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    Big Little Lies: Critica da 2ª temporada

    As grandes performances de Reese Witherspoon, Meryl Streep, Laura Dern e companhia salvam uma continuação bagunçada.

    Nota: 3,5/5,0

    Expectativa é um karma. O que nem sempre significa algo ruim. É apenas uma reação precisa surgir após alguma ação. No caso, a expectativa ao redor da segunda temporada de Big Little Lies mistura os dois lados de tal moeda. Existia o medo de estragar algo que em formato de minissérie, que foi planejado e executado com quase perfeição. Já o setor otimista ficava ansioso para ver se tinha história para contar e ainda manter a qualidade inicial.

    Ao mesmo tempo, se alguém queria desistir de Big Little Lies, a curiosidade foi retomada no momento em que escalaram Meryl Streep para o elenco. Só de ver os seis grandes nomes das protagonistas é algo imponente por si só, além de reforçar o momento criativo e influenciador da TV atual. Se em 2017, a HBO focava em Reese WitherspoonNicole KidmanShailene Woodley nas peças promocionais, dessa vez as três surgem ao lado de Laura DernZoë Kravitz e Meryl, percebendo como todas elas são essenciais presenças da narrativa. E não serão desperdiçadas.

    Isso e a expansão do universo criado pelo livro de Liane Moriarty dão base para o retorno. Todas as seis estão envolvidas em algum drama e a vida em Monterey é maior daquela apresentada na obra original. Mas ainda fica a questão: uma segunda temporada é realmente necessária? Depende do ponto de vista. A história poderia ter sido encerrada facilmente em seus 7 episódios iniciais. Mas o que surgiu neste ano não ofende, só realmente expande de uma maneira mais ordinária, no melhor sentido da palavra. Não se trata mais de descobrir vítima e assassino, mas sim de jogar o espectador numa espera intrigante para saber se a mentira da morte de Perry (Alexander Skarsgård) será revelada. O problema é que o resultado não é tão consistente como antes.

    Na realidade, a segunda temporada de Big Little Lies é carregada mesmo por suas grandes performances, que brilham até mesmo quando roteiro e/ou edição pecam. Desde seu primeiro instante na telinha, Streep traz uma presença incomoda e poderosa, que movimenta toda a rotina das Cinco de Monterey — seja apenas observando com olhar julgador, ou quando sua Mary Louise enfrenta outras personalidades fortes como Madeleine (Witherspoon) e Renata (Dern). Mesmo sendo uma das atrizes mais amadas do mundo, Meryl constrói uma personagem quase asquerosa, apesar do espectador entender como ela é cega pelo luto.

    Uma vez que a estreia da temporada insere Mary Louise nesse universo, a série começa a se dividir a fim de dar momentos de destaque para todas as mulheres (que surgem dirigindo seus carros na bela abertura, cuja música não mudou, felizmente). Já bem premiada por sua Celeste, Kidman repete o belo trabalho de uma mulher conturbada, ainda presa ao abuso que sofria, que parece estar perdendo o controle aos poucos. Por sua vez, Witherspoon chama mais atenção, ao aprofundar Madeleine e explorar bem suas fragilidades, despedaçando de vez aquela fachada perfeita a lá Legalmente Loira. Principalmente em seus confrontos iniciais com o Ed de Adam Scott, grande destaque do elenco masculino.

    Percebendo o sucesso dela na primeira temporada, o showrunner David E. Kelley deu mais espaço para Renata Klein, mas seu drama surge como o mais fraco dentre todos. Só que Laura Dern é a escalação perfeita, justificando o fan service planejado de forma equivocada ao roubar todas as cenas possíveis com um papel imperfeito, carismático e sem papas na língua. Reclame o quanto quiser dos novos episódios, você veria um spin-off só com essa mulher gritando com tudo mundo. A briga pelo Emmy 2020 não será fácil.

    Já a grande surpresa fica com Zoe Kravitz, que dá a melhor performance de sua carreira ao carregar os traumas de Bonnie, numa transformação completa em comparação ao perfil dela em 2017. O desenvolvimento de tal arco pode ser considerado abstrato demais para parte do público, mas foi a carga emocional de sua intérprete que manteve o interesse nessa história, até finalmente começar a ser esclarecida. Nesse resultado, Jane é quem tem menos espaço, mas Shailene ainda consegue trazer naturalidade para a personagem, encontrando chances de brilhar — vide a cena onde ela precisa explicar o que é estupro para Ziggy (Iain Armitage) ou no crescimento de sua amizade com Celeste.

    Expandir a história também deu espaço para os homens, mas é importante perceber como eles não roubam o protagonismo feminino, mesmo com a charmosa adição de Douglas Smith e a boa performance de Scott, diante da grande traição sofrida por seu personagem (enquanto Alexander Skargard faz suas aparições apenas em flashbacks). Um detalhe que comprova tal teoria? O alívio cômico da série ficar centrado na briga de egos entre Ed e Nathan (James Tupper). Perto dos grandes problemas centrais, essa rivalidade é tão boba e infantil, que se torna a crítica perfeita sobre a masculinidade tóxica.

    Por fim, ainda vale a pena celebrar como BLL seguiu tratando seus personagens infantis com seriedade, sem tratá-los como meros acessórios. São várias as cenas onde Ziggy, Chloe (Darby Camp), Max (Nicholas Crovetti), Josh (Cameron Crovetti) e companhia também têm seus próprios comentários sobre o que está acontecendo, mostrando como eles são afetados pelos erros dos pais, e com ações que afetam diretamente a narrativa.

    O grande problema surge na confusão comunicacional entre roteiro, direção e edição — uma parceria que realmente não sabe para qual caminho seguir. Por vezes, parece querer manter o estilo sutil da primeira temporada, enquanto outras horas quer vida própria e tentar alcançar outros mares. Nessa bagunça, certas histórias ficam cortadas demais, enquanto outras se prendem em repetições desnecessárias, como o desenvolvimento dos arcos de Madeleine (onde vários argumentos com Ed não evoluíam) e Renata (cujo marido só fazia mais besteiras para preencher tempo de tela).

    Pode ser usado o argumento que a vida real tem esse ritmo incerto e imperfeito, mas não é justo usá-la de forma que prejudique uma narrativa de entretenimento. Oficialmente, nunca saberemos se a HBO realmente ignorou a visão criativa da diretora Andrea Arnold para deixar a edição final a mercê de Jean-Marc Vallée, que não pôde participar das filmagens por conflitos de agenda. Mas depois dessa notícia ter caído na mídia, fica difícil não acreditar, vendo os caminhos contraditórios que a narrativa tomou ao longo dos episódios. Grandes tramas são tratadas apenas de forma superfícial, sendo apenas citadas em conversas entre as protagonistas em cenários naturais bonitos, ao invés de realmente serem desenvolvidas. Já outras cenas são cortadas antes mesmo de atingirem seu potencial ou terminarem a mensagem ali. 

    Tal situação fica clara ao analisar o episódio final. "I Want To Know" traz um show de interpretação, mas ainda dá espaço para as seis mulheres analisarem suas decisões, conectar diferentes resultados (um sucesso no tribunal surge ao mesmo tempo que a morte de alguém querido, por exemplo), mas ainda traz o sentimento de tensão que uma boa série deseja, mesmo que nem todas estejam no mesmo lugar, filosoficamente falando. Para o bom e para o mal, Madeleine, Celeste, Jane, Renata e Bonnie se libertaram das amarras que estavam atormentando suas vidas e estão prontas para encerrar este trágico capítulo. É o tipo de resolução, ou pelo menos estudo de personagem, que o público esperou ver neste novo ano, mas não encontrou em todos os sete capítulos. Tal dor incomoda ainda mais ao ver que a voz de uma diretora mulher pode ter sido censurada, justamente numa trama que preza pela representatividade feminina, deixando um gosto amargo na boca.

    Resumindo: a segunda temporada de Big Little Lies é necessária? Não. Mas traz performances incríveis como presente, então não há muito do que reclamar como entretenimento em si. Na verdade, a grande inimiga da série não é sua existência. É sua edição. Só resta sentir saudades daquilo que nunca tivemos: Reese tacando um sorvete em Meryl!

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