Com uma filmografia extensa e a característica de ser um cineasta autor, Woody Allen revisita temas em seus filmes para ratificar suas ideias e falar sobre temas que não cansamos de refletir. Em Match Point ele faz um filme que toca no tema de seu filme Crimes e Pecados, porém em um tom mais sombrio. Aqui ele não utiliza um narrador e não tem nenhum alívio cômico. Ele sempre quis ser um diretor de dramas e apesar desse não ser exatamente um (talvez misturado com suspense), Match Point é um filme sério, com uma fotografia muito boa, roteiro perfeito e com um personagem que merece ser estudado.
Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers) é um tenista que desistiu de continuar jogando em torneios e resolve dar aulas em um clube da classe alta londrina. Lá ele conhece Tom Hewet (Matthew Goode) filho de um empresário rico. Tom tem um relacionamento com Nola Rice (Scarlett Johansson) que é uma aspirante a atriz, porém não consegue trabalho. A mãe de Tom não a vê com bons olhos e critica o relacionamento de seu filho. Quando em uma festa Wilton conhece Rice, ele acaba se apaixonando por ela.
Match Point foi indicado ao Oscar em 2006 na categoria de melhor roteiro. Mais uma entre tantas que Woody Allen já teve. Mas não é para menos. Ao prestarmos atenção na estrutura que conduz cada momento da história adiante é como se fosse uma escada que você sobe degrau a degrau, sem pular um ou que sem que fiquemos parados muito tempo no mesmo. Há detalhes ricos e interessantes que permeiam a narrativa a fim de conduzi-la de modo que se prepare para o final. Assim vemos Wilton lendo Crime e Castigo de Dostoiévski e temos a informação de que onde Rice mora há um aumento da criminalidade. É algo que as vezes passa em um diálogo despercebido, mas que prepara o espectador pra o final.
Se o roteiro é algo importante no filme sua fotografia também se impõe. Cria-se uma atmosfera soturna, principalmente em cima de nosso protagonista. Os enquadramentos também conseguem transmitir ideias, como por exemplo quando nosso protagonista para em uma galeria de arte e ao fundo vemos apenas uma pintura de um ser humano e suas mãos parecem que estão sugerindo algo. A cena da chuva e a entrada em um jardim suspenso parecem algo primitivo que busca em nosso inconsciente a concepção do pecado original.
Há algo de obscuro em nosso protagonista. Além do roteiro e da fotografia a interpretação de Meyers compõe bem seu personagem. Isso nos leva a realizar um estudo interessante sobre o personagem, que tem a sorte como visão de que ela é a rede que divide a vida entre perdedores e ganhadores. Analisando Chris Wilton se nota com clareza seu desejo de fazer parte da sociedade das classes mais abastadas. Assim ele parece ler pensadores e cita-os de maneira que permita ele entrar naquele mundo rico. Até mesmo seu gosto pela música diz isso, mas quando vai em um restaurante, enquanto seus companheiros pedem algo mais rebuscado ele pede simplesmente um frango assado. Acredito que ali Woody Allen quer nos lembrar que ele não faz parte daquele mundo. Sua incerteza em dizer o que quer fazer de sua vida é algo que é refletido na indecisão dele largar ou não sua esposa. A única certeza que o espectador vai formando ao longo do filme é que ele não quer perder por nada a vida que conquistou. Chegando a essa conclusão, que sua individualidade deve prevalecer e que perder a vida que ele tem não vale a pena, ele deve contar mais uma vez com sua sorte.
Falando de sua sorte e fazendo uma análise do tênis, ele cita o quanto a bola nesse esporte por mais que raspe na rede deve cair do outro lado. Porém as vezes a bola pode cair no própeio campo. Quando isso acontece parece que Woody Allen quer dizer que mesmo se perdendo, pode-se ganhar. É o caso do rumo da vida do protagonista. Ele perde qualquer dignidade que poderia ter ao realizar sua ópera. Ele perde qualquer coisa de bom que o ser humano poderia ter, mas ao seu ver ele só ganhou, porque continuou a ter a vida que sempre desejou. Isso só depõe a favor da ideia de mundo de nosso autor. Seu personagem segue sua individualidade ao extremo e o que e importa é exatamente ele mesmo. Isso acaba nos levando a algo maior, como ver em Wilton a sombra de uma sociedade preocupada única e exclusivamente com si mesma e que o objetivo é ter aquilo que deseja custe o que custar e que se para isso deva-se dar a sua alma que assim seja.
Woody Allen acerta ao optar na sua trilha sonora ao colocar óperas. O filme é uma tragédia grega e nosso protagonista não cita Sófocles à toa ou somente para o contexto do filme. Há uma clara divisão entre amor e luxúria, individual e coletivo, verdade e mentira, sorte e azar e tudo dividido pela rede imaginária da vida. Ao acabarmos de assistir ficamos estarrecidos e impactados por um retrato e uma visão de um mundo em que individualidade e sorte prevalecem e sendo assim qualquer intervenção divina parece estar longe do planeta que chamamos de Terra.