Amanhã, dia 27 de agosto, será divulgado o filme que representará o Brasil na disputa pelo Oscar de melhor filme internacional em 2020.
A comissão formada por Anna Muylaert, David Schurmann, Walter Carvalho, Zelito Viana, Sara Silveira, Vânia Catani, Ilda Santiago, Mikael de Albuquerque e Amir Labaki elegerá o candidato nacional entre os seguintes filmes:
Bacurau (Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles)
A Vida Invisível (Karim Aïnouz)
Los Silencios (Beatriz Seigner)
A Última Abolição (Alice Gomes)
A Voz do Silêncio (André Ristum)
Bio - Construindo uma Vida (Carlos Gerbase)
Humberto Mauro (André Di Mauro)
Espero tua (Re)volta (Eliza Capai)
Apesar da diversidade de filmes, dois candidatos despontam como favoritos absolutos: Bacurau e A Vida Invisível. O primeiro venceu o Prêmio do Júri no último Festival de Cannes, conquistando uma repercussão bastante positiva no mercado internacional. A crônica de um Nordeste atacado por forças estrangeiras, e precisando se unir para combater o inimigo foi lido por muitos como uma metáfora política do Brasil atual, o que torna a obra ainda mais relevante.
Além disso, a narrativa ousada (misturando drama, terror e ficção científica; combinando produção refinada com os prazeres do cinema B) faz com que a obra se destaque entre os demais candidatos. Talvez Bacurau não seja o filme mais acessível entre os concorrentes, porém os votantes para a categoria de filme internacional (antigo "filme estrangeiro") têm adotado uma linha muito mais autoral e arriscada do que a premiação de filmes norte-americanos, como atesta a vitória recente de Ida e Filho de Saul, além da seleção de Assunto de Família e Sem Amor, por exemplo. Nos últimos anos, os países têm privilegiado seus maiores vencedores nos festivais de Cannes, Berlim e Veneza, caso em que Bacurau seria uma ótima aposta.
A não ser que a comissão prefira A Vida Invisível, que também se saiu muitíssimo bem em Cannes, vencendo a prestigiosa mostra Um Certo Olhar. O drama brasileiro, descrito como um "melodrama tropical", favorece uma identificação mais universal, por lidar com os temas da emancipação feminina, o amor familiar e o peso dos segredos. A riqueza formal e estética é excepcional, sem falar nas atuações comoventes (durante a sessão em Cannes, ouvia-se choros por todos os lados). A presença de Fernanda Montenegro, uma das atrizes brasileiras mais conhecidas internacionalmente desde Central do Brasil, também ajudaria.
Outro aspecto que pende a favor de A Vida Invisível é o lançamento nos Estados Unidos via Amazon Prime, e a produção de Rodrigo Teixeira, um dos brasileiros com experiência na premiação após o trabalho em Me Chame Pelo Seu Nome. O apoio da Amazon pode ser essencial para o Brasil ter uma campanha ampla para o Oscar. (Nem todo mundo sabe, mas o filme escolhido precisa efetuar uma verdadeira campanha por todos os Estados norte-americanos para exibir a obra e encontrar os votantes, o que resulta num empreendimento longo e caro).
Com tamanhos atributos, fica difícil escolher entre eles. Tanto Bacurau quanto A Vida Invisível seriam excelentes candidatos, não apenas pelas chances de premiação, mas por representarem o que o cinema nacional tem produzido de melhor. Trata-se de duas obras nordestinas ricas na representação do Brasil de hoje, executadas por alguns dos nossos melhores autores.
Quanto aos outros filmes, os azarões talvez pudessem ser Los Silencios ou Sócrates. O primeiro, também ovacionado no Festival de Cannes, obteve ótimas reações em outros países, e representa as comunidades indígenas brasileiras com respeito e atenção. Sócrates foi premiado no Independent Spirit Awards, uma das principais janelas para o cinema independente nos Estados Unidos, além de receber uma indicação a melhor ator para Christian Malheiros.
Seria difícil esperar chances reais de qualquer outro concorrente - o que não significa que não sejam obras de qualidade, é claro. Infelizmente, na sede pela candidatura, Humberto Mauro tem promovido uma campanha nas redes sociais no mínimo questionável, atacando os outros filmes para se apresentar como única alternativa possível. A estratégia soa contraproducente: este é um momento de união, e não de colocar os realizadores do audiovisual brasileiro uns contra os outros.
Por este posicionamento, o documentário demonstra não possuir a envergadura nem a grandeza necessárias para representar a cinematografia do país. Enquanto isso, as equipes de Bacurau e de A Vida Invisível têm demonstrado profundo respeito uma pela outra. Qualquer que seja o resultado, tanto da comissão brasileira quanto dos votantes do Oscar, o cinema nacional sairá de cabeça erguida.