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    SXSW 2019: "Amazônia é a assistente de direção do filme", diz diretor de documentário brasileiro que vem encantando os gringos (Entrevista Exclusiva)

    Com direção de Bruno Murtinho, Amazônia Groove explora a mistura entre espiritualidade, cultura e natureza presentes nos ritmos musicais da faixa entre Belém e Manaus.

    Quanta música, cultura e ancestralidade cabem num só rio? Com essa pergunta, Bruno Murtinho abre o documentário Amazônia Groove, que explora as origens dos ritmos musicais da região em torno do rio Amazonas. Selecionado pelo SXSW 2019, o longa tinha a intenção de ser uma "poesia visual" que exemplificasse a interesecção entre natureza, fé e gêneros que vão do carimbó ao tecnobrega.

    Aclamado no Festival do Rio, o documentário agora acumula mais críticas positivas no evento no Texas e já tem estreia prevista para junho em salas de cinema do Brasil. Segundo o produtor Leonardo Edde (Tropa de Elite 2, O Filme da Minha Vida), o longa está em negociações para estrear comercialmente também nos Estados Unidos e plataformas de streaming como a Netflix conversam com a distribuidora para exibição no futuro; ainda sem nada confirmado. 

    O filme integra a seleção 24 Beats Per Second do festival, focada em não-ficções com a temática musical, e traz ótimos e variados personagens contando (e cantando) suas histórias em meio a um incrível visual. Entre eles estão Gina Lobrista, Dona Onete, Manoel Cordeiro, Sebastião Tapajós e Waldo Squash, fundador da Gang do Eletro. É o DJ, aliás, que lança a expressão "groove da Amazônia" durante o filme.

    O diretor Bruno Murtinho conversou com exclusividade com o AdoroCinema; confira!

    Reprodução

    Bruno, você propõe o rio Amazonas como uma espécie de fio condutor para tudo o que vem pela frente no documentário, que começa com um plano longo muito bonito de um círio. Como e o quanto isso foi planejado?

    Para mim, o conceito do filme é a natureza, apresentada pelo rio e pela floresta, a fé, no sentido da espiritualidade, e a musicalidade, no sentido das canções. Aí descobrimos que tinha esse círio na água e a gente falou assim: “Olha, vamos refazer esse círio, mas refazer com as pessoas que fazem esse círio”. Foi feito para o documentário, mas para aquela santa sair da igreja a gente teve que assumir um compromisso espiritual com o padre e com as senhoras que cuidam da santa. Me incomodava um pouco o fato de a gente ter que recriar uma coisa tão espiritual, mas tudo o que aconteceu ali foi de verdade, um ritual feito para a gente, mas completamente de verdade.

    Como foi equilibrar a quantidade de intervenção versus os depoimentos? A gente vê que você coloca seus personagens em diversas situações esteticamente belas e também faz alguns "clipes" ao longo do filme.

    Eu queria fazer uma poesia visual com esse filme, então o que a gente quis, na verdade, era o que a gente chamava de verdades imagéticas. Quais são as verdades imagéticas da Dona Onete? É a subjetiva do boto, que influenciou toda a vida dela? Qual a verdade imagética do Mestre Damasceno, que é cego? Eu queria transformar esses grandes depoimentos, esses momentos poéticos das falas dos personagens em situações imagéticas poéticas também, sabe?

    Reprodução

    E quais os desafios de rodar na região? Levaram muitos litros de repelente?

    Eu não me recordo ter problema com mosquito, mas... O grande lance da Amazônia é que ela é meio que a assistente de direção do filme. Não adianta você querer filmar: ela vai ter que deixar você filmar. Ela vai ter que estar na maré certa para o barco sair, na maré certa para o barco chegar e na maré certa para o barco se deslocar. Ela vai ter que fazer não chover, vai ter que fazer com que o calor não acabe com a energia da equipe, ela vai ter que fazer com que o vento não leve os refletores... Em dois meses choveu um dia. Foi um milagre.

    Há um cuidado muito grande com a seleção dos entrevistados, desde os que já tem projeção internacional até, por exemplo, a Gina Lobrista, que é uma ótima personagem local. Como você chegou a essas pessoas?

    A gente tinha um diretor musical, o Marco André, que sabia desses personagens, e o Leo Edde, nosso produtor, falava: “Olha, não vamos para lá no escuro, vamos fazer uma lista porque ir para a Amazônia não é uma ponte aérea para São Paulo”. Vários personagens incríveis ficaram para trás, mas eu não queria que esse filme fosse longo. Eu acho que ele tem o tamanho certo, 85 minutos. Eu tinha receio da gente ir para uma parte espiritual muito complicada, que a gente caísse em uma coisa muito conceitual do espírito e eu queria que tudo fosse claro. A Dona Onete, por exemplo, acredita em boto, ela descreve um boto. O Damasceno acredita em sereia, ele fala que as sereias estão no mar. O outro acha que Deus é som, então está ali à frente. É muito direto.

    Neste sentido, você se preocupou com a compreensão do público internacional?

    Teve um cara que levantou na primeira sessão aqui no SXSW e disse: “É o meu 33º South by Southwest e eu nunca vi um filme assim. Nunca vi um filme tratar da espiritualidade de uma maneira tão acessível para quem não entende e, ao mesmo tempo, que emocione quem não entende”. Agora eu quero ver em Xangai, nos inscrevemos agora num festival de lá. Quero ver a reação deles e aí sim eu vou falar: “Sim, nos comunicamos com todos”.

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