada pela sua antepassada Carlotta Valdez, que havia enlouquecido e cometido suicídio. Scottie, já na primeira vez que a vê fica impressionado com sua beleza, sua elegância, seu cabelo platinado. Ela usa sempre um coque e terninho cinza. Com o começo do trabalho ele vai sendo cada vez mais envolvido por sua figura elegante e enigmática. Ela lhe confidencia seu temor de acabar como Carlotta. Isso gera nele um instinto protetor. No fundo já está apaixonado pela mulher do amigo, porém não quer admitir.
Vão ficando cada vez mais próximos, mas o máximo de intimidade que tem é um beijo.
Ele vai sendo levado por aquela paixão, até que finalmente o suicídio se consuma na sua frente, trazendo à tona a antiga culpa por não ter conseguido evitar a morte de um outro policial, graças ao medo de altura que tinha, junto com o sofrimento de não ter conseguido salvar Madeleine, o que o leva à uma depressão profunda.
Daqui para frente o texto tem spoiler!
Scottie passa algum tempo internado com uma depressão tão severa que nem consegue falar ou se mexer. A culpa e a dor o imobilizam. Depois de algum tempo tem alta. Uma tarde, andando pelas ruas de São Francisco, vê uma mulher extremamente parecida com Madeleine. Ele a segue. É uma mulher morena, de modos vulgares, comum. Quando ele a aborda ela a princípio se esquiva. Mora num quarto de hotel alugado. Ele, como se estivesse tendo uma chance de reviver Madeleine continua de modo compulsivo a pedir para ficar perto dela.
Nessa hora ,Hitchcock faz uma grande virada na narrativa, fazendo com que o espectador fique sabendo antes do protagonista o segredo do filme:Judy e Madeleine são a mesma pessoa. Aliás, Madeleine nunca existiu, somente Judy. Esta, que fora contratada para um golpe, acabou se apaixonando também por Scottie. Escreve tudo numa carta, mas não entrega. No fundo ela sabia que ele amava Madeleine, a personagem que ela viveu.
Então, começa a transformação. Aos poucos, e com seu consentimento, o detetive vai recriando a mulher que nunca existiu. Como se pudesse trazê-la do mundo dos mortos (o livro que deu origem ao roteiro se chama "D'entre les morts ") ganha um novo sopro de vida. Mas, ele não se apaixonou pela morena Judy, de sobrancelhas grossas, que é comum demais, humana demais. Foi sim pela loira Madeleine. Não satisfazia sua necessidade de aplacar sua dor. Ele precisa transformar uma na outra.
O sentimento que ela nutre por ele abre espaço para isso.
Ele a veste, a penteia, a faz caminhar como seu objeto de obsessão. Ela tenta beija _ lo ,ele não consegue. Não até ela ficar igual, nos mínimos detalhes. Aqui se vê como a paixão pode tirar o discernimento de uma pessoa. Ele quer por que quer uma pessoa específica, no caso morta. Quando a transformação se completa (prender os cabelos num coque) ele se permite beija _la.A câmara gira em torno deles como o êxtase que ele está sentindo.
Ambos se permitindo mentir para si mesmos para serem felizes. O final trágico, não é o mais importante nesse filme cheio de reflexões. Mas como a nossa mente é capaz dos maiores escapismos para ter a "felicidade ". Como nunca vemos o ser amado como é, mas ,sim , como imaginamos ser.