Desde o seu anúncio, “Coração de Ferro” enfrentou um desafio que nenhuma série do MCU deveria carregar: a necessidade de justificar sua existência antes mesmo de mostrar a que veio. Introduzida em “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”, Riri Williams, vivida por Dominique Thorne, não teve uma estreia carismática ou marcante. Sua participação no filme passou quase despercebida por muitos, sem o impacto necessário para gerar empolgação pela própria série solo. E a falta de empolgação, infelizmente, não foi compensada pelo produto final.
“Coração de Ferro” tenta se sustentar com base no potencial da personagem nos quadrinhos, onde Riri é uma jovem gênia que constrói sua própria armadura inspirada em Tony Stark. Mas o que vemos em tela está longe de entregar essa proposta de forma crível. A série se contenta em fazer referências superficiais a Stark, sem nunca aprofundar como sua figura inspirou ou influenciou a protagonista. A narrativa, que poderia mergulhar no peso de carregar esse legado, opta por uma abordagem genérica e sem identidade, muito mais próxima das produções infantojuvenis dos anos 2000 do Disney Channel do que da proposta mais sóbria e conectada do MCU.
O que chama a atenção logo de cara é a estratégia incomum de lançamento: três episódios de uma vez, seguidos de mais três na semana seguinte. A mensagem implícita parece clara: a Marvel queria se livrar logo da estreia. E não é difícil entender o porquê. Os primeiros episódios são um festival de clichês e personagens sem carisma. A tentativa de dar profundidade a Riri através de perdas pessoais e relações familiares é tão mal conduzida que em nenhum momento gera empatia. Os coadjuvantes são esquecíveis, suas relações soam forçadas e os conflitos parecem escritos com base em descrições de arquétipos e não em pessoas reais.
O roteiro de “Coração de Ferro” é didático, expositivo e, em muitos momentos, irritante. A trama se desenvolve sem nenhuma naturalidade, como se cada fala estivesse ali apenas para explicar algo ao público ou jogar mais uma referência cultural descolada. A série se esforça tanto para soar atual, jovem e descolada, que acaba perdendo qualquer autenticidade. As analogias à cultura pop se tornam cansativas e as tentativas de humor soam deslocadas, como se tentassem a todo custo arrancar uma reação do espectador.
Visualmente, a série também é inconsistente. A armadura da protagonista é mal renderizada em várias cenas, e os efeitos visuais oscilam entre o aceitável e o embaraçoso. Em alguns momentos, a sensação é de estar vendo um piloto de série de baixo orçamento, não uma produção da Marvel Studios. A narrativa também tropeça ao tentar apresentar um grupo de adolescentes com habilidades específicas, como hackers e especialistas em explosivos, mas sem nunca dar tempo ou contexto para que essas habilidades sejam levadas a sério.
Existem, é claro, momentos que se destacam. O embate final entre Riri e o vilão Capuz é talvez o ponto mais alto da série, ao colocar em confronto direto magia e tecnologia.
A introdução de Sacha Baron Cohen como Mephisto também chama atenção, com o ator encaixando perfeitamente na proposta do personagem, mesmo com pouco tempo em tela.
Esses momentos, porém, são exceções em meio a uma temporada que parece caminhar sem rumo.
Em sua essência, “Coração de Ferro” não consegue justificar sua existência nem como parte do MCU, nem como uma obra isolada. Serve apenas para preparar terreno para futuras séries, como a do Visão, ao introduzir conceitos como IAs personificadas e localizações como Madripoor. Mas em termos de narrativa, desenvolvimento de personagem e impacto emocional, entrega muito pouco.
No fim, o maior problema de “Coração de Ferro” é que ela não acredita na força da sua protagonista. A série tem medo de deixar Riri Williams crescer, preferindo envolvê-la em tramas rasas, relacionamentos artificiais e cenas de ação pouco inspiradas. Com isso, o que poderia ser a ascensão de uma nova heroína se transforma em um dos pontos mais fracos do MCU. Um final pouco digno para uma fase que já vinha sendo questionada.