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    Amor, Sublime Amor
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Amor, Sublime Amor

    Como Steven Spielberg salvou um clássico do esquecimento

    por Aline Pereira

    Duas vezes vencedor do Oscar de Melhor Direção, Steven Spielberg tem tudo para caminhar em direção a seu terceiro troféu com o remake de Amor, Sublime Amor. Ao resgatar um dos filmes mais premiados da história do cinema, o cineasta tinha muitos pratos para equilibrar: do direcionamento de um elenco novato à correção de erros terríveis na representação de pessoas não-brancas na ficção. Acertou. E ainda trouxe Rita Moreno, a Anita da versão original, como a cereja do bolo.

    Adaptado do musical de 1961, Amor, Sublime Amor se inspira no romance de Romeu e Julieta para contar a história de amor entre Maria (Rachel Zegler), uma jovem descendente de imigrantes porto-riquenhos, e Tony (Ansel Elgort), ex-gângster da região que está tentando se afastar da violência das ruas. A história, ambientada na Nova York dos final dos anos 50, é trágica porque eles estão em lados rivais: Maria é irmã do líder de Sharks, gangue formada por outros membros da comunidade latina, enquanto Tony vem dos Jets, o bando dos garotos brancos que, claro, odeiam os “estrangeiros”. Daí, não é difícil imaginar que a aproximação do casal vai colocar ainda mais lenha nessa disputa.

    Antes pudéssemos dizer que o conflito central do longa ficou desatualizado de 1961 para cá, mas a conexão com a realidade vai direto ao ponto no preconceito racial e cultural contra imigrantes e seus descendentes. Os Jets veem com desprezo todos os costumes da comunidade latina da área, do sotaque às roupas, não os enxergam como verdadeiros cidadãos do país e vandalizam suas ruas, enquanto os Sharks - jovens que foram aos EUA em busca de melhores condições de vida - também se armam e alimentam o ódio contra os rivais. Uma guerra que termina em um banho de sangue dos dois lados.

    Amor, Sublime Amor precisava ganhar remake?

    Quando o assunto é adaptação, a sensação de que o filme não tem muita razão de existir está sempre à espreita. Não é o caso de Amor, Sublime Amor, executado com tanta minúcia que fica claro que Steven Spielberg e o roteirista Tony Kushner sabiam exatamente com o que estavam lidando. Apesar de a versão de 1961 ter ganhado 10 Oscar, ela claramente não cabe mais nos dias de hoje - o erro crasso está na maquiagem escura que atores brancos usaram para imitar versões caricaturadas de pessoas latinas.

    A iniciativa para consertar o erro foi, claro, a escalação de atores de ascendência latina para interpretar os porto-riquenhos. Spielberg também tomou a decisão de não legendar os trechos de conversas em espanhol entre os personagens, sem dúvidas um aceno para a comunidade. Nesse sentido, o remake é um triunfo ao consertar a obra original, resgatando, para uma nova geração, a genialidade do compositor Stephen Sondheim, criador das letras das músicas do filme, que morreu aos 91 anos, dias antes da estreia da nova versão.

    Amor à primeira vista já não é um tema muito atraente

    A história de Amor, Sublime Amor acontece em um período de tempo muito curto, e o casal se apaixona imediatamente após o primeiro contato. Uma fórmula simplista, difícil de convencer e que já quase não é utilizada na ficção - ao menos, não no clássico estilo das “juras de amor eterno” como no musical. Quem se prender a isso vai achar o filme cansativo: afinal, são mais de duas horas e meia de um romance que não gera muita simpatia e nem torcida.

    A solução aqui foi apostar mais no casal separadamente: os novos Tony e Maria ganham mais profundidade em seus desejos e sentimentos individuais, tornando o amor à primeira vista uma parte de sua história que é importante, mas não é a única. Os dois personagens, sozinhos, vivem dramas com os quais é muito mais fácil se identificar: Maria detesta estar constantemente vigiada pelo irmão controlador e tem um desejo profundo de criar uma boa vida por conta própria, reconhecendo as próprias vontades e almejando, acima de tudo, liberdade.

    Do outro lado, Tony luta para escapar de um passado marcado pela violência: traumatizado por ter sido preso após quase matar um de seus rivais, o jovem continua lutando contra a pressão de seus ex-companheiros, que o querem de volta a todo custo. Tony quer uma segunda chance, quer provar que evoluiu. Assim, quando ele e Maria começam a se organizar para fugir juntos, queremos que tudo dê certo - nem tanto pelo romance rápido demais, mas porque suas vontades são legítimas. E os dois são muito carismáticos. O que nos leva ao próximo ponto.

    Elenco da nova versão de Amor, Sublime Amor foi escolhido a dedo

    Spielberg também tinha nas mãos a responsabilidade de substituir um elenco multi-talentoso, já que personagens principais precisam dominar tudo - atuação, canto e dança. Ansel Elgort, de Em Ritmo de Fuga e A Culpa é das Estrelas, traz o ar de galã adolescente atormentado pelo passado, mas é Rachel Zegler quem rouba todas as cenas como Maria. É difícil acreditar que este tenha sido o primeiro trabalho dela no cinema porque a atriz une com perfeição a angústia, intensidade e esperança que marcam sua personagem, inclusive na interpretação das músicas. Já estamos ansiosos para ver como ela vai se sair no papel de Branca de Neve

    Anita, a antiga personagem de Rita Moreno, ficou com a atriz de Hamilton Ariana DeBose que, não só traz o carisma ousado oposto ao ar angelical de Maria, mas também encanta na química com o ator David Alvarez, que interpreta o namorado dela, Bernardo, líder dos Sharks. Um dos pontos altos do filme traz os dois nos principais trechos de “America”, música que fala sobre os prós e contras de viver nos Estados Unidos. “A vida é boa na América”, canta Anita. “Se você é branco na América”, rebate Bernardo.

    Vale a pena assistir Amor, Sublime Amor?

    Nos últimos anos, não foram muitos os filmes musicais que tiveram apelo um pouco maior com o público - o exemplo mais recente é em Em um Bairro de Nova York, de Lin-Manuel Miranda -, mas talvez seja justamente este o motivo para dar uma chance a Amor, Sublime Amor. Steven Spielberg mostra o talento que todos já conhecem para nos fazer entrar no universo que está sendo apresentado, com uma história que vai da tensão à fantasia, do drama à comédia, rápida e naturalmente.

    Essa grande montagem e direção só faz ressaltar o talento humano que verdadeiramente sustenta a história: das letras geniais às vozes e movimentos hipnotizantes dos atores. Com uma combinação certa (como esta, sem dúvida nenhuma!), histórias de Romeus e Julietas sempre podem continuar tendo seu charme.

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