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    Opinião: Por que o Oscar continua só indicando homens se o número de diretoras com filmes de maior bilheteria cresceu em 2019?

    Apesar de as mulheres representarem 10% dos 100 maiores filmes do ano, nada muda no cenário da grande premiação de Hollywood.

    Apesar de ainda ser um pouco discreto, é de se comemorar que, dentre os cem filmes de maior bilheteria lançados em 2019, doze deles foram dirigidos por mulheres. Mas a alegria dura pouco quando lembramos de outro fato importante: estamos em 2020 e, em mais de 92 anos de cerimônia do Oscar – a mais importante (ou a mais conhecida?) premiação do cinema –, apenas cinco mulheres foram indicadas na categoria de Melhor Direção.

    É um número assustador. A falta de inclusão é real e tal cenário só ressalta a evidente falta de interesse dos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em "quebrar a roda" – que, a propósito, ainda é majoritariamente composta por homens brancos e norte-americanos. Um estudo comandado pela Dra. Stacy L. Smith, intitulado "Inclusion in the Director’s Chair: Analysis of Director Gender & Race/Ethnicity Across 1,300 Top Films from 2007 to 2019", se propôs a analisar a evolução da presença das cineastas no mercado cinematográfico e o progresso que ainda precisa ser feito para que a igualdade seja alcançada.

    No estudo, Smith destaca que os 10,6% de presença feminina no ranking de 100 filmes mais bem sucedidos do ano passado são de fato um avanço, pois esta é a porcentagem mais alta alcançada desde 2007, ano em que a análise começou. Para se ter noção de que 10,6% é, sim, um número alto, em 2018 apenas 4,5% diretoras estavam presentes na lista. Os passos são lentos, mas estão acontecendo.

    No entanto, é preciso compreender que a presença de mais diretoras no mercado (especialmente em Hollywood, o cerne do que vemos no Oscar) depende do número de indicações nas grandes premiações do cinema. É através delas que qualquer diretor(a) ganha mais prestígio e atenção, ainda que somente com uma indicação e não uma vitória. Por isso, é necessário falar sobre a ausência gritante de diretoras vencendo Oscars, Critics' Choice Awards, Globos de Ouro e etc.

    Kathryn Bigelow fez história no Oscar ao ser a primeira (e até agora, única) mulher a vencer na categoria de direção por Guerra ao TerrorSofia Coppola foi a segunda mulher a vencer em Cannes pela melhor direção em 70 anos de festival com o filme O Estranho que nós Amamos, e Greta Gerwig, com Lady Bird, foi a quinta diretora a ser indicada ao Oscar em 2018. Contudo, em 2020, o nome de Gerwig reapareceu destacando algo negativo: mesmo com a indicação de Adoráveis Mulheres a Melhor Filme e mais cinco categorias, a cineasta ficou de fora da lista final na categoria de Direção. Este ano, o Oscar apenas indicou homens - ainda que seja importante destacar que o coreano Bong Joon-Ho teve seu trabalho reconhecido por Parasita.

    Mas, por mais incômodo que seja ver Gerwig fora da categoria de Melhor Direção no Oscar, é imprescindível frisar que há muitas diretoras por aí exercendo a profissão com a mesma dedicação de Sam MendesMartin Scorsese e Quentin Tarantino. É preciso reconhecer os trabalhos de Lulu Wang e seu elogiado The FarewellKasi Lemmons com Harriet (indicado a duas categorias nesta edição, incluindo Melhor Atriz para Cynthia Erivo), Céline Sciamma e o belo Retrato de uma Jovem em ChamasAlma Har'el com Honey Boy e, é claro, Olivia Wilde (Fora de Série) e Lorene Scafaria (As Golpistas).

    Não é como se não existissem inúmeras diretoras mais do que preparadas para serem indicadas ao Oscar. Elas estão aqui, espalhadas pelo mundo, sendo reconhecidas em festivais e premiações. É triste admitir que boa parte da notabilidade de uma diretora seja proveniente do Oscar e da boa vontade dos votantes em olhar para fora da caixa, mas tal conjuntura ainda vai demorar para mudar.

    Para seguir no caminho correto, os estúdios devem tomar o primeiro passo. O estudo de Smith ressalta que a Universal Pictures foi a principal responsável pelo aumento do número de diretoras em 2019: das doze cineastas, cinco dirigiram filmes para a empresa. Como vocês podem perceber, esta é uma via de duas, três, quatro mãos: é um verdadeiro trabalho em equipe que, se bem alinhado, fará a diferença para as jovens aspirantes a cineastas que querem garantir seu espaço no mercado como qualquer profissional.

    Mas ainda há bastante estrada pela frente, uma vez que o documento também aponta que, entre as mulheres, existe uma desigualdade racial evidente e preocupante. Em 2019, quatro das doze diretoras são negras, mas, entre 2007 e os dias atuais, apenas treze mulheres dirigiram os filmes de maior bilheteria. Isso mesmo, treze.

    Diante destes números e fatos, é fundamental ficarmos de olhos abertos ao que está acontecendo na indústria cinematográfica e observarmos os filmes que ficam de fora simplesmente por não serem comandados por homens, por mais elogiados que sejam. Há uma razão para isso, e ela está ligada à rejeição de novas ideias e ações. Com cada vez mais membros votantes, a Academia há de querer sair do óbvio e notar que um bom trabalho independe do gênero, da cor ou da faixa etária do indivíduo. Ao menos é isso o que podemos fazer: esperar pela igualdade ser alcançada.

    *Dentre os doze filmes dirigidos por mulheres que se encontram na lista de 100 longas citados, estão: Frozen II, Capitã Marvel, Harriet, As Golpistas, Fora de Série e Adoráveis Mulheres.

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