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    A Viagem de Pedro
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Viagem de Pedro

    Quanto maior o poder, maior a queda

    por Aline Pereira

    A Família Real Portuguesa já foi tema de diversas produções brasileiras - entre longas-metragens, séries e novelas -, mas A Viagem de Pedro encontra seu próprio caminho e dá a Dom Pedro I uma trama original. Aqui, o foco da diretora Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças) é mergulhar na mente conturbada de um homem enfrentando uma infinidade de questões políticas, sociais e de saúde - mas ao contrário do que se possa pensar a princípio, não há nada de heroico nele. Pelo contrário, a missão é desmanchar o mito. 

    Em A Viagem de Pedro, acompanhamos Dom Pedro I a bordo da embarcação que o leva de volta a Portugal para nomear sua filha como rainha. A viagem acontece em situações complicadas: o imperador sai do Brasil odiado pela população, considerado um traidor pelos portugueses, atormentado pela morte da esposa, a imperatriz Leopoldina, e deixando para trás o filho, Dom Pedro II. A combinação explosiva entre todos estes elementos é o ingrediente principal do novo longa. 

    É neste contexto que acompanhamos Cauã Reymond em um de seus trabalhos mais marcantes até o momento: o ator, que aqui também assina a produção do filme, se sai bem como um nobre perturbado, que pende entre uma gigantesca vulnerabilidade emocional e a tirania - uma resultado da outra, muito possivelmente. “Dom Pedro era um liberal até a primeira vírgula. Quando ficava inseguro, virava um ditador”, disse Cauã em entrevista ao AdoroCinema durante o Festival de Cinema de Gramado 2022, onde A Viagem de Pedro ganhou sessão especial

    A Viagem de Pedro é um filme criativo nos pontos em que faltam dados históricos 

    Este período específico do retorno de Dom Pedro a Portugal é, até hoje, assunto de estudo entre pesquisadores e são pouquíssimas as informações históricas sobre o momento. É nesta falta de dados precisos que o longa encontra um bom espaço para brilhar: sem necessidade de se comprometer completamente com a “verdade”, há terreno de sobra para a imaginação dos roteiristas e para uma interpretação poética do que pode ter acontecido naquela fragata. 

    Para construir este ambiente, a diretora Laís Bodanzky apresenta uma visão cativante: a sensação de claustrofobia e a escuridão do barco ilustram bem o estado mental de Dom Pedro e os delírios do imperador, que vão dos pesadelos com a família aos rompantes violentos contra aqueles que estavam a bordo junto com ele. O que nos leva a mais um ponto crucial dessa história. 

    Filme tenta dar ,mais voz aos “coadjuvantes” da história 

    A tripulação da fragata é composta, em sua maioria, por pessoas escravizadas recém-libertas e as cenas em que aparecem conversando sobre suas culturas, sobre seu passado recente e sobre a visão que têm da nobreza estão entre as melhores partes do filme. A História registrou uma certa “proximidade” que Dom Pedro I mantinha com as pessoas que o serviam, mas o longa deixa claro que isso não significa, de forma alguma, que o imperador era empático ou compreensivo. O senso de desprezo e superioridade surgem em momentos que, como Cauã Reymond ressaltou, Pedro se sentia acuado.

    O mesmo acontece com as mulheres com quem Dom Pedro I se relacionou: Leopoldina e Domitila são figuras históricas conhecidas e a imagem delas têm uma “independência” que é manifestada no filme, embora a sensação é de que estes aspectos ainda permanecem em um nível mais superficial. 

    A Viagem de Pedro poderia ser um filme mais longo 

    A uma hora e meia de A Viagem de Pedro não parece ser suficiente para explorar as tramas que são pinceladas pela história e o tempo talvez seja o principal inimigo aqui. São muitos os temas propostos, mas em alguns momentos eles passam como uma “checklist” do que precisava ser dito, com pouco espaço para contextualizar sua importância. É como se o longa contasse com um conhecimento prévio do público que, suspeito, não é sólido o suficiente.

    Nesse sentido, fica mais difícil acompanhar o contexto político que levou Dom Pedro I ao limite de sua sanidade, bem como sua relação com os comandantes, que não demonstram temor ou respeito por ele. Essas colunas acabam diminuindo o senso de realidade da história, que poderia contribuir para uma imersão mais profunda de quem assiste. Não é um incômodo propriamente dito, mas provoca um sentimento de falta - daí a sensação de que o que faltou foi apenas um pouco de tempo para estender essas participações e não “resumir” suas histórias. 

    Um retrato afiado da masculinidade tóxica 

    O termo “masculinidade tóxica” não estava nem perto de surgir na época do reinado português, mas os comportamentos que a definem, certamente, sim. Dom Pedro I é um retrato claro disso: a falta de habilidade para lidar com as próprias emoções, o tornavam uma pessoa instável e muito dessa frustração acaba direcionada às mulheres com que ele convivia, frequentemente tratadas como objetos ou de satisfação sexual ou social, como provedoras de herdeiros para a família. 

    Ao AdoroCinema, a diretora Laís Bodanzky relembra outro fato importante: “Nunca foi comprovado que ele tinha sífilis, mas tinha todos os sintomas. Uma das características da doença é o delírio e ele estava impotente, coisa que, para ele, era inadmissível”, explicou. De fato, o longa conecta muito o poder político de Dom Pedro I à sua virilidade em decadência - o imperador buscava soluções com a medicina da época, mas nada parecia resolver sua impotência sexual. “Como vou governar assim?”, questiona o personagem. 

    Nesse sentido, A Viagem de Pedro faz um bom trabalho em explorar os campos mais íntimos da mente de seu protagonista sem transformá-lo em um herói - ao contrário, a história nos mostra que Dom Pedro I estava longe de ser uma figura para ser tão aclamada. O longa utiliza elementos de terror para nos mostrar as trevas que tomavam conta do imperador, não com o objetivo de redimi-lo, mas, sim, nos ajudar a entendê-lo. Filmes históricos têm um grande potencial como ferramenta para entendermos melhor o presente e como chegamos até aqui - e a fragilidade emocional é, sem dúvidas, um elemento que sempre esteve lá. 

     

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