A Verdadeira Dor
Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
A Verdadeira Dor

No Oscar 2025, Jesse Eisenberg e Kieran Culkin emocionam com nova abordagem de um dos piores momentos da humanidade

por Diego Souza Carlos

Para todos que adoram cinema, o contato com filmes que abordam a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto é contínuo e, dependendo da temporada de premiações, quase ininterrupto. São muitos os projetos que discorrem sobre diferentes aspectos do período histórico, de Zona de Interesse a Jojo Rabbit, portanto qualquer trama que se distancia da fórmula deve ser vista com atenção. Em meio a tantas entradas sobre o tema, A Verdadeira Dor consegue extrair uma nova perspectiva deste momento devastador da história da humanidade com uma honesta e agridoce narrativa familiar.

Primeiro longa dirigido por Jesse Eisenberg, que também assina o roteiro, o longa acompanha David (Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin), dois primos com personalidades completamente diferentes e incompatíveis que se juntam para uma viagem pela Polônia para homenagear sua amada avó. A aventura sofre uma reviravolta quando antigas tensões dessa estranha dupla ressurgem, tendo como pano de fundo a história de sua família.

Explorando temas universais como herança cultural, aceitação e relacionamentos familiares, A Verdadeira Dor também mostra o processo de luto e como as pessoas reagem e buscam superá-lo de diferentes maneiras.

A química dos opostos

Searchlight Pictures

Jesse e Kieran trabalham bem para que os arquétipos de seus personagens sejam rapidamente estabelecidos. A ansiedade de David está no ponto para a espontaneidade do primo. A maneira como Benji é tão sociável quanto impulsivo também dialoga diretamente com a seriedade e o controle de sua contraparte.

Uma escalação assertiva, a dupla de artistas consegue transpor anos de relacionamento pessoal e profissional desde os primeiros minutos do longa. A química dos primos é a faísca que inicialmente convida o público a ficar atento a cada novo trecho dessa dramédia e entender o que o realizador de primeira viagem tem a dizer.

Enquanto diretor e roteirista, Eisenberg abraça seu personagem com uma atuação sóbria e bem manejada - os momentos mais dramáticos são responsáveis por fazer os olhos de parte da audiência vacilarem -, mas a grande estrela é Culkin. Deixando espaço para o colega de elenco brilhar, o cineasta parece seguir abrir as cortinas ao ator de Succession com consciência. Suspeito que haja trechos realmente pautados rigorosamente pelo roteiro, claro, mas há respiros de improviso aqui e ali.

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O filme cresce e a relação com a audiência vai se moldando a cada nova camada exposta sobre estes dois personagens, que seguem a dinâmica de duplas improváveis vista em muitas outras ocasiões, como em Irmãos Gêmeos e Entrando Numa Fria, levando as devidas proporções, obviamente. Esse processo gradual é interessante, pois vai abrindo aos poucos a narrativa para questões mais profundas: questões de saúde mental são tocadas, a estafa e a pressão de uma vida vista como perfeita está lá e, acima de tudo, a forma como somos o resultado de muitas histórias.

É essencialmente um conto moderno sobre o aspecto existencial entre o ser e o não ser enquanto jovem somado às expectativas que caem sobre seus ombros. Neste caso específico, o fruto de uma família que só existe porque a ancestralidade não foi interrompida pelo Holocausto. A avó dos garotos conseguiu renascer após um período de sofrimento e perda. Sabendo disso, como fazer jus à luta daqueles que vieram antes e ajudaram a moldar o mundo que conhecem a partir de sacrifícios?

Agridoce viagem pela Polônia

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Uma das graças de A Verdadeira Dor é sua versatilidade. Trata-se de uma história direcionada exclusivamente ao legado de um período conturbado da humanidade, que tem esses dois primos que nasceram em um mundo completamente diferente dos seus avós e pais.

Durante a viagem pela Polônia, não apenas conhecemos os coadjuvantes que cercam estes curiosos protagonistas - que simbolizam o mix cultural que abarca o judaísmo e as nações marcadas pela guerra -, mas também somos convidados a um tour pelo país que criou uma força de resistência contra o nazismo e, mesmo dizimado, não teve suas características e cultura apagadas.

É tocante, inclusive, conhecer pontos históricos da região, mas também ter um trecho do filme que consegue nos lembrar (ou descobrir) áreas cinzentas, como a perturbadora proximidade de um campo de concentração diante de uma até então efervescente vida urbana - que, aos poucos, foi minada pelas tropas alemãs. Há respeito e solenidade em muitos trechos, o que é curioso quando a comédia também faz parte da trajetória. Ainda assim, o desconforto faz parte da experiência.

Um dos trunfos de A Verdadeira Dor além da química entre artistas está justamente no roteiro de Jesse Eisenberg, que, unido ao talento dos atores, consegue balancear humor e drama de forma genuína. Pense que estamos falando de um longa que toca em lugares extremamente delicados, portanto é até mesmo corajoso colocar certa leveza e comicidade - ao maior estilo do artista e de Emma Stone, que produz o projeto - em momentos-chave.

A verdadeira dor

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Trabalhar temas familiares nunca é uma tarefa fácil, mas no cinema é uma das ligas mais comuns para se criar empatia. Temos aqui uma história que, para muitos, está longe de ser próxima da própria - cada um, obviamente, tem sua ancestralidade posta em algum lugar da história -, mas estes pontos são deixados de lado a cada nova interação entre David e Benji.

É como se Jesse construísse uma teia difícil de se escapar emocionalmente, pois é também uma história sobre as atuais gerações: do desafio em manter a saúde mental quando tudo o que nos cerca é uma enxurrada de expectativas ao desafio de ter a consciência de pagar os débitos com os ancestrais. É também sobre se reaproximar de alguém que um dia foi imprescindível nas nossas vidas e entender que muito do que uma existência oferece, e o que almejamos para tal, não será moldado por um clímax, mas pelo ordinário.

Através de um enredo aparentemente simples, mas bem executado (e premiado), Eisenberg expõe muitas interpretações do que pode ser a verdadeira dor que dá nome ao título. Por meio de uma delicada narrativa, que por vezes peca em conveniências e estruturas conhecidas de cabo a rabo por qualquer um que goste de cinema, A Verdadeira Dor é aquele tipo de história que vai te fazer sair da sessão pronto para mandar um áudio para alguém que ama ou refletir sobre a trajetória de um ente querido. É simples, mas isso não quer dizer que não seja especial e provocativo.

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