Minha conta
    “Tocante e sincero”: Andréa Beltrão e diretores de Avenida Beira-Mar renovam o olhar e a força do cinema brasileiro (Visita ao set)
    Júlia Barbosa
    Júlia Barbosa
    Criada no palco, sempre foi movida pela arte. Defensora ferrenha de Crepúsculo e Ricardo Darín, fala pelos cotovelos sobre as histórias que vemos nas telas e nos bastidores.

    A história de duas amigas entendendo suas identidades move o longa de estreia de Maju de Paiva e Bernardo Florim

    O cinema brasileiro é feito de começos/recomeços e construções/reconstruções. Parece que, a cada crise no país, é preciso que a arte renasça das cinzas. Nos últimos anos, a pandemia, os desmontes no Ministério da Cultura e na Ancine dificultaram o que já era difícil fazer no país: cultura. Mas não estamos falando de um período das trevas “à la Idade Média”, tem muita gente dando a cara a tapa para contar histórias realmente brasileiras: aquelas que transbordam amor apesar dos percalços.

    Foi isso o que vi no set de Avenida Beira-Mar: artistas determinados a contar histórias de gente de verdade, que ama, sente e erra.

    O AdoroCinema recebeu o convite para passar o dia nas gravações do filme dirigido por Maju de Paiva e Bernardo Florim e pudemos acompanhar a filmagem de uma cena, além da oportunidade de entrevistar a dupla de diretores e a atriz Andréa Beltrão. Coproduzido pela VIRALATA, Elo Studios e Telecine, o filme tem previsão de estreia para 2024 e ainda conta com Isabel Teixeira, Milena Pinheiro e Milena Gerassi no elenco.

    AdoroCinema e Canal Brasil comemoram Dia do Cinema Brasileiro com programa especial

    Avenida Beira-Mar: Qual é a história?

    Avenida Beira-Mar conta a história de Mika (Milena Gerassi) e Rebeca (Milena Pinheiro), duas adolescentes de doze anos que constroem uma amizade enquanto entendem suas próprias identidades. Rebeca nasceu no corpo de uma menina, enquanto Mika luta para ser reconhecida como uma.

    As gravações do dia aconteceram numa casa que você sente já ter estado antes, com um quintal de gramado e concreto, sofá de vó e aquela piscina que ninguém põe o pé há anos. O ambiente seria um tanto quanto bucólico: uma tarde ensolarada no último dia de outono carioca e, como vista, a lagoa em uma ponta da rua e a praia na outra.

    A própria equipe comenta que é um lugar que viveriam, nem parecendo que estão a menos de meia hora do trânsito infernal da Ponte Rio-Niterói. Porém, o caos não está muito distante por causa do barulho incessante de uma obra da prefeitura na esquina.

    Contar histórias é como reger uma orquestra?

    Luis Abramo

    A equipe, claro, está em polvorosa. Continuístas tiram fotos até da disposição das folhas caídas no piso e os técnicos de som bufam com o equalizador dos microfones indo à loucura com o ruído da betoneira. Faço o maior esforço do mundo para fingir costume e não “romantizar” demais a experiência, mas, para mim, poder ser a mosquinha na parede daquele frenesi é como presenciar uma orquestra afinando os instrumentos antes de um concerto.

    O maquinário cessa, os maestros levantam a batuta e ação! A cena ganha cor com o diálogo intimista entre Marta e Rebeca, mãe e filha interpretadas por Andréa Beltrão e Milena Pinheiro. A tomada de menos de dois minutos já evoca reconhecimento, a assessora Helena Peregrino me conta que, assim como na cena, ela também limpava a piscina com seus filhos, que se divertiam escorregando pelos azulejos cheios de limo. Mais uma vez, tudo fluindo lindamente até que três - sim, três - aviões passam sobre as redondezas, atrapalhando o andamento.

    No final das contas, a solução foi a mais sensata - e criativa - para o obstáculo: incluir a maldita obra como som de ambientação. Para isso todos congelaram para, ao invés de fugir do barulho, captá-lo com o máximo de clareza possível. Afinal, quem nunca foi perturbado pela reforma do vizinho na hora daquela reunião importante no Zoom? É isso que Bernardo e Maju veem de tão importante no desenvolvimento de seu primeiro longa-metragem e no cinema nacional, identificação:

    “Ver na tela do cinema pessoas que parecem contigo, a sua cidade, uma praia onde você foi é muito importante. Você se reconhecer na tela é muito importante”, destaca Bernardo.

    Ele também acrescenta que tão importante quanto se identificar na tela, é conhecer os nossos diversos Brasis através dos filmes. Focando na amizade entre as duas meninas, Avenida Beira-Mar aborda questões muito importantes sobre gênero, as quais ainda precisam ser debatidas e compreendidas melhor pelo público. A jornada da personagem Mika como uma menina transgênero é um ponto muito importante para o enredo, mas, ao mesmo tempo, tanto a dupla de diretores quanto Andréa frisam que o filme - e os produtos culturais, no geral - não tem o objetivo de educar o espectador:

    “Eu não vejo uma obrigação nem no cinema, nem no teatro, e nem na música de conscientização. Eu acho que isso aprisiona um pouco as ideias. Mas acredito que através de um filme, de uma peça, de um livro…Você pode tocar em muitos lugares”, argumenta a atriz

    “Eu espero que o filme toque além da questão da temática. Eu acho que ele tem temas muito comuns a todos nós, então a gente não está aqui para dar lição de moral em ninguém”, declara Maju.

    Costurando a resposta, Florim diz que o foco da trama é algo empático a todos: a amizade e as aventuras que as amigas compartilham. Beltrão também faz questão de salientar isso:

    O mais importante desse filme é a amizade das duas meninas, é o motor que move essa história. Eu acho que é uma história tocante e sincera, e foi por isso que eu fiquei encantada quando li o roteiro

    A atriz que dá vida à Marta, mãe de Rebeca, enfatiza que a sensibilidade do roteiro foi o que a cativou para aceitar o papel:

    “A história dessas duas meninas é uma amizade linda que passa por vários momentos e a Marta é uma personagem que fica como um porto seguro para as duas, até que em um momento do filme elas se encaixam”, ela desenvolve sobre a personagem.

    Construindo novos caminhos no cinema nacional

    Luis Abramo

    Outra razão que motivou a veterana a embarcar no projeto foi o novo olhar trazido pelos diretores, uma vez que Avenida Beira-Mar é o primeiro longa-metragem deles. O desenvolvimento do projeto começou durante a pandemia e foi contemplado com uma bolsa do Projeto Paradiso, foi vencedor pelo Prêmio Selo ELAS Cabíria Telecine 2020 e está com pré-venda para o canal Telecine.

    Bernardo, que também é roteirista, ressalta a importância do filme tanto para as suas carreiras quanto para o cenário cinematográfico independente e nacional:

    Acho que Avenida Beira-Mar tem um formato curioso e uma temática arrojada. Ele é um filme feito por dois diretores que são jovens e que vieram de escolas de cinema, então ele aponta um caminho que pode ser o caminho do cinema independente, dos filmes que estão sendo feitos sobre temáticas de hoje e com pessoas mais jovens também

    Maju, que é egressa da Universidade Federal Fluminense, também defende que a própria viabilização do projeto já é um ato de resistência por si só:

    “O cinema brasileiro é uma coisa impressionante, ele está sempre renascendo, né? Ele vem resistindo a duras nesses últimos anos e a gente inventa maneiras de fazer cinema mesmo assim. Pensar cinema, fazer cinema, fazer esse filme é uma forma de resistir”, destaca a cineasta.

    Após perguntar a Andréa Beltrão sobre a importância do cinema nacional em sua vida, ela narra sobre a nostalgia dos cinemas de rua e como isso marcou sua infância. Mesmo com muitos deles virando academias e igrejas, como ela mesma cita, a atriz ressalta que o cinema segue a todo vapor:

    "Vivíssimo! A importância do cinema para mim é tão grande que eu passo pelos lugares e fico aqui era um (cinema de rua), aqui era outro…Mas está tudo bem. A gente está forte”, finaliza antes de precisar correr para a próxima tomada.

    Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2023: Medida Provisória e Marte Um são os destaques da edição; saiba onde assistir

    Entre nascimentos e renascimentos, construções - figurativas e literais com betoneira e tudo - o cinema se mantém forte, e Avenida Beira-Mar é um forte participante dessa jornada. Isso graças à nova geração de artistas comprometidos com a sétima arte e com a cultura, no geral. Acima de tudo, a arte se sustenta em seus alicerces por causa de olhares frescos e sensíveis sobre as histórias que nos movem.

    Avenida Beira-Mar
    Avenida Beira-Mar
    Criador(es): Maju de Paiva, Bernardo Florim
    Com Andréa Beltrão, Isabel Teixeira, Milena Pinheiro

    facebook Tweet
    Links relacionados
    Comentários
    Back to Top