Dirigido por Dennis Gansel, A Onda é um filme que transcende a mera adaptação literária, transformando-se em um perturbador espelho das fragilidades democráticas. Baseado no experimento real de Ron Jones, o longa explora como um professor alemão, Rainer Wenger (Jürgen Vogel), conduz uma turma de estudantes a recriar os mecanismos de um regime autocrático. O resultado é uma narrativa tensa e reflexiva, que questiona a imunidade das sociedades modernas ao fascismo. Esta resenha analisa os elementos-chave do filme, desde sua construção narrativa até seu impacto social, destacando suas virtudes e contradições.
O enredo de A Onda estrutura-se como uma tragédia moderna, onde a didática pedagógica se converte em um jogo perigoso. A premissa — um professor que simula um regime autocrático para ensinar sobre seus perigos — é ironicamente subvertida quando o experimento escapa ao controle. A progressão do plot é meticulosa: pequenos gestos de disciplina (como exigir que os alunos se levantem para falar) evoluem para símbolos de poder (saudações, uniformes) e, finalmente, para a violência coletiva. A tensão cresce de forma orgânica, refletindo a sedução do autoritarismo para jovens ávidos por pertencimento.
No entanto, a trama peca por acelerar a transformação dos personagens, especialmente Marco (Max Riemelt), cuja agressividade surge abruptamente após conflitos com Karo (Jennifer Ulrich). Ainda assim, a escalada narrativa é eficaz ao ilustrar como a busca por identidade e ordem pode degenerar em fanatismo, culminando no trágico desfecho de Tim (Frederick Lau), cujo desespero simboliza o vazio deixado pela desilusão ideológica.
Jürgen Vogel brilha como Rainer Wenger, equilibrando carisma e arrogância. Sua transformação de professor descontraído em líder messiânico é gradual e convincente, especialmente em cenas como o discurso no auditório, onde seu tom paternalista revela uma ambiguidade moral. Entre os alunos, Frederick Lau rouba a cena como Tim: sua interpretação vulnerável e obsessiva humaniza o personagem, tornando sua tragédia pessoal a mais comovente do filme. Jennifer Ulrich, como Karo, personifica a resistência ética, embora seu arcabouço emocional pareça às vezes rígido, limitado pela escrita que a reduz a "a voz da razão".
O elenco coletivo, porém, falha em aprofundar personagens secundários, como Lisa (Christiane Paul), cuja motivação para aderir à Onda permanece superficial. Essa superficialidade, contudo, pode ser interpretada como uma metáfora da massificação — os indivíduos diluem-se no grupo, perdendo singularidade.
O roteiro de Gansel e Peter Thorwarth é ambicioso ao discutir temas complexos como conformidade e poder. Os diálogos iniciais, que estabelecem o ceticismo dos alunos ("O nazismo nunca voltaria aqui!"), são eficazes em criar ironia dramática. A estrutura em atos — da formação da Onda à sua dissolução — segue uma lógica clássica, mas a força do texto está em suas nuances psicológicas. Por exemplo, a cena em que Tim queima suas roupas é uma metáfora visual potente de renúncia à individualidade.
Contudo, o roteiro oscila entre o subtil e o didático. Certos momentos, como a discussão entre Rainer e Anke (Christiane Paul), sua esposa, soam expositivos, como se o filme desconfiasse da capacidade do espectador de captar subtextos. Além disso, a representação dos "inimigos" (a turma da anarquia) é simplista, reduzindo o conflito ideológico a uma rivalidade de gangues.
A direção de fotografia de Torsten Breuer merece destaque pela forma como traduz visualmente a evolução da Onda. No início, as cores são naturais e as cenas em sala de aula têm composições caóticas, refletindo a liberdade individual. À medida que o movimento se fortalece, o visual torna-se mais uniforme: planos simétricos, tons de branco e azul dominam, e closes nos rostos dos alunos destacam sua homogeneização.
Cenas-chave, como o tumulto no jogo de polo aquático, são filmadas com uma câmera dinâmica, transmitindo o caos daquela ruptura. Já o clímax no auditório utiliza iluminação contrastante (luzes frias contra sombras) para enfatizar a dualidade entre o líder e a massa. A escolha de enquadrar Tim isolado em vários planos reforça sua solidão existencial, preparando o terreno para seu trágico desfecho.
A trilha sonora, composta por Heiko Maile, mescla eletrônica industrial com elementos punk, ecoando a contradição entre rebeldia e controle. As guitarras distorcidas associadas a Rainer (que ouve punk) simbolizam sua identidade anticonvencional, enquanto batidas rítmicas marcam a ascensão da Onda, evocando marchas militares.
No entanto, a música por vezes é sobreutilizada, como na cena do suicídio de Tim, onde o silêncio poderia ter sido mais impactante. Ainda assim, a trilha cumpre seu papel ao sublinhar a atmosfera de tensão crescente, principalmente nas cenas de confronto entre os grupos.
O desfecho é o ponto alto do filme, sintetizando suas temáticas de forma visceral. A reunião final no auditório, onde Rainer desmascara a manipulação, é uma crítica mordaz à cumplicidade da audiência: os alunos, antes entusiasmados, percebem-se cúmplices de um sistema opressor. A morte de Tim, no entanto, é o golpe mais contundente — sua arma, símbolo de uma falsa proteção, vira instrumento de autodestruição.
A escolha de incluir um suicídio (inexistente no experimento real) é controversa: enquanto alguns podem vê-la como melodramática, ela serve para chocar o espectador, lembrando que o autoritarismo não é um jogo intelectual, mas uma força destrutiva. A imagem final de Rainer algemado questiona onde reside a culpa: no indivíduo que inicia o experimento ou na sociedade que o permite.
A Onda é um filme necessário, mas não imune a críticas. Como estudo sobre a psicologia de massas, é brilhante: mostra como a necessidade de pertencimento, a disciplina e o medo do "outro" podem ressignificar valores éticos. Sua relevância é inegável em tempos de polarização política e ascensão de líderes populistas.
Por outro lado, o filme simplifica questões complexas. A velocidade com que os alunos aderem à Onda pode parecer implausível, e a representação maniqueísta de "bons" (Karo) versus "maus" (a Onda) reduz nuances. Ainda assim, essas escolhas são justificáveis no contexto de um thriller que prioriza o impacto emocional sobre a análise sociológica profunda.
A Onda não é apenas um filme sobre o passado; é um alerta para o presente. Ao retratar a facilidade com que jovens supostamente esclarecidos reproduzem comportamentos autoritários, Gansel nos confronta com uma pergunta incômoda: estamos realmente imunes ao fascismo? A força do filme reside em sua capacidade de transformar uma aula de história em um espelho distorcido — e assustadoramente familiar — da condição humana. Imperfeito, mas indispensável, A Onda permanece como um dos mais relevantes filmes europeus do século XXI.