Pânico, filme tão dotado de referências e de uma autoconsciência perante as "regras" narrativas do cinema de gênero, é uma daquelas obras na qual a revisão nos permite observar aspectos mais sutis articulados por Wes Craven.
O que me chamou atenção nessa revisão foi o modo como Craven conseguiu abordar um espírito da época dos anos 90, de adolescentes que cresceram na era do vídeo e dos slashers, tornando-se, assim, pouco sensíveis à violência explícita.
Mas o diretor consegue ir muito além dessa ideia que, aos olhos contemporâneos, pode parecer óbvia, ou até mesmo moralista. Existe no filme uma prevalência da imagem como um todo. A imagem de vídeo, a imagem de fácil acesso num televisor, e como essa revolução midiática moldou a atitude das pessoas. Não há, somente, um gosto pelos assassinatos violentos que se vê em vídeo nos filmes, mas também uma conexão íntima disso com o fascínio pelas repercussões, especialmente na figura dos programas sensacionalistas atrelados à isso.
PÂNICO, O HOMEM E A IMAGEM
A história da arte nos relata muito bem a perpétua relação do homem com a imagem. Desde o período paleolítico, o homem das cavernas se utilizava da imagem, naquilo que ficou conhecido como "magia propiciatória", de modo a atrair para si o animal desejado através da caça. Com o passar dos milênios, e a progressiva sofisticação das artes visuais, outros aspectos da existência humana foram abordados através da construção imagética.
Independentemente do meio utilizado, a imagem sempre serviu ao homem e suas diferentes intenções. Pode-se afirmar que uma grande obra de arte é aquela que gratifica nossa inteligência e sensibilidade artística. Visualizamos uma pintura, uma escultura num museu, buscando uma espécie de gratificação estética.
Contudo, o surgimento da sétima arte e, sobretudo, a sua progressiva portabilidade, simbolizada especialmente pelo advento do vídeo como possibilitador de criações caseiras e, nos tempos atuais, do digital presente na palma da mão de um usuário/criador, configura-se como perturbadora dessa relação histórica entre homem e imagem. A imagem deixa de nos servir, para que nós passemos a servi-la.
Pânico aborda isso de modo muito significativo. Quando, no último ato, Craven alterna planos do personagem cinéfilo conversando com o filme de terror na televisão, com o mesmo ato sendo replicado pelos personagens dentro da van, fica muito evidente como o filme aborda uma mistura entre ficção e realidade, causada pela tirania que a imagem exerce nas pessoas. É muito sintomático o fato de Sidney gritar por socorro na janela e isso ter nenhum resultado, pois tanto dentro da casa quanto na van os personagens estão muito ocupados com o que se passa em tela.
É como se, na possibilidade de registro e visualização quase instantâneos que o home-video apresenta, o que foge dos limites da tela perdesse a importância, e as fronteiras entre o real e o virtual fossem eliminadas, em favorecimento à inação completa perante a tirania da imagem. Se isso fica muito evidente em Pânico e no espírito da época do filme, não está menos presente na vida contemporânea. Diariamente, somos bombardeados pelos mais variados registros amadores feitos por câmeras de smartphone. É a ação violenta do policial, a briga de trânsito, o linchamento, o grito por socorro perante uma ação abusiva. Para que a imagem que vemos seja possível, é necessário um humano em posição passiva de registrador do que se sucede. Sua submissão ao registro, à imagem produzida em tela, parece eliminar sua possibilidade de intervenção real. O homem nos tempos de imagem portátil torna-se voyeur da tragédia evitável.
Sidney, personagem de notável e progressiva força ao longo do filme, é essencialmente a única do núcleo principal que não possui uma cena de submissão à imagem. Não por acaso, sua relação com a violência real é a mais efetiva nos desdobramentos da trama.
Funcionando de modo totalmente oposto a isso, os assassinos morrem pelas suas completas subordinações à tela. Billy, no meio de uma perseguição, é curiosamente distraído por Halloween na televisão, e com isso é surpreendido por Sidney. O desfecho de Stu é ainda mais frontal com relação à isso, morrendo literalmente através da televisão.
Com isso, filme de Craven é verdadeiramente um marco no cinema de gênero. Não somente pela abordagem autoconsciente que propõe, e que seria exaustivamente replicada em outras obras até os tempos atuais, mas também por abordar aspectos emergentes da relação humana com os novos dispositivos de imagem. Algo que também é explorado até hoje em diferentes aspectos, seja no desktop horror ou nas distopias de Black Mirror, mas é na mãos de Wes Craven que, de fato, assume um caráter de obra-prima atemporal.