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    Suprema
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Suprema

    A exceção que confirma a regra

    por Bruno Carmelo

    Para retratar um ícone da política norte-americana, a diretora Mimi Leder investe numa trajetória de ascensão. A diretora não se contenta em mostrar Ruth Bader Ginsburg como uma jurista importante que integra a Suprema Corte de seu país: ela precisa lembrar que a personagem sofreu as piores condições, atravessou adversidades até conseguir a maior das conquistas jurídicas e pessoais. Ou seja, Suprema é um filme que acentua as dificuldades e reforça as vitórias, de modo a explicitar o abismo entre ambos. Ginsburg não se torna uma figura com a qual todos poderiam se identificar: ela é descrita por sua excepcionalidade.

    Felicity Jones cumpre com desenvoltura o papel de “mulher íntegra confrontada a doenças na família”, que tem desempenhado em diversas produções (A Teoria de Tudo, Sete Minutos Depois da Meia-Noite). O roteiro critica o fato de ser baixinha, teimosa, insegura, sem experiência em tribunais apesar do amplo conhecimento jurídico. Ela sofre com o grave câncer do marido (Armie Hammer), mas assim que este se recupera, o filme não considera importante noticiar o fato – afinal, ele não produz nenhum impacto significativo no arco de Ruth. O principal obstáculo em seu caminho, no entanto, é o machismo, sublinhado da primeira à última cena.

    O drama carrega intenções nobres. Leder pretende relembrar que as mulheres lutaram – e ainda lutam – para conseguir as mesmas oportunidades dos homens no mercado de trabalho, dentro de casa, e na sociedade de modo geral. Ruth Bader Ginsburg se tornou símbolo da luta pela igualdade de gêneros ao processar o Estado norte-americano por suas leis discriminatórias, e o filme faz questão de usá-la como alvo de todos os preconceitos possíveis: sua persistência ocorre apesar de uma dezena de homens tentarem enviá-la de volta ao lar, de preferência à cozinha. O filme faz questão de lembrar que nem todos os homens constituem vilões asquerosos – vide a benevolência do marido – mas ainda reduz a importante personagem histórica à posição de vítima.

    Suprema pode ser questionado pelo olhar descritivo: basicamente, o projeto se limita a detectar o machismo e condená-lo. A trajetória da jurista é apresentada como um caso de superação do machismo, no qual todos terminam felizes e os Estados Unidos se mostram mais abertos às diferenças sociais. Leder e os produtores são incapazes de analisar este caso como a exceção que confirma a regra: apesar de tantas mulheres obstinadas como Ruth, apenas uma delas conquistou um feito de tamanha proporção dentro da administração do país. O discurso não se insere numa sociedade mais ampla, tampouco questiona as raízes da desigualdade. Ele prefere vender um conto de otimismo, uma fábula moral, privilegiando ensinamentos de valor a elementos de reflexão.

    Esteticamente, Leder aposta em alguns dos recursos mais óbvios para ilustrar a adversidade: a mulher de vestido caminhando num mar de homens de terno; música edificante em 80% das cenas; uma montagem elíptica em estilo Rocky, um Lutador quando ela se prepara para o tribunal; o clímax reservado à arguição em defesa da igualdade de gêneros. Chega a ser cômica a maneira como Ruth evolui de uma garota atrapalhada (ela deixa os papéis caírem, gagueja, bate o braço no microfone) a uma máquina de eloquência e persuasão na reta final do discurso. “Yes, we can!” parece dizer alegremente a cineasta em sua demonstração, sem no entanto explicar de que maneira as mulheres poderiam seguir o exemplo tão raro de Ruth Bader Ginsburg. Mesmo assim, Leder conquista o objetivo de transformar o caso pouco atraente sobre direito fiscal num feel good movie familiar, de vocação inspiradora.

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