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    Narcos: Crítica da primeira temporada

    Nossa melhor 'commodity'.

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    Narcos é um documento histórico, não só sobre um episódio caro à Colômbia, mas também à América Latina, em geral e, sobretudo, para os Estados Unidos. Isso porque a série, com produção executiva do brasileiro José Padilha (Tropa de Elite), mostra de forma realista não apenas o surgimento e ascensão de um dos criminosos mais conhecidos da história contemporânea mundial, a saber, Pablo Escobar, mas como a omissão de um governo – notadamente os da Colômbia e EUA – pode gerar consequências no dia a dia do cidadão comum.

    Nesse sentido, Narcos é Discovery Chanel, com uma luxuosa reconstituição da época encenada por uma equipe de know-how internacional, que deveria ser comprada pelos governos (RISOS) e exibida nas escolas de ensino fundamental (ok, médio) público (e a gente insiste: ainda mais em território norte-americano).

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    A gente explica a teimosia. Tal qual os filmes Tropa, a produção original da Netflix, é didática. Narrada em primeira pessoa pelo agente da DEA (Drug Enforcement Administration, o órgão estadunidense responsável pelo combate às drogas) Steve Murphy (Boyd Holbrook), que realmente existiu, os dez episódios contam de maneira naturalista uma história real, envolvendo o tráfico de drogas e a violência.

    Ele é o Capitão Nascimento da vez – com o perdão da obviedade, é impossível fugir da analogia.

    A história de Pablo Escobar é tentadora (adaptável) e conhecida no meio audiovisual. Já foi tema de séries e filmes – como El Patrón del Mal (2012) no primeiro grupo; e Paradise Lost (ainda sem previsão de estreia no Brasil), com Benício del Toro, só para citar exemplos mais recentes – e continuará sendo (Javier Bardem vai incorporar a lenda em Escobar).

    O que Padilha e sua equipe fazem de diferente é – além de fugir da glamourização – ir mais além, ampliando o espectro para a escalada do narcotráfico. O formato, em episódios, claro, é perfeito para caminhar com calma (palavra não exatamente associável a essa série).

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    Mas não se engane: Narcos é uma criação do showrunner Chris Brancato (roteirista de Hannibal), ao lado de Adam Fierro (The Walking Dead), falada, em sua maior parte, em inglês, feita para o mercado internacional da plataforma de vídeos on-demand.

    Mas não se engane 2: como também é marca do cineasta brasileiro, a produção não foge à briga, tecendo duras críticas a Washington, principalmente às administrações de Richard Nixon (1969-1974), que fez vista grossa à chegada da cocaína nos Estados Unidos; e Ronald Reagan (1981 a 1989), que só tinha olhos para o bicho-papão do comunismo. Essa omissão foi imprescindível para criar o ambiente favorável à proliferação das drogas (no mundo). E está lá, documentado em Narcos.

    É de José Padilha a direção dos dois primeiros episódios, sendo o piloto, irretocável. Didático, sim, mas dinâmico, o início dá conta de apresentar a dupla de personagens mais simbólica para a série, os supracitados Steve Murphy e Pablo Escobar (Wagner Moura). E, melhor, com linguagem de cinema, com a espetacular fotografia de outro brasileiro, Lula Carvalho (de À Beira do Caminho, As Tartarugas Ninja e, um donut para quem adivinhar, dos filmes Tropa, claro). Ele assina a direção de fotografia de toda a série.

    A adrenalina dos dois primeiros capítulos, no entanto, vai dando lugar, gradativamente, a uma certa bad trip nos episódios seguintes. O tom documental que levanta a poeira no início é também o veneno que faz da série um tanto quanto repetitiva quando a assumem a direção Guillermo Navarro e Andrés Baiz. É overdose.

    O primeiro, mexicano conhecido como o diretor de fotografia de O Labirinto do Fauno, que dirigiu alguns capítulos da Hannibal de Chris Brancato, comanda os episódios 3 e 4; o outro, que assina como Andi Baiz, é o colombiano por trás de Metástasis, a versão hispânica de Breaking Bad. Ele dirige os dois seguintes (5 e 6).

    Nesses, o roteiro (Paul Eckstein, Samir Mehta e o próprio Brancato estão creditados como escritores de todos os episódios) segue afiado, sobretudo o diálogo. O que enfraquece mesmo é a direção pouco inspirada dos hermanos. Até que...

    Até que surge Fernando Coimbra (O Lobo Atrás da Porta), para mostrar que é possível, sim, torcer pelo Brasil – sem a intenção, aqui, de estimular nenhum tipo de rivalidade idiota. Mas quando Coimbra entra em cena (metaforicamente, claro), Narcos volta a ser Narcos. Reafirmando um domínio do quadro como há muito não se via no cinema, ops, audiovisual (inter)nacional, ele emprega uma sucessão de planos criativos (plano, contra plano, plano-sequência), de forma a seduzir também pela forma o bom produto que já está dado pelo conteúdo.

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    O oitavo, aliás, é o episódio que une a ponta levantada no primeiro. E Baiz volta com o campo dominado para dirigir os dois capítulos finais que dão conta da resolução da temporada, fechando o arco.

    A despeito das interpretações, embora a série seja baseada em apenas dois idiomas, a língua de Gabriel García Márquez é tão complexa quanto o português, com variações dependendo de cada região da Colômbia. Nesse sentido, para quem conhece a fundo as nuances – e dado o caráter realista proposto pela série –, o sotaque usado por Wagner Moura, que engordou 20 Kg para o papel, deixa a desejar. Nada que, no entanto, atrapalhe a emoção do personagem.

    No fim, Narcos é (desculpem) a reunião da elite da tropa do cinema audiovisual nacional. É José Padilha, Fernando Coimbra, Lula Carvalho e Wagner Moura, sim, como nossas melhores commodities do ramo. É a prova de que estamos valendo tanto ou mais quanto a cocaína de Escobar.

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