Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
As Trapaceiras

Reflexos do #MeToo

por Francisco Russo

Desde a eclosão do movimento #MeToo percebe-se um certo esforço de Hollywood na produção de filmes protagonizados por mulheres, seja em gêneros até então pouco usuais (Mulher-Maravilha, Ma, Ghost in the Shell) ou mesmo em histórias de afirmação feminina (As Sufragistas, Suprema, Estrelas Além do Tempo). As Trapaceiras segue esta mesma linha, agora na comédia, em uma hábil inversão de gênero decorrente do divertido Os Safados, lançado lá nos anos 1980 e estrelado pela dupla Michael Caine e Steve Martin. Se na superfície este filme pode ser encarado como uma conquista de espaço, em suas entranhas reafirma toda a problemática de gênero existente na atual Hollywood.

Para tanto, basta observar quem está por trás do longa-metragem. Por mais que seja estrelado por duas atrizes conhecidas, Anne Hathaway e Rebel Wilson, e traga uma ótica psicológica/vingativa em relação aos homens, é curioso constatar que, detrás das câmeras, são eles que mandam: Chris Addison é o diretor e, dos quatro roteiristas, não há uma única mulher. Tal situação não é propriamente nova em Hollywood, como demonstram os recentes 8 Mulheres e um Segredo e Caça-Fantasmas, no sentido de que, mesmo em filmes de temática feminina, elas raramente têm a chance de assumir o controle criativo. Esta, no fim das contas, é a grande batalha da atual Hollywood.

Questões sociopolíticas a parte, é importante ressaltar que, se a adaptação desta refilmagem tem seus bons momentos, o filme como um todo sofre um bocado com o equívoco de elenco representado por Rebel Wilson. Por mais que haja a intenção em criar diferenças escancaradas entre as rivais, há uma certa mão pesada - do roteiro e da atriz - no sentido de tornar Peggy tão bagaceira (e apelativa) ao ponto de se tornar inverossímil, dentro desta história. Por mais que explore (de novo) o humor físico, Rebel não consegue escapar de suas já conhecidas caras e bocas, que a tornam mais caricatura que personagem.

Diante disto, nada mais resta a Anne Hathaway senão seguir o mesmo tom exagerado, mas em outro sentido. Pode-se perceber o quanto a atriz se diverte ao encenar as diferentes facetas de sua Josephine, exercitando sotaques e traquejos que a enriquecem bastante, dentro desta farsa construída para enganar milionários incautos. As Trapaceiras, no fim das contas, vive de tais diferenças: elegância versus desleixo, sutileza e exagero, postura e desalinho. Até mesmo fisicamente a intenção é confrontar as atrizes, algo que não acontecia na versão original.

Com isso, é curioso notar que apenas na segunda metade, quando as atrizes assumem de fato o posto de rivais, o filme encontra um caminho. Não por acaso, é também quando Rebel fica menos apelativa em nome de um melhor desenvolvimento da narrativa, agora com ambas duelando pelo ricaço da vez. Isto embriagado pelo requinte europeu, tão bem representado pela paradisíaca Riviera Francesa, que se reflete tanto na fotografia quanto nos figurinos.

Inofensivo, As Trapaceiras é uma diversão rasteira que até entretém ao longo de sua duração, mas logo será esquecido ao término da sessão. Se vale conferir as variações de Anne Hathaway, é preciso também uma boa dose de paciência com os exageros de Rebel Wilson.