A Garota da Agulha
Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
A Garota da Agulha

Indicado ao Oscar 2025, A Garota da Agulha é um terror gótico sombrio e perturbador sobre os rastros de destruição pós-guerra

por Bruno Botelho dos Santos

Os horrores da guerra já foram muito explorados no cinema, em clássicos como Sem Novidade no Front, Vá e Veja, O Resgate do Soldado Ryan e Apocalypse Now, mas a destruição não fica apenas no campo de batalha. Os traumas permanecem impregnados e o período pós-guerra é historicamente marcado por uma forte crise social e econômica.

A Garota da Agulha (2024), coprodução da Dinamarca, Polônia e Suécia indicada como Melhor Filme Internacional no Oscar 2025, reflete sobre essas questões e conta a história de mulheres à margem da sociedade, levadas ao extremo na tentativa de sobreviver em um contexto de devastação e opressão – onde não há nenhum sinal de esperança.

Qual é a história de A Garota da Agulha?

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A Garota da Agulha se passa em Copenhague após a Primeira Guerra Mundial. A jovem Karoline (Vic Carmen Sonne) é uma operária que perde seu emprego por conta de uma gravidez indesejada após um caso com seu chefe. Com o desaparecimento de seu marido em combate e o relacionamento fracassado, ela se vê abandonada e sozinha, caindo numa situação miserável cada vez maior. Um dia, a garota encontra consolo e uma forma diferente de sobreviver com Dagmar (Trine Dyrholm), uma carismática mulher mais velha, diretora de uma agência de adoção clandestina. Karoline e Dagmar criam uma conexão e um vínculo intenso, mas seu mundo desaba quando ela descobre uma verdade chocante e se vê diante de um horror insuportável.

O filme dirigido por Magnus von Horn e escrito por ele mesmo ao lado de Line Langebek Knudsen foi inspirado na história real de Dagmar Overbye, uma assassina em série dinamarquesa que matou diversas crianças. Porém, eles nunca quiseram fazer uma cinebiografia sobre ela. “É moralmente duvidoso fazer isso. Eu senti fortemente que precisávamos de uma história com a qual pudéssemos nos conectar”, explicou o diretor ao The Hollywood Reporter. Desta forma, A Garota da Agulha conta a história de mulheres tentando sobreviver neste cenário opressivo, uma linha narrativa que acompanhamos pela jornada da protagonista interpretada por Vic Carmen Sonne.

“O mundo é um lugar horrível”: As mulheres e a opressão em uma sociedade devastada pela guerra

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A Garota da Agulha abre com uma sequência agonizante em preto e branco com diferentes rostos que vão se mesclando em uma montagem surrealista, que já passa a sensação de desespero que teremos ao longo das próximas 2 horas e 3 minutos. Logo conhecemos Karoline, uma operária de fábrica que vive (ou pelo menos tenta sobreviver) na miséria, nas ruínas de uma Dinamarca pós-guerra, com uma atuação intensa de Vic Carmen Sonne, que navega entre a fragilidade e a determinação.

Esse colapso é ainda mais cruel para certos grupos em relação a outros, e A Garota da Agulha mostra como essa sociedade patriarcal reserva ainda menos esperanças ou escolhas para as mulheres. A gravidez inesperada de Karoline representa uma tragédia ainda maior para a protagonista, que perde seu emprego e não tem a menor condição de cuidar de uma criança. O roteiro abre discussões, infelizmente ainda atuais, sobre opressão de gênero e direitos reprodutivos das mulheres.

O caminho de Karoline cruza com o de Dagmar após sua perigosa tentativa de aborto – e de onde surge o título do filme. Ela comanda uma agência de adoção clandestina, que acaba se tornando a única solução possível para muitas mulheres. Em determinado momento do filme, Dagmar diz que:

O mundo é um lugar horrível. Mas precisamos acreditar que ele não é

O mais interessante é como A Garota da Agulha não cai em julgamentos morais sobre as atitudes delas, apenas mostra como elas foram levadas a tomarem essas decisões (seja por qual motivo for) e não tiveram escolha neste contexto sociopolítico.

Um dos personagens mais interessantes sobre os efeitos da guerra acaba sendo Peter (Besir Zeciri), marido de Karoline, soldado que volta para casa com o rosto desfigurado e se encontra totalmente excluído socialmente – tratado como um monstro e uma figura de circo. Uma relação de como os veteranos são abandonados após seus serviços prestados.

A Garota da Agulha é uma experiência perturbadora de horror gótico

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Toda essa ambientação sombria e angustiante de A Garota da Agulha é apresentada por um trabalho de fotografia impressionante em preto e branco de Michal Dymek, que nos mergulha em um horror gótico com atmosfera opressiva, com toques de surrealismo. Essa escolha visual é muito influenciada pelo expressionismo alemão (que nos rendeu obras-primas do cinema como O Gabinete do Doutor Caligari e Nosferatu), assim como os filmes de Ingmar Bergman, como A Hora do Lobo, e Carl Theodor Dreyer, como O Vampiro.

Se você tem estômago fraco, esta definitivamente não é uma experiência de fácil digestão para todo mundo. Por mais que o filme de Magnus von Horn não tenha cenas de violência explícitas, existe uma construção crescente do drama e terror psicológico, que resulta em uma sensação constante de desconforto – resultado também da trilha sonora incômoda e inquietante de Frederikke Hoffmeier. A Garota da Agulha perturba a mente pelo terror real e sua espiral de tragédias.

O que resta nos escombros da guerra? Principalmente pela sua estética chamativa e imersiva, o filme caminha na linha tênue (e muitas vezes complexa e perigosa) entre a denúncia e o fetiche da miséria e sofrimento humano. Felizmente, o roteiro da produção acerta em cheio ao humanizar bastante a protagonista e suas personagens em meio a esse cenário desumano e, surpreendentemente, entrega um final esperançoso.

Vale a pena assistir A Garota da Agulha?

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A Garota da Agulha é um verdadeiro soco no estômago, um terror gótico sufocante sobre os rastros de destruição causados pela guerra, os excluídos pela sociedade e como as mulheres são oprimidas e têm sua liberdade roubada, lançadas à miséria e sem esperança. O diretor Magnus von Horn constrói um pesadelo visual sombrio e perturbador enquanto mergulha de cabeça na tragédia e nas ruínas psicológicas de sua protagonista. Garanto que este filme irá ficar na sua cabeça por um bom tempo!

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