Com grande atuação de Timothée Chalamet e Monica Barbaro, Um Completo Desconhecido é um filme sólido, mas que carece de potência
por Rafael FelizardoNos últimos anos, os filmes biográficos se tornaram figuras marcadas na corrida pelo Oscar, transformando o gênero no que muitos chamam de Oscar bait - termo utilizado para designar produções que parecem idealizadas com o único propósito de faturar a estatueta. Se recentemente títulos como Oppenheimer, Green Book e Spotlight levaram para casa o troféu mais badalado da indústria, historicamente, a coisa toma uma proporção ainda maior, com mais de vinte longas-metragens biográficos entrando para essa lista.
Desta forma, 2025 não decepciona, apresentando o seu próprio Oscar bait à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Aqui, estamos nos referindo a Um Completo Desconhecido, uma obra que conta com o talento de Timothée Chalamet para adaptar o legado de um dos maiores músicos da história: Bob Dylan.
Antes de dar início a esta crítica, vale a pena apresentar um contexto que pode ajudar a quem não é tão familiarizado assim com o fenômeno Bob Dylan. Não é absurdo algum afirmar que o cantor é um dos artistas mais influentes e inovadores da história da música, considerado o principal nome de um movimento que popularizou o gênero conhecido como folk. Para se ter ideia, Dylan vendeu mais de 125 milhões de álbuns ao redor do mundo, recebendo, em 2012, a mais alta honraria civil dos Estados Unidos: a Medalha Presidencial da Liberdade.
Com base nisso, a trama de Um Completo Desconhecido, dirigida por James Mangold, começa em um ponto onde Dylan não passa - como sugerido pelo título - de um mero desconhecido. Situado na charmosa cena musical de uma Nova York do início dos anos 1960, o jovem, natural de Minnesota, tem apenas 19 anos e caminha rumo à ascensão profissional.
Com a ajuda de figuras como Sylvie Russo (Elle Fanning), Peete Seeger (Edward Norton) e Joan Baez (Monica Barbaro), Dylan parte dos pequenos bares para o topo das paradas, culminando em sua performance inovadora de rock and roll no Newport Folk Festival, em 1965 - um dos momentos mais transformadores do século.
Com voz fanha, visual desleixado e jeito despreocupado, Timothée Chalamet entrega uma impressionante atuação. Durante todo o filme, os maneirismos de Dylan são reproduzidos de maneira sólida pelo ator, seja quando segura um violão em palco ou mesmo quando manuseia um cigarro por trás das apresentações. Particularmente, acho a personalidade de Dylan uma força que ecoa perfeitamente bem com a aura de Chalamet, não conseguindo imaginar alguém melhor para o papel.
Presente no fim de 2024 no talk show de Graham Norton, Chalamet revelou que precisou aprender a cantar, tocar violão e tocar gaita para evocar Dylan - dedicação que acabou por lhe render uma indicação ao Oscar 2025. Mesmo jovem, aos 29 anos, Timothée apresenta um amadurecimento notável frente às câmeras, mostrando-se um ator versátil que consegue caminhar por todo tipo de gênero.
Da mesma forma, Monica Barbaro faz um trabalho excelente na pele da cantora Joan Baez - outra que também tinha pouca familiaridade com a voz e violão anteriormente às filmagens. Somado ao talento, o charme natural da atriz dá vida a uma personagem hipnótica em cima e fora dos palcos - que resulta em mais uma indicação ao Oscar para Um Completo Desconhecido. Além de companheira pessoal e profissional, Joan marcou a vida de Dylan de maneira amorosa, dividindo o desapegado astro com Sylvie Russo, a namorada oficial, vivida por Elle Fanning.
As escolhas de elenco realizadas por Mangold são, sem sombra de dúvida, um dos maiores acertos do longa, valendo menções honrosas a Edward Norton, como o músico e patrono de Dylan, Peter Seeger; e Boyd Holbrook, que mesmo em pouco tempo de tela refletiu o carisma de Johnny Cash.
No âmbito técnico, Um Completo Desconhecido é um filme consistente que não abre muito espaço para críticas. Com um ritmo dinâmico, o espectador pouco vê suas duas horas e vinte minutos passarem. O figurino assinado por Arianne Phillips é de encher os olhos, engrandecendo ainda mais o currículo de uma profissional responsável por trabalhos de excelência em Coringa: Delírio a Dois, Era Uma Vez em... Hollywood, O Corvo - o original de 1994, obviamente - e mais.
O grande problema de Um Completo Desconhecido se dá a partir do ponto que, mesmo sendo uma obra tecnicamente competente, ela deixa a desejar na potência de seu enredo. Não há como negar que o longa é, de fato, interessante, mas no fim das contas acaba faltando um certo punch; aquele algo a mais que faz um título transcender a monótona nota 7 - ou 3,5 no nosso caso.
Apesar de ser mais agradável do que considerável parte das cinebiografias musicais que encontramos por aí, o filme, ao término, passa uma sensação de zona de conforto, diferentemente de projetos passados comandados por Mangold, como Garota, Interrompida e Os Indomáveis.
Em seus momentos finais, o enredo é até capaz de flertar com essa força que me refiro acima, entregando um clímax que funciona muito bem junto ao alto nível de atuação empregado pelo corpo de elenco.
Um Completo Desconhecido é uma produção que manifesta bem parte do fenômeno que foi Bob Dylan, transitando entre pontos de relevância do passado do cantor. A quem não o conhece, o longa consegue apresentar a dimensão que o astro tem na história da música; e aos fãs, a trama oferece um prato lotado de hits e figuras folclóricas.
Apesar de carecer de força, o filme provavelmente não decepcionará quem for ao cinema, principalmente, pelo nível das atuações. O meu grande problema com Um Completo Desconhecido é que a carreira de Dylan é potente demais para que sua biografia sofra com o tipo de problema mencionado, soando quase como uma heresia.