Minha conta
    Pantera Negra: Tudo o que você precisa saber sobre a trilha sonora assinada por Kendrick Lamar

    O AdoroCinema dissecou a conexão de cinco canções de Black Panther: The Album com os eventos de Pantera Negra e explicou como o projeto ganhou forma.

    "All The Stars" (por Kendrick Lamar & SZA)

    Ornada por arranjos de cordas compostos pela violinista Ezinma, a joia da coroa de Black Panther: The Album é a grandiloquente "All The Stars". De cara já é possível cravar que a Marvel Studios fará campanha para que a balada que toca nos créditos finais do filme de Ryan Coogler seja indicada ao Oscar de melhor canção original em 2019, pois a faixa tem credenciais para tal.

    Dueto entre Kendrick Lamar e a cantora SZA, que estourou em 2017 com o álbum sobre os dilemas do romance moderno Ctrl, a canção foi recebida de forma morna pela imprensa especializada quando foi lançada logo nos primeiros dias de 2018. Com uma estrutura convencional e um apelo sentimental mais direto, a canção certamente representa um contraste com o experimentalismo dos mais recentes trabalhos de Kendrick e também com o neo soul intimista do último disco de SZA. Em termos formais, trata-se de uma aceno ao grande público, afinal a Marvel sabe que um hit não cairia mal. Musicalmente, o tom do álbum destoa quase que completamente do que ouvimos aqui. De qualquer forma os resultados comerciais vieram. Até o fechamento desta notícia a canção ocupava o segundo lugar na lista das 50 canções mais tocadas no mundo no Spotify e o (mais modesto) 31º lugar na parada Billboard Hot 100.

    Larry Busacca/Getty Images

    "All The Stars" não foi o primeiro single de Black Panther: The Album à toa. A primeira tomada de Pantera Negra é a de um céu estrelado e é a partir daí que o espectador é apresentado ao mito de criação de Wakanda, suas tradições e crenças. O céu é o elemento mais etéreo do mundo natural que nos cerca e as estrelas já foram vistas como uma conexão com o mundo espiritual por diversas culturas ao longo da História. Aqui, os astros representam a conexão de T'Challa (Chadwick Boseman) com os demais dententores do título de Pantera Negra e com seu pai, T'Chaka (John Kani), que foi morto nos eventos de Capitão América: Guerra Civil. Se para a cultura ocidental hegemônica a morte representa o fim da linha, diversas outras cosmovisões veem com mais flexibilidade essa fronteira que sepera o mundo dos vivos daqueles que já morreram.

    "Esta pode ser a noite em que meus sonhos podem me mostrar que / Todas as estrelas estão mais próximas", canta SZA no refrão da música, cantado com paixão. A alusão onírica também carrega conexões com a forma como T'Challa se liga a seus antepassados, através de sonhos induzidos pela ingestão de uma essência feita com uma planta medicinal encontrada apenas em Wakanda. A cor roxa, que costuma simbolizar a magia e tinge a planta sagrada, é utilizada em diversos momentos do video clipe de "All The Stars".

    Em seus versos, Kendrick mais uma vez defende seu lugar de destaque conquistado no hip hop, como fez quando se proclamou rei ao roubar a cena como convidado na polêmica "Control", de Big Sean. Dentro do contexto do Universo Cinematográfico Marvel, os versos do rapper devem ser lidos como uma demonstração de autoconsciência T'Challa em relação ao seu próprio destino, independente de quem vier a aparecer em seu caminho. "Confrontos não são novidade para mim", diz Kendrick. Mais a frente, um verso que pode ser interpretado como um recado do herdeiro do trono para o antagonista Eirk Killmonger (Michael B. Jordan): "Eu odeio pessoas que se acham no direito / Olhando para mim com raiva porque eu não te convidei / Ah, você é importante? / Você é a moral da história? Você tá aplaudindo? /Filho da puta, eu nem gosto de você", diz o rapper em um verso direcionado a um homem de "coração corrompido". Em Pantera Negra, o vilão interpretado é motivado por ressentimentos e deseja tomar o lugar de T'Challa como rei de Wakanda.

    "Pray For Me" (por The Weeknd & Kendrick Lamar)

    The Weeknd não é um novato quando se trata de compor músicas para os cinemas. O lascivo crooner de R&B já foi indicado ao Oscar por "Earned It", tema de Cinquenta Tons de Cinza. Em "Pray For Me", faixa que encerra Black Panther: The Album, o primeiro verso do cantor canadense é "Eu estou sempre pronto para mais uma guerra". Trata-se de uma possível referência aos eventos de Capitão América: Guerra Civil, quando T'Challa lutou como Pantera Negra ao lado do Homem de Ferro na disputa entre Tony Stark e Steve Rogers. Ao voltar para sua terra natal, o herói real terá de lidar com novos confrontos.

    Toda a primeira estrofe da canção traz The Weeknd cantando sobre um eu-lírico envolto no que parece um ciclo vicioso. "Desça essa estrada novamente / É tudo a mesma coisa / Estou sempre pronto para tirar uma vida novamente / Você sabe que irei de novo / É tudo a mesma coisa." Em uma análise mais profunda, a descrição não bate com a personalidade de T'Challa, que não se orgulha de ter matado pessoas ao contrário de Killmonger, que carrega na pele as marcas das mortes que causou quando estava no exército dos Estados Unidos. Se tivessem de ser relacionados com um personagem de Pantera Negra, tais versos condizem mais com o vilão de B. Jordan ou com o traficante de armas inescrupuloso Ulysses Klaue vivido por Andy Serkis

    O refrão dá ênfase no sentimento de solidão e oferece um controponto à noção de autossuficiência metaforizada na postura de Wakanda em relação ao resto do mundo. "Quem vai orar por mim? / Curar a minha dor? / Salvar a minha alma? / Pois, veja, eu estou sozinho", canta The Weeknd, numa entonação que encontra pares no catálogo do cantor. Se fôssemos responder as perguntas retóricas do refrão com base em Pantera Negra, quem "ora" e "cura a dor" de T'Challa é Zuri, figura espiritual e religiosa de Wakanda interpretada por Forest Whitaker.

    Disney/Marvel Studios

    Os versos de Kendrick Lamar em "Pray For Me" exploram os conflitos internos de um herói, descrevem cenários violentos e a noção de sacrifício em nome de um bem maior. "Eu luto contra o mundo, eu luto contra você, eu luto contra mim / Eu luto com Deus, apenas me diga quantos fardos restam / Eu luto contra a dor e contra furacões, hoje eu chorei / Eu tento lutar contra as lágrimas, inundação na minha porta / A vida é um inferno, poças de sangue nas ruas".

    "Pray For Me" é utilizada de forma diegética por Ryan Coogler na cena em que T'Challa, Okoye (Danai Gurira) e Nakia (Lupita Nyong'o) se infiltram em uma restrita casa notorna em Busan, na Coreia do Sul, enquanto rastreiam os passos de Ulysses Klaue. Sonoramente, a faixa é uma das menos criativas de Black Panther: The Album. Os timbres, andamento e produção da faixa soam como uma versão genérica de "Starboy", outro single de The Weeknd.

    "Black Panther" (por Kendrick Lamar)

    Com um piano sorumbático e uma frenética batida grave sincopada "Black Panter", a canção, traz Lamar encarnando T'Challa cheio de energia. O rapper, que deu a si mesmo o título de King Kendrick, usa da repetição da palavra "rei" como quem tenta entendê-la em sua totalidade, com seus prismas agradáveis e desagradáveis. Há novas alusões a lágrimas ("Eu derramei milhões de lágrimas / Sei que muitas responsabilidades me trouxeram até aqui"), que servem para pontuar o luto do herói com a perda recente do pai.

    Rei da minha cidade, rei do meu país, rei da minha terra natal

    Rei dos imundos, rei dos caídos, estamos vivendo novamente

    Rei dos atiradores, saqueadores, golpistas e guetos

    Rei do passado, presente, futuro, meus ancestrais estão assistindo

    Rei da cultura, rei dos soldados, rei do derramamento de sangue

    Rei da sabedoria, rei do ocenao, rei do respeito

    Rei dos otimistas e sonhadores que vão e conquistam o que querem

    Rei dos vencedores, distritos, e gênios com convicções

    Rei dos lutadores, rei dos pais, rei dos atrasados

    Rei da resposta, rei do problema, rei dos esquecidos

    Rei da empatia, você me magoa, rei do remorso

    Rei dos meus inimigos, que eles alimentem o pai, eu me alegro

    Em outro momento da mesma música, Lamar provoca Killmonger ao dizer que o vilão não é digno do trono que almeja usurpar. "Sua língua nativa contradiz o que a sua linguagem corporal diz / Você é um rei ou é uma piada? Você é um rei ou é só pose?"

    "King's Dead" (por Jay Rock, Kendrick Lamar, Future & James Blake)

    Em "DNA.", um dos destaques de DAMN. (2017), Lamar canta que abraça as complexidades de suas contradições. "Eu tenho guerra e paz dentro do meu DNA. Eu tenho poder, veneno, dor e alegria dentro do meu DNA." Em Pantera Negra, o Yin e Yang da trama estão representados nas figuras de T'Challa e Killmonger.

    No filme, Killmonger considera que o isolacionismo de Wakanda em relação ao resto do mundo é sinônimo de covardia, já que a avançadíssima nação africana poderia usar seus recursos para ajudar povos negros ao redor do planeta, mas se fechou em si mesma para proteger seu estilo de vida e as reservas de vibranium, que poderiam atrair a cobiça de atores internacionais, algo recorrente no colonialismo de potencias europeias na África. Por isso, o antagonista reivindica o lugar de T'Challa como rei.

    Disney/Marvel Studios

    "Killmonger é um vilão com um passado, ele tem motivos para a revolta social e política que acaba sendo o centro da história. Isso também é inovador, ele sofre com a opressão sistêmica do modelo social americano. O combustível da raiva dele é explicitado de uma forma propositadamente expansiva. Creio que a trajetória dele é similar à de pessoas oprimidas em outras realidades, como o Brasil", afirmou Michael B. Jordan ao dizer que se inspirou em Cidade de Deus para compor seu personagem.

    Na faixa "King's Dead", mais numerosa colaboração de Black Panther: The Album, Lamar explora a perspectiva de Killmonger. A morte do rei, mencionada no título da canção, foi a morte de T'Chaka, evento que lança luz no destino de T'Challa e desestabiliza a sucessão da cora em Wakanda.

    A canção começa com os versos de Jay Rock e Future, que não são explícitos em suas alusões ao filme ou aos quadrinhos da Marvel. A brevíssima participação de James Blake, o único artista branco a cantar no disco, serve como um interlúdio para o gran finale da faixa. Tal mudança se encaixa na tradição recente de Lamar de propor viradas inesperadas em suas músicas, com seções que oferecem rupturas rapsódicas. É neste momento que Kendrick assume um fluxo de rimas incendiário.

    O eu-lírico, Killmonger, manda às favas — ah, que eufemismo — tudo que identifica em T'Challa. Seja a "integridade" do herói (inclusive a integridade física), o "pedigree" do herdeiro do trono, a "cultura" (em provável alusão ao costume da nação de Wakanda de se fechar em si mesma), o "conforto" de integrar a família real e a própria família de T'Challa (a mãe do herói e sua irmã, Ramonda e Shuri, interpretadas por Angela Bassett e Letitia Wright, são fundamentias para a trama). 

    Foda-se a sua integridade, foda-se o seu pedigree, fodam-se os seus sentimentos, foda-se a sua cultura

    Foda-se a sua moral, foda-se a sua família, foda-se a sua tribo

    Foda-se a sua terra, fodam-se seus filhos, fodam-se as suas esposas

    Quem eu sou? Não sou seu pai, não sou seu irmão

    Não sou sua razão, não sou seu futuro

    Não sou seu conforto, não sou sua reverência, não sou sua glória

    Não sou seu paraíso, não sou sua liberdade,

    Não sou seu povo, não sou seu vizinho

    Não sou seu bebê, não sou seu igual

    Não sou como vocês querem me classificar

    Todos saudam o rei Killmonger

    A dualidade entre o herói e o vilão é explorada ao logo do álbum e, apesar do conflito entre os dois, Lamar sugere que ambos fazem parte de uma mesma realidade. No final de "Black Panther", Lamar diz: "Eu sou T'Challa". No começo de "Paramedic!", o rapper usa a mesma entonação para delcarar: "Eu sou Killmonger". O cantor volta a repetir o mesmo tipo de flexão de voz quando reaparece ao final da reflexiva "Seasons" amarrando as pontas que deixou soltas ao longo do álbum: "Eu sou T'Challa / Eu sou Killmonger / Um mundo, um Deus, uma família / Celebração".

    "Opps" (por Vince Staples & Yugen Blakrok)

    "Opps" carrga no título uma gíria que serve para designar membros de uma gangue rival ou policiais. Apesar de não estar creditado entre os performers da canção, Lamar divide os vocais com o rapper californiano Vince Staples e com a rapper sulafricana Yugen Blakrok. A faixa é uma das poucas músicas de Black Panther: The Album que toca em Pantera Negra.

    A canção ganha destaque na cena em que T'Challa, Nakia, Okoye e Shuri perseguem o bando do traficante de armas Ulysses Klaw na Coreia do Sul na tentativa de recuperar uma quantidade de vibranium roubada de Wakanda. O beat, assinado pelo produtor Sounwave, propõe um casamento entre a polifonia de percussões tribais com a frieza da música industrial criando a urgência necessária para uma cena de perseguição.

    Disney/Marvel

    Atenção: O trecho a seguir contém spoilers de Pantera Negra

    No refrão de "Opps", cantado por Lamar, ouve-se ao fundo uma voz repetir "Você está morto para mim". A expressão é usada quando alguém que expressar que não reconhece a conexão que tinha com outra pessoa. Em Pantera Negra, Killmonger é filho de N'Jobu (Sterling K. Brown), um espião de Wakanda que vai aos Estados Unidos e se envolve com o tráfico de vibranium. N'Jobu é irmão de T'Chaka, que foi rei de Wakanda e é o pai de T'Challa. Quando T'Chaka descobre que N'Jobu estava agindo sem o seu aval, o monarca usa as garras do traje de Pantera Negra para matar o próprio irmão. O fato deixa Killmonger, cujo verdadeiro nome é N’Jadaka, órfão nos Estados Unidos. Com o tempo, a raiva do vilão em relação à monarquia de Wakanda só cresce e ele planeja chegar ao trono do país do qual foi exilado para cumprir o plano de seu pai: Usar o vibranium para libertar os povos negros da opressão ao redor do mundo. Isso significa que Killmonger e T'Challa, antagonistas, são primos. Apesar do parentesco, os laços entre ambos não existem porque T'Chaka sempre escondeu o que tinha feito e nunca levou N’Jadaka de volta para Wakanda, abandonando o sobrinho.

    Fim dos spoilers de Pantera Negra

    Outro verso interessante de "Opps" vem de Yugen Blakrok. A rapper fala de suas habilidades líricas e diz que tem "flores na mente", mas "um estilo de rimas sinistro", compara-se a um "criminoso experiente" e diz quem ela seria "nas ruas de Gotham City". No momento em que ela diz o nome do tal personagem, ouve-se um bipe, como os usados na televisão para censurar palavrões. Abaixo, veja, em inglês, a sequência de versos.

    Spit slick, attack is subliminal

    Flowers on my mind, but the rhyme style sinister

    Stand behind my own bars, like a seasoned criminal

    Gotham City Streets, I'll play the *bleep*

    A rapper rima de forma alterada (ou cruzada) em um formato ABAB. Nos seus versos, subliminal rima com criminal e sinister deveria rimar com a palavra censurada, que pode ser Riddler, o nome em inglês do vilão Charada. Não se sabe se o termo foi censurado por questões artísticas, legais ou por puro veto da Marvel Studios. 

    berlinindustry.de

    Talvez Blakrok prefira Liga da JustiçaVingadores e tenha deixado isso claro ao citar uma obra da empresa rival em uma canção associada à Casa das Ideias.  De qualquer forma, chama a atenção que o termo Gotham, importante cidade do cânone da DC Comics onde o Batman vive e atua, tenha sido dito sem maiores problemas.

    "Opps" é a única canção de Black Panther: The Album que traz Ludwig Göransson como co-compositor e co-produtor. O músico sueco, parceiro de Donald Glover nos discos que o ator assina como Childish Gambino, é quem assina a composição da trilha sonora instrumental de Pantera Negra. Göransson também compôs as trilhas de Fruitvale Station - A Última Parada (2013) e Creed: Nascido Para Lutar (2015), outros elogiados filmes de Ryan Coogler.

    Alberto E. Rodriguez/Getty Images

    O artista europeu viajou para o Senegal e para a África do Sul para pesquisar sobre a música no continente e incluiu instrumentos típicos em suas composições, como o tambor falante e o fulannu, um tipo de flauta. As gravações da trilha orquestral foram realizadas em um estúdio de Londres com 132 músicos, incluindo percussionistas africanos e um coral de 40 vozes. Göransson disse que teve acesso a mais de 20 mil discos de música africana quando visitou a International Library of African Music, em Grahamstown, na África do Sul onde descobriu que "existem centenas de instrumentos e muita música que não existe mais por conta da colonização".

    Ao voltar para os Estados Unidos para compor, o músico afirmou em entrevista para a Pitchfork falou sobre os desafios de cruzar as bases da música clássica europeia com os ritmos tradicionais afriacnos. "A parte mais difícil foi perceber que assim que você coloca uma produção e uma orquestra em cima de uma música africana, a música não soa mais africana. Então, o desafio foi incorporar essas coisas e fazer com que elas ainda soem africanas."

    facebook Tweet
    Links relacionados
    • Dia Mundial do Hip-hop: 20 rappers que se destacaram nos cinemas
    • Os 50 melhores videoclipes dirigidos por cineastas
    • Pantera Negra: Kendrick Lamar e SZA colaboram em canção inédita produzida para o filme. Escute!
    • Pantera Negra: Escute a aguardada trilha sonora produzida por Kendrick Lamar
    Comentários
    Back to Top