Laranja Mecânica (A Clockwork Orange)
"Laranja Mecânica" foi lançado em 1971, adaptado, produzido e dirigido por Stanley Kubrick, baseado no romance de Anthony Burgess de 1962. O longa narra a vida do jovem Alex (Malcolm McDowell), que passa as noites com uma gangue de amigos briguentos e baderneiros pelas ruas de uma Grã-Bretanha distópica de um futuro próximo. Depois que é preso, Alex se submete a uma técnica de modificação de comportamento para poder ganhar sua liberdade (se é que podemos considerar assim).
Possivelmente Stanley Kubrick foi um dos maiores (se não o maior) cineasta que já passou por esta terra. "Laranja Mecânica" não é somente um dos melhores filmes da carreira do diretor, mas está entre as maiores e melhores obras já criadas na história da sétima arte.
Temos aqui um clássico dos anos 70, uma obra intrigante, perturbadora, desconcertante, que nos incomoda, nos desafia, nos dá repulsa, ao mesmo tempo que nos impacta e nos surpreende com todo o desenrolar da trama que permeia a história da vida de Alex. Kubrick emprega em sua obra atos perturbadores e violentos para nos evidenciar sobre um estudo da psiquiatria, da delinquência juvenil, dos ataques das gangues de jovens, abordando ainda assuntos sociais, políticos e econômicos. Kubrick utiliza deliberadamente em sua obra o uso da "Ultraviolência", que são atos praticados com extrema violência totalmente aleatórios e injustificáveis, ou seja, uma violência pelo único prazer da violência, uma violência que não precisa ser carregada pelo ódio ou qualquer outro sentimento, apenas demonstrada e aflorada com uma válvula de escape, um sadismo, uma delinquência, como um ato de engrandecimento do ego humano - completamente bizarro e doentio.
Kubrick era um diretor muito minimalista, meticuloso, que tinha uma verdadeira obsessão pela perfeição em sua obras, ou seja, nos entregava aqui uma das distopias mais violentas, bizarras e polêmicas da história da ficção científica. Kubrick trouxe uma verdadeira aula de psicanálise, uma investigação da mente humana e dos seus processos, que eleva a mente para além das suas relações biológicas e fisiológicas. Podemos considerar sua obra de várias formas, até mesmo como uma fábula sobre o bem e o mal, às teorias comportamentalistas, os limites entre a natureza humana e o condicionamento social, e o real significado de liberdade e do livre-arbítrio.
Kubrick declarou que sua obra é uma sátira social que reflete sobre os malefícios do condicionamento psicológico nas mãos de um governo ditador que se utiliza da oportunidade de praticamente limpar e formatar as mentes dos seus cidadãos (exatamente como fizeram com a mente do Alex). Uma critica forte a sociedade mostrando cenas de violência, estrupo, a corrupção moral das autoridades expondo todo o seu autoritarismo. É impressionante como o governo manipula os fatos ao seu favor e tudo não passa de uma jogada política, se aproveitando da sanidade humana, do desequilíbrio mental, e até mesmo transformando uma figura maquiavélica e sádica em uma vitima do sistema. Tudo isso sendo nos contado em 1971, mas que facilmente poderíamos trazer para os dias atuais, pois o roteiro de "Laranja Mecânica" é completamente à frente do seu tempo, a total definição de um filme atemporal.
Malcolm McDowell é a verdadeira cereja do bolo de Stanley Kubrick. Realmente não existiria ninguém melhor para dar vida a este personagem tão emblemático e tão icônico, pois o próprio Kubrick chegou a declarar que se não pudesse contar com Malcolm McDowell, provavelmente não teria feito "Laranja Mecânica". Malcolm incorporou o Alex com uma forma surreal, nos trazendo uma atuação perfeccionista e minimalista ao adentrar em um personagem que contrasta o delinquente com o carismático e o anti-social. Uma verdadeira aula de atuação e interpretação, pois Malcolm conseguia ir do doentio e inescrupuloso ao extrovertido e carismático, ou seja, a atuação de Malcolm passa por duas fases distintas, indo do agressor a vítima, do caçador a caça e do ataque a submissão. Impressionante, eu realmente fiquei completamente embasbacado com o nível de atuação e entrega no personagem imposta pelo Malcolm McDowell, pois no primeiro ato ele nos dá repulsa e pavor, ao mesmo tempo que no segundo ato em diante ele chega a nos comover, típico caso de que lado você irá ficar? Pra quem você vai torcer? Com quem você irá se identificar? Seria o Alex realmente um nítido reflexo de toda a sociedade? Podemos considerar que na obra de Kubrick em um determinado momento chegamos a torcer pelo Alex. Malcolm McDowell realmente esteve no seu auge com uma atuação completamente incrível.
A trilha sonora é praticamente o coração da obra, uma trilha única, penetrante, contundente, que apresenta em sua maioria seleções de música clássica e composições com o clássico "sintetizador Moog", feito pela compositora e musicista americana e vencedora de três Grammys, Wendy Carlos. A fotografia do britânico John Alcott é sublime e avassaladora. A direção de Stanley Kubrick é feita como uma genialidade que eu nunca vi na vida. Uma direção de arte e uma cenografia completamente fiel e perfeita. O longa apresenta uma narrativa fluida que transcorre com muita objetividade, sendo que a linguagem utilizada pelo Alex foi inventada pelo autor Anthony Burgess, que misturou palavras em inglês, em russo e gírias. O filme apresenta um dos melhores roteiros de todos os tempos. É bem montado, bem editado, bem coreografado, bem arquitetado, com uma ótima cinematografia, ótimos figurinos, ótimo cenários, tecnicamente e artisticamente perfeito.
"Laranja Mecânica" foi muito polemizado na época, sendo considerado por muitos como uma forma de cultuar e inspirar atos de violência extrema, o que culminou com a retirada dos cinemas britânicos a pedido do próprio Kubrick, que foi alvo de uma enorme quantidade de ameaças de morte, o que o deixou muito irritado com as críticas recebidas, chegando a declarar que o filme apenas seria exibido lá após sua morte. O longa ainda foi banido em vários outros países.
Por outro lado a obra de Kubrick foi muito influente, como o fato do sucesso da seleção holandesa em 1974, que ganhou o apelido de “Laranja Mecânica”, uma clara referência ao filme icônico de Kubrick, sem dúvidas um dos maiores sucessos cinematográficos da década e da história.
Podemos considerar o título original do filme (Clockwork Orange), como um significado para “Laranja com Mecanismo de Relógio”, ou seja, o título alude a um “mecanismo de relógio” – algo que nos remonta a uma visão mecânica, artificial, robótica e programável. Verdadeiramente uma clara alusão, uma clara referência ao personagem do Alex.
O longa de Kubrick recebeu vários prêmios e indicações, incluindo quatro indicações ao 44º Oscar, sendo Edição, Roteiro Adaptado, Direção e Melhor Filme. Ainda obteve 3 indicações ao Globo de Ouro, sendo Melhor Diretor para o Kubrick, Melhor Ator Drama para o Malcolm e Melhor Filme Drama.
"Laranja Mecânica" é uma obra grandiosa, peculiar, sublime, relevante, ao mesmo tempo é demente, doentia, perturbadora, intrigante, ou seja, um verdadeiro misto de emoções afloradas com várias vertentes em várias nuances. Infelizmente eu ainda não tive o prazer de ler a obra de Anthony Burgess, mas será a minha próxima obrigação assim que comprar o livro.
Com toda certeza a obra de Kubrick é um dos filmes que possui um dos roteiros mais inteligente e mais relevante da história dos cinemas. Uma obra Cult, atemporal, importante, muito influente na cultura Pop, uma verdadeira aula de psicologia e um verdadeiro confronto com uma sociedade que impera um regime totalitarista.
Stanley Kubrick é um verdadeiro mestre, um verdadeiro gênio da sétima arte. "Laranja Mecânica" é simplesmente uma obra-prima, uma obra de arte, um ícone, uma lenda, um clássico eterno dos cinemas. [30/07/2022]