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    Gramado 2013: Tatuagem surpreende com retrato teatral gay durante a ditadura

    Filme de estreia de Hilton Lacerda como diretor já é um forte candidato aos Kikitos de Ouro.

    por Francisco Russo

    Hilton Lacerda e equipe apresentam Tatuagem no Palácio dos Festivais @ Edison Vara Press Photo

    Gramado levou uma bela chacoalhada no terceiro dia de seu festival de cinema. Tatuagem, o segundo filme da mostra competitiva brasileira a ser exibido, surpreendeu o público ao mostrar de forma ousada o cenário de um grupo teatral que abusa do deboche e de cenas de nudez em seus espetáculos.

    O longa-metragem é o primeiro trabalho na direção de Hilton Lacerda, o celebrado roteirista de Febre do Rato, Capitães da Areia e A Festa da Menina Morta. A história gira em torno do relacionamento entre Clécio (Irandhir Santos), o líder da trupe Chão de Estrelas, e o recruta Fininha (Jesuita Barbosa), o que gera um contraste entre o cenário anárquico do grupo e a realidade do país durante o regime militar, além de mostrar a homossexualidade dentro do exército.

    Com cenas tórridas de sexo entre os protagonistas, Tatuagem provocou um certo incômodo entre os mais conservadores também devido à insólita e inesquecível "Polka do Cu", canção usada no principal número musical do Chão de Estrelas. Na coletiva do filme realizada na manhã de hoje, o diretor assistente Marcelo Caetano ressaltou que o filme na verdade gira em torno do afeto.

    "A gente precisa colocar a questão homossexual no lugar do afeto. Esta questão da provocação é pobre. A gente revela o conservadorismo quando espera o choque. Este filme transborda afeto, não vejo em momento algum deste processo a tentativa de colocar cenas de sexo para chocar. Aquilo é datado, é daquela época. O que Hilton faz é tirar isto da confrontação e colocar no lugar do afeto, do grupo, da amizade e do amor."

    Bastante elogiado pela imprensa em geral, Tatuagem desponta como forte candidato para as premiações do Festival de Gramado deste ano. Logo abaixo você pode conferir os principais destaques da coletiva do filme.

    NATURALIDADE ENTRE OS ATORES

    Algo que impressiona bastante em Tatuagem é a coesão do elenco, que está bastante à vontade em seus personagens. O diretor Hilton Lacerda falou sobre como conseguiu este feito. "A gente teve seis semanas de preparação de elenco, foi algo muito trabalhoso mas também muito prazeiroso. Era um filme muito perigoso, pois lidava com limites muito exacerbados: o teatro de revista e um cotidiano influenciado por este mundo. Ao mesmo tempo não era uma representação de época, a ideia era muito mais como se discute o mundo hoje a partir de uma tentativa anterior, ou seja, como se constrói a utopia. Então precisávamos ter em seis semanas um elenco que parecia se conhecer há dois ou três anos e acho que a gente conseguiu, com ajuda da equipe do filme e de atores excelentes."

    RELAÇÃO COM FEBRE DO RATO

    Devido à narrativa e por ser dirigido por Hilton Lacerda e estrelado por Irandhir Santos, roteirista e protagonista de Febre do Rato, muitos foram os comentários sobre uma possível ligação entre o filme e Tatuagem. O diretor assistente Marcelo Caetano discorda. "Por mais que existam estas proximidades, acho que são sentimentos muito diferentes. Tatuagem é um filme que está olhando para o passado para entender o futuro. Mesmo os personagens Clécio e Zizo, que estão muito próximos, possuem uma diferença, já que um tem este caráter marginal e é extremamente solitário, enquanto que o outro necessita desta coletividade. Acho que isto reflete no sentimento do filme."

    "Febre do Rato é um filme que idealiza o passado, enquanto que Tatuagem idealiza o futuro", resumiu Hilton Lacerda.

    CINEMA PERNAMBUCANO

    Após uma leva de filmes que inclui O Som ao Redor, Era uma Vez Eu, Verônica, Boa Sorte, Meu Amor, Doméstica, Febre do Rato e Eles Voltam, o cinema pernambucado tem sido bastante elogiado pela sua inventidade e qualidade. O diretor Hilton Lacerda falou sobre este momento, já que Tatuagem também foi produzido no Recife.

    "Para ser bem sincero, acho meio boba esta história do cinema pernambucano. Acho que cinema é feito em qualquer local. O mais impressionante no cinema pernambucano é a forma de produção que provou que se pode fazer experiências narrativas cinematográficas que não estejam dentro de um sistema produtivo tacanho. Isso dá um certo frescor."

    A CARETICE NO CINEMA BRASILEIRO

    "Acho que o cinema brasileiro está extremamente careta por conta de uma tecnicidade", disse Hilton Lacerda, criticando boa parte dos filmes produzidos na Retomada, que deixaram de lado a nudez tão presente em décadas anteriores do cinema nacional. "Às vezes fico me perguntando o porquê de não estarmos fazendo coisas mais despudoradas. Por que o peito passou a ser pecado, por que um pau não pode ser mostrado? Tudo isso me interessa narrativamente, dentro das coisas que penso em cinema."

    DIFICULDADES COM ORÇAMENTO

    Na coletiva de Flores Raras, a produtora Paula Barreto falou que teve uma grande dificuldade para obter financiamento privado para o filme, já que as empresas se afastavam devido ao tema principal ser um relacionamento lésbico. Perguntamos ao produtor João Vieira Jr. se o mesmo aconteceu com Tatuagem, já que o filme também aborda o tema homossexual.

    "Não percebi no processo de captação nenhuma dificuldade em especial pelo tema ou os personagens do filme. A dificuldade é a mesma que enfrentei em todos os outros longas que fiz. Se tem alguma coisa em comum entre todos eles é que são de baixo orçamento e que o tempo médio de captação fica em quase três anos, infelizmente. Achava que depois que você tivesse alguns filmes em seu catálogo isto poderia andar mais rápido, mas não foi o que aconteceu." O produtor revelou ainda que o orçamento final ficou em R$ 2,2 milhões.

    Hilton Lacerda aproveitou a deixa para também falar sobre o tema. "É muito triste quando você se depara com questões sobre gênero em 2013 e como isto voltou com força. A discussão de sexualidade nesta altura do campeonato me parecia que era algo passada, quando isto volta em questões como respeito é muito assustador. Fiz parte de uma geração do século XX em que tudo apontava que a vida iria melhorar, aí você vê que de vez em quando a humanidade dá uma marcha a ré incrível."

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