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    Paloma: "Uma personagem humana e cheia de contradições, pois assim é a vida", reflete Kika Sena sobre protagonista do longa
    Diego Souza Carlos
    Apaixonado por cultura pop, latinidades e karê, Diego ama as surpresas de Jordan Peele, Guillermo del Toro e Anna Muylaert. Entusiasta do MCU, se aventura em estudar e falar sobre cinema, TV e games.

    Vencedor do Festival do Rio, filme de Marcelo Gomes acaba de chegar aos cinemas.

    Depois de passar por alguns festivais nacionais e internacionais, Paloma chegou aos cinemas brasileiros na última quinta-feira (10). Estrelado por Kika Sena, o longa tem direção de Marcelo Gomes, cineasta conhecido por conduzir longas como Cinema, Aspirinas e Urubus e Era Uma Vez Eu, Verônica.

    Apresentando a primeira performance da arte-educadora, diretora teatral e atriz nos cinemas, o longa acompanha a personagem-título em busca de seu maior sonho: casar-se na igreja. Enquanto mulher trans que trabalha como agricultora no sertão de Pernambuco, a protagonista enfrenta os desafios para legitimar a sua união com o namorado Zé (Ridson Reis).

    Eles já vivem juntos, e criam uma filha de 7 anos chamada Jenifer (Anita de Souza Macedo). O padre, porém, recusa o pedido, mas nem por isso Paloma desistirá de realizar seu sonho. A produção é da Carnaval Filmes, em conjunto da portuguesa Ukbar Filmes.

    Em entrevista ao AdoroCinema, Kika revelou como tem lidado com a repercussão do seu primeiro longa-metragem. “Estou digerindo o reconhecimento de estar nesse lugar, porque eu trabalho com teatro, com arte há algum tempo, antes mesmo de começar a gravar esse longa. De alguma forma, percebo que não estava completamente preparada para o impacto que esse filme teria no mundo, e com esse impacto a repercussão do meu trabalho no contexto que a gente está vivendo, principalmente, um contexto completamente violento”, detalhou a artista.

    Graduada em Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UnB) e mestranda em Teoria em Prática das Artes Cênicas pela Universidade Federal do Acre, Kika enxergou em Paloma uma personagem humanizada e, assim como na vida fora da ficção, cheia de contradições.

    “Eu adoro poder prestigiar ou conversar com a história de uma pessoa. Eu vejo Paloma nesse lugar de personagem que é humanizada, e não caracterizada apenas por um viés. Acho lindo que seja natural que ela tenha suas dualidades, que ela seja uma personagem complexa”, investiga a atriz. “É muito raro ainda encontrar personagens em narrativas televisivas ou de cinema com tanta profundidade. Então, fico muito feliz que esse tenha sido o resultado do filme.”

    Divulgação

    Sobre a repercussão, a artista compreende que vão existir várias impressões e diferentes impactos, mas que a chegada desta história nas telonas contribui para aumentar a complexidade da narrativa. “O público consegue vê-la como uma pessoa complexa e [também podem] mudar o olhar talvez sobre esse lugar de gênero ou de sexualidade, que geralmente padroniza nossas corpas. Consigo ver Paloma como consigo ver qualquer personagem que já foi retratada no cinema brasileiro, uma pessoa humana cheia de contradições, pois é assim que é a vida, a nossa vida”, completa.

    Em entrevista de Marcelo Gomes com o AdoroCinema, o diretor revelou que a atriz fez uma imersão na vivência da personagem a partir das principais locações da trajetória, bem como contou com o apoio da equipe para encontrar os trejeitos, olhares e maneirismos da protagonista.

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    Sobre esse processo, Kika reflete que para encontrar Paloma precisou abdicar de algumas questões. “Por mais que eu esteja emprestando meu corpo para que essa personagem brilhe, dê o nome dela, sempre existe uma conversa. Uma conversa minha com essa personagem que estou criando, que também é uma visão do diretor, da maquiadora, das figurinistas e preparadora de elenco”, explica. “A gente construiu juntos essa Paloma que as pessoas poderão assistir. Obviamente, no começo do trabalho, eu tive algumas resistências, porque é natural que a gente julgue essa personagem pelas escolhas dela. Isso me impedia de mergulhar profundamente nas complexidades dela.”

    Ela continua: “Comecei a perceber que a Paloma poderia ser uma pessoa que é minha vizinha, minha amiga, ou melhor, minha mãe, que foi a maior inspiração para que eu pudesse representar a Paloma. Quando percebi que ela não era tão distante de mim, comecei a fluir na criação dela, no trabalho com ela, em como pensar numa voz que é mais mais delicada que a minha, em movimentos com meu corpo que são outros que não são cotidianos meus. Quando eu acolhi Paloma, eu mergulhei profundamente nela e na história dela.”

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    Tratando-se de uma narrativa que é guiada pelo sonhar, por um objetivo preciso, a atriz foi questionada pelo AdoroCinema sobre o que a movimenta, quais são seus sonhos, seus anseios. De prontidão e com sorriso no rosto, Kika logo disparou que são muitos os sonhos.

    “Sonho com uma humanidade mais justa, onde as pessoas consigam viver com dignidade, onde todas as pessoas tenham direito a comida, a casa, a água potável. Os meus sonhos vão muito nessa perspectiva dos direitos humanos, no rompimento e no fim da violência contra pessoas pretas, periféricas, trans e travestis. Não só um sonho, mas na perspectiva de Paloma, aquela determinação de fazer alguma coisa para que se realize e aconteça”, refletiu a atriz.

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    Um dos motores para sua jornada como atriz está vinculada ao seu amor por telenovelas. É deste lugar, de onde sairam as maiores produções da televisão brasileira, que a arte-educadora moldou o seu desejo em contar histórias através de si. Para o futuro, há um forte desejo em continuar no cinema e estender os trabalhos para folhetins.

    “Quero ocupar espaços, cada vez mais, para que junto comigo outras pessoas trans, travestis, pretas e periféricas possam também ocupar espaços. É uma missão, um objetivo que eu propus a mim mesma antes, inclusive, da repercussão de Paloma”, revela Kika.

    “Com a repercussão do do meu trabalho, pretendo ocupar espaços tanto como atriz, como em partes técnicas de produção do audiovisual. Pretendo me especializar em criação de roteiros, em direção de curtas-metragens, para que a porta que eu abri - que não foi sozinha - possa continuar aberta. Não quero ocupar esse espaço sozinha, mas entendo também que tenho que aproveitar esse momento para que futuramente outras e outres possam entrar juntos pela mesma porta ou por outras”, explica.

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    O longa chega aos cinemas poucos dias após o fim do processo eleitoral brasileiro. Naturalmente político, o filme apresenta a história de uma mulher trans em um dos países com mais casos de violência contra pessoas LGBTQIAP+ no país. Para Kika, “o fato de ter um longa-metragem em exibição nos cinemas que narra a história de uma travesti, uma mulher trans, com esse desejo de possuir dignidade, de conquistar sua legitimidade como ser humano, só o fato do filme entrar em cartaz já conversa com a população.”

    Por fim, a atriz espera que todos se relacionem com o filme de alguma forma. “Todo mundo tem sonhos, todo mundo pode sonhar e, no fundo, Paloma mostra que ela também pode, que é legítimo sonhar qualquer que seja esse sonho. Acho que o público vai ficar impactado, positivo ou negativamente, e eu gosto que Paloma remexa as moelas, os fígados das pessoas. A gente já está conseguindo, porque a pauta da travestilidade e da transgeneridade é algo que já vem sendo protagonista há algum tempo, mas espero que a gente consiga discutir mais esses assuntos, natrualizar mais essas vivências, porque, no final, são vivências naturais - e Paloma nos mostra isso.”

    Paloma está em exibição nos cinemas.

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