A Felicidade das Coisas é um filme dirigido por Thais Fujinaga que está em cartaz no Mostraplay, streaming da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, até 3 de novembro. A trama apresenta Paula (Patrícia Saravy), grávida de seu terceiro filho, que passa o verão em sua recém adquirida casa em Caraguatatuba, litoral paulista. Além de sua mãe (Magali Biff), a acompanham sua pequena filha (Lavínia Castelari) na fase questionadora e seu filho pré-adolescente (Messias Gois).
Esse período era para ser repleto de paz e tranquilidade, mas se torna cada vez mais cansativo para Paula. Sem suporte algum do marido, precisa lidar com o filho dando os primeiros sinais da adolescência, além das dificuldades financeiras agravadas pela interminável e cara obra de uma piscina no quintal da casa.
RETRATO DE UM VERÃO BRASILEIRO
Mais do que um local de descanso, a casa de praia é uma instituição brasileira. Por mais que esse tipo de lugar exista em qualquer cidade do mundo banhada pelo mar, há um conjunto de elementos e experiências só o brasileiro associa com cidades praianas, e que vão muito além de clichês como a caipirinha com os pés na areia ou na água. Se atualizar de todos os funks e versões em forró de músicas estrangeiras que bombam nos falantes dos carros que passam. Coçar com um dos pés a batata da perna alvejada por mosquitos. Ficar atrás de um turista de meia idade usando apenas uma sunga na fila do mercado. Se você passou algum verão em uma cidade litorânea brasileira, essas descrições muito provavelmente resgatam imagens vívidas em sua memória.
Apesar de ser uma experiência tão comum em nosso País, na grande maioria dos casos, as perspectivas cinematográficas que temos desse tipo de viagem são escassas. Ou vão para um humor pastelão com tons elitistas, sintetizado em filmes como Os Farofeiros, ou para cenários de casas de revista nitidamente muito caras e desconexas da realidade da maioria das pessoas.
A filha de Paula brinca com a avó na volta da praia. Sem deixar de lado parte dos elementos explorados pela perspectiva pastelão, porém de forma bem mais sóbria do que as que estamos acostumados. A Felicidade das Coisas explora esse verão na casa da praia, mas criando uma história de classe média extremamente viva e verossímil.
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Em seu primeiro roteiro para um longa, no filme A Cidade onde Envelheço, Thais Fujinaga também escreveu uma história na qual o lugar era um personagem. A protagonista, mesmo com todos os encantos de Belo Horizonte, se sente extremamente vazia e solitária.
Da mesma forma que a solidão de Francisca é apresentada sem que muito precise ser dito, em A Felicidade das Coisas, muito do iminente esgotamento de Paula é representado mais no que acontece à sua volta, do que na personagem em si. O fato de o pai das crianças jamais aparecer no filme é um desses detalhes que vão dando ao espectador, uma noção da carga emocional que a personagem traz consigo. Mesmo em momentos de lazer, Paula sempre aparenta cansaço durante o filme.
Em meio a esse estresse, a casa era para ser um refúgio. Ao expor essa vivência de classe média, o filme não chega a ser uma crítica a ela. Paula não traz os traços mesquinhos de personagens retratados em filmes como O Som ao Redor de Kleber Mendonça Filho, por exemplo.
SÍMBOLOS E SIGNIFICADOS
O filme de Thais Fujinaga é muito mais simbólico do que um comentário pontual. Comprar uma casa, mas não ter dinheiro para as reformas necessárias nem para a sonhada piscina é uma das situações que representam significados maiores. Outro exemplo é quando Paula tenta conscientizar e conter os gastos dos filhos nas férias.
Apesar de terem seus privilégios, os personagens do filme jamais soam fúteis, fazendo com que os problemas de Paula sejam sempre sentidos de forma legítima, mesmo quando se tratam de um luxo como a construção de uma piscina. Nesses luxos sempre permeados por poréns, o filme captura momentos de uma felicidade genuína em meio a preocupações, deixando uma sensação peculiar mas acalentadora no espectador.
