
Em algum sábado à tarde despretensioso da sua vida, é bem provável que você tenha parado para assistir ao Lata Velha (2000-2021), apresentado por Luciano Huck nos tempos do Caldeirão, e sonhado com a chance de transformar seu carro em uma máquina turbinada.
O famoso quadro, que retornou recentemente no Domingão com Huck, foi inspirado no programa Pimp My Ride, da MTV, e fez a alegria de muitos fãs de carros pelo Brasil. A proposta era simples: alguém com um carro caindo aos pedaços ganhava uma reforma completa – mas, antes de receber o novo possante no palco, precisava pagar um mico em rede nacional!
Veículos como a Brasília turbinada do Fábio, a Belina do Seu Toninho e o Volkswagen Logus do Seu Luizinho – uma das transformações mais extravagantes e questionáveis do Lata Velha – são apenas alguns dos ícones que ficaram marcados na memória do público. Mas nem tudo são flores: um baita processo marcou a história do programa em 2005.
Sonho que virou pesadelo
Tudo começou quando o ambientalista João Marcelo Vieira escreveu uma carta para o Caldeirão do Huck com o desejo de reformar seu Opala SS 1979. O carro havia sofrido com a ação do tempo, tinha algumas partes enferrujadas, mas ainda estava "inteiro", com as rodas originais. O automóvel pertencia ao seu tio e, por isso, tinha um grande valor emocional.
"O Opala foi um presente que meu primo comprou com o primeiro salário para o meu tio. Esse era o sonho da vida dele. Depois que meu tio faleceu, meu primo me deu o carro com a condição de que eu nunca me desfizesse dele", contou João em entrevista ao UOL.
A carta de inscrição chegou às mãos de Luciano Huck por meio dos apresentadores Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima, de quem o dono do Opala era amigo na época.

João Marcelo, então, foi selecionado para o Lata Velha e precisou cantar uma ópera para poder receber seu veículo de volta, reformado. Mas o que era um sonho virou uma grande dor de cabeça. O motivo? O participante alega que o programa da Globo lhe entregou um Chevrolet Caravan fraudado no lugar do seu Opala verde, apelidado de "ogro".
Dias após a gravação, ele começou a notar algumas coisas suspeitas. "Quando gravei o programa, a placa estava coberta por um adesivo do Lata Velha. Não me entregaram o carro em seguida porque, segundo eles, faltava a documentação". Para completar, um telespectador chegou a oferecer R$ 120 mil pelo carro reformado, proposta que ele recusou.
O carro só foi devolvido dois meses após a exibição do programa. E, ao recebê-lo, João teve a certeza: não era o mesmo carro. A placa era diferente, e outros detalhes não batiam.
“O que mais me assustou é que a documentação estava no meu nome sem que eu tivesse assinado nada. Depois, descobri que o carro entregue foi comprado em um leilão por R$ 4.200. Usaram uma assinatura falsa no contrato”, denunciou.

Tentativa de acordo e processo
Após ficar indignado com a suposta substituição do Opala, o participante do Lata Velha conseguiu marcar uma reunião com a produção do programa. "Ao chegar lá, encontrei 14 pessoas, dentre elas um diretor, o qual perguntou o que eu queria para resolver a situação. Ofereceram várias coisas, mas fui claro: queria meu carro de volta". Mas nada foi feito.
Posteriormente, João recebeu o resultado de duas perícias que comprovaram que o carro entregue havia sido, de fato, adulterado – uma realizada de forma particular e outra pela Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA).
Colocaram o chassi do Opala na Caravan, uma fraude. Eu seria preso se fosse pego com ele em uma blitz
Um processo foi aberto em 2005, no qual o participante pedia ressarcimento por danos causados pela emissora, no valor de R$ 1 milhão. Mas, em 2016, mais de uma década após o quadro ir ao ar, o caso ganhou um desfecho: a TV Globo saiu vitoriosa.
A sentença, dada pela juíza interina Priscila Fernandes Miranda Botelho da Ponte, apontou que "o autor entregou um carro em estado precário, sem valor comercial e sem condições de tráfego, e recebeu veículo totalmente reformado e estilizado, com valor comercial de R$ 120 mil (...) O autor concordou com os termos do programa, tanto que se sujeitou, inclusive, a aceitar as transformações que seriam feitas pelas rés".
Com isso, João foi condenado a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios na ordem de 10% do valor da causa, ou seja, R$ 100 mil. Após a sentença, o ambientalista afirma que entrou em depressão e ficou tão desapontado que abandonou o carro.
"Deixei em um terreno, mas a minha vontade era deixar na frente do Projac. É uma decepção imensa, principalmente com o Luciano Huck, que sabe de tudo, usou a minha história (...) Sempre deixei claro que abriria mão do processo se eles fizessem uma retratação pública."
A Globo nunca se pronunciou e o proprietário do Opala chegou a dizer que entraria com um novo processo, mas nenhuma outra informação pública sobre o caso foi divulgada.