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    Atriz de O Som ao Redor comenta a indicação do filme na corrida ao Oscar 2014

    Ela tem um nome diferente e vem se destacando, com sua naturalidade e vigor, no novo cenário do cinema nacional. Veja como foi nossa conversa exclusiva com Maeve Jinkings, estrela de Amor, Plástico e Barulho!

    por Roberto Cunha

    Maeve Jinkings está no longa Amor, Plástico e Barulho, de Renata Pinheiro, conquistou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília, e o título, um dos melhores exibidos por lá, também passou na Mostra SP. O longa conta a história de duas jovens cantoras do circuito tecno-brega. Enquanto a novata Shelly sonha em ser uma estrela, a veterana Jaqueline já brilha nos palcos, mas dá claros sinais de decadência. Juntas, elas vivenciam uma trama de amor, sexo, amizade e relações descartáveis. Com o objetivo de denunciar a especulação imobiliária, o roteiro planta imagens de qualidade ruim, desconectadas com a trama, provocando um desencontro que pode, ou não, ser entendido pelo espectador. Na conversa, o uso dessas imagens foi citado como algo prejudicial, mas o argumento foi rebatido e defendido como uma provocação a ditadura do bonito. O filme ainda não tem data de estreia, mas enquanto isso, veja como foi o nosso papo exclusivo com a simpática e bem articulada atriz, que não foge de um embate. ;)

    "É tudo tão bonito e perfeito. Isso me irrita. A vida não é isso."

    Com a palavra... Maeve Jinkings - Publicidade, novela... É tudo tão bonito e perfeito. Isso me irrita. A vida não é isso. Eu acho, honestamente. Ela tinha essas imagens em qualidade melhor, mas ela piorou. É uma escolha estética dela, ela é uma artista plástica também. Eu acho atrevido, sei que é arriscado, mas o estranhamento foi legal. Isso me lembra a experiência com dois diretores, na época que eu estava estudando atuação: Pasolini e Cláudio Assis. Fui assistir Os 120 Dias de Sodoma e Amarelo Manga. Saí incomodada. Nossa, que mau gosto. Eu e minha amiga. No dia seguinte, acordei pensando "que horror!". Aí eu parei e pensei que estava há dias pensando nos filmes. Nossa, aquele cara é bom. No terceiro dia, eu acordei e pensei que o filme era incrível. Porque ele me incomodou muito e eu acho que a gente vive tão mimado por um certo conforto, que a gente desaprende muito a exergar o desconforto, o feio, o violento, que é parte da humanidade. A gente está despreparado para lidar com o diferente, com a deformidade.

    Seu ponto de vista é super interessante, mas eu continuo achando que sem aquelas imagens, Amor, Plástico e Barulho ficaria ainda melhor. Mas isso é somente uma opinião e não vamos brigar por causa disso, não é verdade? Eu tenho uma curiosidade e pode ser que boa parte dos leitores também tenha: Qual é a origem do seu nome?

    Ele é celta. A origem é irlandesa, da mitologia celta. O Jinkings é inglês, por parte do meu avô.

    Mas ele é artístico?

    Não, é verdadeiro mesmo. Minha mãe na adolescência estava lendo um livro e o personagem se chamava Maeve. Aí ela disse que a segunda filha teria esse nome.

    "O pai da noiva, as três da manhã, tira o fraque e chuta o balde, dança brega e vai até o chão."

    Voltando para o assunto cinema, você fez cinco longas, contando com esse novo, e quatro deles são produções premiadas. Você se considera pé quente?

    Eu sou uma sortuda. Falei isso para o Kleber Mendonça, porque ele me mandou uma mensagem, se dizendo feliz com o impacto do meu trabalho e de Amor, Plástico e Barulho. Eu disse que o ator só se desenvolve profissionalmente, de forma plena, quando encontra parceiros com quem possa dialogar, colocar em prática, se expressar. Eu me sinto sortuda de encontrar parceiros que me dão essa possibilidade assim... de autoria mesmo. Acho que é uma mistura disso e também de um trabalho de escolha, porque eu também escolho bastante. Às vezes, eu escolho não fazer um trabalho, porque não vou dialogar muito. Você pode ter uma ideia do caminho que ele vai fazer, mas nunca sabe como vai acabar. É uma incógnita.

    Como surgiu o convite para fazer Amor, Plástico e Barulho? Tem alguma conexão com O Som ao Redor?

    Tem porque quando eu mudei para Recife, eu estava fazendo um curso de fotografia e logo surgiu o convite para fazer O Som ao Redor. Eu estava começando a conhecer a cena do Recife, aí entrei em contato com os curtas da Renata, como o Superbarroco, que eu amo, e não conhecia. Adorei! E a filha dela fazia a minha no filme do Kléber. Aí, quando fui filmar Boa Sorte, Meu Amor, já tinha voltado para São Paulo, mas quando voltei para Recife, fui tomar um café com DJ Dolores e ele me contou que iria fazer a trilha do Amor, Plástico e Barulho,  sobre o brega. Aí eu pensei que tinha que fazer. Mandei uma mensagem para ela e seis meses depois ela me procurou.

    Qual a sua conexão com o brega?

    Nasci em Brasília. Eu cresci em Belém do Pará e lá a cena do brega é forte, a classe média consome o brega, desde sempre. No casamento, em festa de quinze anos mais chique de Belém, o pai da noiva, as três da manhã, tira o fraque e chuta o balde, dança brega e vai até o chão. Uma coisa de Belém, sabe? Então tinha relação, mas o brega que eu conheço tem no baile da saudade, não tem mais espaço para ele. O brega de hoje tem influência do funk, do tecno... Não é um que eu me relacione tanto, mas também foi legal, porque foi uma redescoberta do que é a cena brega hoje.

    Tem alguma coisa da Maeve na Jaqueline? Você vê alguma conexão com a sua personagem deste filme?

    Sempre tem os pontos de convergencia, né? É gente. Eu sempre me conecto com os personagens pelas fragilidades deles. São seres humanos.

    "Quem tem tempo para sofrer são as classes mais abastadas."

    A decadência dela foi o que mais te tocou?

    Acho que sim. O receio dela de ser descartada, tem a solidão também, achei muito bonito. Em algum lugar, em algum momento da vida, a gente já viveu isso. No meu trabalho de atriz, quando encontro um personagem, eu brinco que é quase um auto-flagelo. Não que eu fique me torturando, mas porque eu fico buscando aonde está isso em mim. Em que momento da minha história eu estive nesse lugar, de me sentir rejeitada, descartada... Todos já sentiram isso em algum momento, eu já me senti assim. É um trabalho de visitar seus fantasmas, né? Isso eu acho bonito, porque ela aparentemente é durona, tem pose de forte, mas tá num momento muito frágil. É o momento que ela se conecta com a Shelly (antagonista, vivida por Nash Laila).

    Mas você é durona ou frágil?

    As duas coisas. Tem hora que eu me sinto uma heroína e tem hora que me sinto desse tamaninho. Todo mundo fica frágil. Todo mundo é igual. Numa hora a gente é forte e em outro é como pedir, gosta de mim, me aceita.

    E aquela cena marcante, do seu choro, que o público dá risada... Você não achou estranho?

    A gente imaginou por causa da música, né? Eu acho que é um riso nervoso. Um riso de quem não sabe como lidar. Mas eu juro que não me incomodou. A gente falou isso durante uma filmagem. Enfim, "chupa que é de uva". O refrão é bastante ridículo, ela estava frágil e a gente achou que isso poderia acontecer. Eu sou fascinada por Biologia, comportamento animal, que também é uma forma de estudar meu trabalho, porque a gente é bicho. Tem um primatólogo que diz que a função do riso na evolução da humanidade é o alívio. Aquela coisa de você estar na iminência do perigo e de repente você é surpreendido. Por isso que bebê quando você dá susto, se esconde, ele dá risada.

    O seu personagem é sensual, mas é a Shelly quem fica mais exposta. Isso já estava no roteiro?

    A Jaquelina é uma mulher mais velha. A Renata queria mesmo que eu não usasse shortinho. Ela queria que eu ficasse mais coberta, porque era a Shelly que estava começando, aquela coisa "olha o que eu tenho para oferecer". Já tinha isso no roteiro, no figurino... Mas tem mesmo essa coisa da Jaque ser mais madura. Ela sabe insinuar mais, ser manipuladora, ela saca mais os mecanismos.

    "Não quero só fazer uma mulher sexy."

    Fale sobre a cena bem legal do delírio da personagem Shelly.

    Ela é uma sonhadora. Eu acho interessante porque é uma possiblidade do passado de Jaque, e a Jaque é o futuro da Shelly. Ela continua delirando e vai continuar tentando. O delírio funciona porque ela é uma sonhadora. Ela tá começando, está levando as primeiras porradas. Uma coisa que a Renata tenta passar no filme é que quem tem tempo para sofrer são as classes mais abastadas. A classe trabalhadora não tem tempo, entra no banheiro chora, chora, chora, passa um batom e segue, porque não tem tempo para ficar triste.

    Qual é a sensaçao de ter trabalhado no filme (O Som ao Redor) que está na corrida pela indicação ao Oscar?

    Nossa. Eu acho incrivel porque é tão novo e tão inesperado. Eu fico feliz de ver que um filme que começou tão despretensioso, simplesmente querendo dar o seu depoimento e, de repente, vai tendo essa trajetória muito além do que a gente esperava. A gente brinca que esse filme não para de surpreender. Quando a gente pensa que tá acalmando, vem outra onda... Meu Deus, lá vai esse filme levar a gente para outro lugar!

    Vários filmes que você participou já foram premiados. Qual é a importância de um prêmio para você?

    Isso sempre passa na cabeça da gente porque as pessoas ficam falando, mas eu tento deixar entrar e sair. Porque um júri é uma caixinha de surpresa, você está lidando com pessoas, cada um tem uma opinião. Sem demagogia nenhuma, sempre vou ficar feliz. Mas eu juro que um espectador chorar diante de você sobre o seu personagem, voce não tem noção, sabe. Eu começo a chorar também. Já é um prêmio. Um prêmio também é um estímulo para você continuar. No fundo, a gente faz arte para se comunicar. E se eu ganhasse o prêmio e não conseguisse tocar ninguém...? Em O Som ao Redor, por exemplo, mesmo não tendo sido indicada para nada, tanta gente já veio falar comigo por causa do filme, tanto depoimentos legais. Eu já me sinto premiada por ele.

    "O ser humano é tão patético, tão risível..."

    Quais são os seus próximos projetos?

    Eu fiz um curta com a Gabriela Almeida, que eu amo, e tenho dois outros projetos com ela pela frente. Um será um telefilme, que ela está escrevendo, e o outro é um monólogo para teatro. Eu tenho também um filme com o Gabriel Mascaro (Doméstica). Vai ser o primeiro longa dele ficção. É um cara que me interessa muito, super político e muito sensível. Vai ser um filme bem diferente, uma caminhoneira, um pouco masculina, sabe? Tô adorando essa possibilidade. Vai se passar no meio de rodeio de peão, no interior de Pernambuco...

    E vai ser meio que uma aventura, é drama...?

    Talvez drama, com momentos de humor. Mas não é uma comédia. É que o ser humano é tão patético, tão risível, é tão dramático, que chega a ser engraçado, como a cena da Jaqueline cantando, que você lembrou.

    Já tem título?

    Tem. É Valeu, Boi!. É uma expressão de rodeio. A gente começa a ensaiar em fevereiro e deve rodar em março, abril...

    Mais filmes pela frente?

    Eu tenho uns roteiros que recebi para estudar, mas ainda não consegui parar para fazer isso. Eu penso muito nas minhas próximas escolhas para ter algum controle sobre minha imagem. Uma pergunta que me guia como atriz, é o que me mobiliza, o que move... O que eu quero falar agora? Eu não quero ficar estigmatizada com só um tipo de personagem. Não quero só fazer uma mulher sexy. Achei ótimo esse convite do Gabriel por isso mesmo.

    Esses roteiros vieram como fruto de O Som ao Redor?

    Sem dúvida nenhuma, ajudou. Eu era atriz de teatro de grupo... Super de nicho. Depois do filme, eu comecei a receber convites que não recebia antes.

    E a TV?

    Eu já fiz uma novela no SBT e confesso que incomodou a velocidade industrial e o pouco tempo de estudo. Em um dia, o diretor chegou para gravar uma cena e ele não tinha lido nada ainda. Pra mim que faço teatro e cinema aquilo foi muito doido. Mas tem coisas legais na TV, como Hoje é Dia de Maria, de Luiz Fernando Carvalho. O João Miguel fez a novela Cordel Encantado, da Amora Mautner, eu vi as cenas, eram lindas, parecia cinema.

    Filme de encerramento da noite, Amor, Plástico e Barulho (PE) conta a história das jovens Shelly (Nash Laila) e Jaque (Maeve Jinkings). A primeira sonha em ser uma estrela do tecno-brega e é integrante da banda Amor com Veneno, onde a segunda já brilha nos palcos, mas demonstra passar por um momento de decadência. Juntas, elas vivenciam uma trama de amor, sexo, amizade e relações descartáveis. Se o longa de Renata Pinheiro tem elementos de sobra para ser consumido pelo público, como música, humor, sensualidade e boas interpretações da dupla, é também no excesso que está seu maior pecado. Inserindo imagens de qualidade ruim (extraídas do Youtube) para criticar a especulação imobiliária, a obra que mergulha no cenário musical daquela região acabe perdendo o ritmo. Ou seja, o grave problema poderia estar dentro do filme, mas a bola fora foi a opção feita. Por mais que o universo retratado não seja necessariamente conhecido pelo bom gosto, essa conexão (brega) entre as áreas pode não ficar tão clara para o espectador. Aliás, o público presente na sala curtiu e aplaudiu bastante.

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