Juntos
Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Juntos

Longe da força de A Substância, filme de terror diverte ao abordar problemas de relacionamentos reais de maneira criativa

por Diego Souza Carlos

O terror sempre foi responsável por despertar o medo do desconhecido em suas primeiras camadas, mas também encontrou formas de representar o que nos amedronta de maneiras criativas. Passada a superfície, muitos filmes tentam relacionar elementos amedrontadores a problemas da vida real, algo que é privilegiado por um bom roteiro e, claro, a magia do cinema. Em Juntos, por exemplo, o diretor Michael Shanks conta uma história de amor que evidencia como problemas conjugais podem tomar rumos bizarros.

A trama acompanha um casal disfuncional e codependente cuja união é posta à prova quando uma força estranha e sobrenatural toma conta de seu relacionamento. Tim (Dave Franco) e Millie (Alison Brie) dão um novo passo na relação ao se mudarem para uma cidade isolada no interior dos Estados Unidos. O que se apresenta como a oportunidade perfeita para recomeçar e fortalecer os laços, logo se transforma num pesadelo quando parece que a floresta dessa pequena cidade esconde segredos nefastos.

Diamond Films / NEON

Uma força sombria começa a corromper a relação, os corpos e as mentes do casal, colocando-os em rota de colisão. Com a tensão no ar já cortante e acalorada, o encontro com essa escuridão os afasta do que conheciam e imaginavam. Tim e Millie descobrirão que, (se) e para permanecerem juntos, vão precisar enfrentar um horror muito maior do que uma simples separação.

Assim como é quase impossível assistir Hereditário e não se sobrecarregar com o luto, ter a experiência de Corra! é ser apresentado a um retrato muito bem fundamentado sobre o racismo enraizado na sociedade. Seja no slasher ou no sobrenatural, nenhum longa está ali apenas para nos dar sustos. Nessa brincadeira, Juntos é uma bizarra narrativa sobre o amor e problemas conjugais.

Juntos e Shallow Now

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A introdução de Juntos nos antecipa o conceito desta história de maneira simples e direta, através de dois cachorros: ao ter contato com a água de uma caverna sombria, os animais acabam, eventualmente, fundidos de maneira horripilante. É uma abertura tão impactante quanto didática, mas reserva um dos trechos mais interessantes do estilo de body horror, o subgênero que Juntos tenta abraçar, proposto.

Logo, somos apresentados ao casal que passará por um verdadeiro inferno, além do próprio relacionamento instável, para manterem essa relação. Tim (Franco) e Millie (Brie) estão prontos para uma nova etapa em suas vidas e relacionamento com a mudança para uma cidadezinha suburbana, após a jovem conquistar um novo emprego.

Diamond Films / NEON

Aqui, já temos uma faísca desse namoro, que passa por um momento de fragilidade após uma tragédia abalar a vida do músico. Os amigos ao redor estão receosos com a mudança dos dois, e se Michael Shanks fez um abre assustador, aqui ele também dá outra dica: assim como vimos em O Segredo da Cabana, A Morte Te Dá Parabéns e até mesmo Freaky, o humor andará de mãos dadas com o terror nesta jornada.

Essa escolha é sempre bem-vinda quando pensamos que, em histórias cotidianas - considerando as devidas proporções -, os gêneros podem se misturar de maneira natural. Isso acontece na vida real, com o drama e a comédia sendo tão íntimos quanto o terror e o humor. Em Juntos, essa ideia ganha uma propulsão coesa, uma vez que o filme vai se entregando, aos pouquinhos, ao absurdo do plot.

Uma lenta e iminente DR

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É difícil não citar A Substância quando pensamos em Juntos. Os dois filmes utilizam o horror corporal para criar alegorias interessantes sobre os problemas que assolam a vida cotidiana das pessoas que estão fora das telas. Enquanto um tem o machismo etarista como condutor, o outro quer mostrar como a codependência tóxica pode chegar a rumos radicais.

Embora se venda como esse body horror absurdo, não espere algo como A Mosca, Titane ou Tusk. Ao longo da produção, é nítido como o diretor demora para soltar os cachorros do escracho. Assim que o casal entra em contato com essa água, que transmite ou libera essa força estranha, começamos a ver pequenos indícios de que a atração entre esses dois corpos começa a se tornar cada vez mais intensa.

Diamond Films / NEON

O que funciona muito bem é colocar esses personagens em rota de colisão - às vezes literalmente -, quando eles vivem um relacionamento instável que os afasta. É um meio deturpado para que ambos confrontem seus medos diante de um relacionamento em ruína e ainda falem o que realmente sentem (literalmente). Millie é uma pessoa confiante em seus desejos e objetivos. Já Tim é um garoto mimado de 30 e poucos anos que não consegue dar um passo sem os cuidados da parceira.

Quando essa maldição começa a ficar mais forte, temos algumas das cenas mais interessantes do projetos. Cito, em especial, os momentos em que os dois já não conseguem mais controlar esse magnetismo e, no meio da madrugada, começam a se aproximar violentamente em uma dança sombria. O trabalho corporal de Alison dá uma camada a mais do que muitos esperam do body horror, nos lembrando que o gore não é o único caminho (ainda que vê-la se contorcendo também não é lá muito agradável).

Juntos é um conto grotesco sobre relacionamentos modernos

Diamond Films / NEON

Parte do público que vai assistir ao filme provavelmente não sabe que os protagonistas são um casal fora das telas. O que é relativamente surpreendente, já que a química dos dois em tela não chega a ter a faísca de um relacionamento real, mas, se pensarmos na construção dos personagens, é uma representação perfeita de um relacionamento deturpado. Isso se torna crível quando eles representam ecos de casais que todo mundo conhece.

Nessa jornada grudenta e cada vez mais pegajosa, os protagonistas não lidam apenas com seus próprios problemas, mas também ainda encaram outro tipo de manifestação típica de filmes de terror. Algo que torna a história mais interessante, mas na execução não se traduz de forma tão efetiva, já que é uma solução às dúvidas sobre a entidade e como ela se desenvolve diante de uma parcela da sociedade.

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Ao fim, mesmo com certa timidez na entrega ao body horror, Juntos entra nos trilhos do absurdo em seu último ato - algo que poderia ter sido explorado de forma mais caótica ao longo de todo o filme. Alinhado ao sobrenatural, o filme apresenta uma metáfora sobre codependência, perda de identidade e subjugação do seu eu a favor do outro. É uma aula bem educativa (risos) sobre a importância de ser sincero e ter manutenções constantes em um relacionamento amoroso.

Pelo caminho da dor, o longa diverte quando solta o freio e consegue provocar o público, que pode se questionar: até que ponto uma relação vale à pena?

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