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    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
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    Um filme de ausência

    por Francisco Russo

    Por mais que não tenha tantos filmes no currículo - são apenas cinco longas, lançados em uma década e meia -, já se pode perceber algumas características do cinema feito pelo diretor russo Andrey Zvyagintsev. O tom seco e personagens com relacionamentos mal resolvidos são uma constante, como apontam os premiados O Retorno (Leão de Ouro no Festival de Veneza) e Leviatã (melhor roteiro em Cannes e indicado ao Oscar de filme estrangeiro), assim como metáforas políticas envolvendo seu país-natal. Nelyubov, seu novo trabalho, não é diferente.

    É curioso notar como os dois títulos do longa-metragem, em inglês e em russo, trazem conceitos diferentes que tão bem traduzem o tom do filme: desamor e antipatia. Trata-se de um filme sobre a ausência, construída a partir de um imenso vazio de afeto existente entre um casal à beira da separação e o filho que tiveram juntos. Não é à toa que as primeiras imagens do longa apontam cenários gélidos e desérticos: assim também é o relacionamento do trio protagonista.

    Em um ambiente extremamente individualista, onde o bem-estar pessoal está acima de todo o resto, os pais do pequeno Alyosha o consideram um carma que precisam carregar. À beira da separação, cada um trata de recriar a vida com novos parceiros, deixando o garoto à mercê de brigas constantes e desprezo. Tal cenário é retratado em uma belíssima (e dolorosa) cena, quase uma pintura, que tão bem demonstra a dor sentida pelo filho diante deste momento.

    Nesta realidade, chama a atenção a forma com a qual o diretor desenvolve este casamento de fachada momentâneo. A partir de sequências cuidadosas, é explicitada não só a raiva existente entre os adultos como também a empolgação que ambos demonstram com seus novos parceiros. Em especial merece destaque o apuro na fotografia de Mikhail Krichman, uma verdadeira câmera voyeur que se infiltra nos bastidores de forma a revelar emoções e excitações de momento. O melhor exemplo é a forma como as cenas de sexo são filmadas, contínua e em ritmo contemplativo, ressaltando o envolvimento ao despir até o ato em si. Se por um lado há a mais absoluta naturalidade em relação ao próprio corpo, tais sequências são esclarecedoras sobre o momento dos personagens no sentido de que há espaço para o afeto: eles apenas o direcionam para outras pessoas, mais interessantes.

    Seguindo a linha da recente cinematografia russa, Nelyubov é um filme bastante áspero nos relacionamentos que cobra seu preço quando o garoto citado simplesmente desaparece. Ainda assim, o individualismo é tamanho que a própria urgência da situação leva algum tempo até ser compreendida, através de uma necessária pausa no fluir da narrativa. Mais uma vez, Zvyagintsev demonstra absoluto domínio sobre a forma como deseja contar esta história.

    Com uma analogia política referente à história recente na Rússia, perceptível especialmente através dos programas de TV, Nelyubov é um filme bastante seco que brilha pela força do relacionamento não-existente entre seus personagens principais. Além do belo trabalho de direção, vale destacar o desempenho da atriz principal, Maryana Spivak, pela transição de sentimentos que demonstra no decorrer do longa-metragem. Muito bom.

    Filme visto no 70º Festival de Cannes, em maio de 2017.

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    Comentários

    • Ulisses Tarraf
      No final dos tempos o amor de muitos esfriarão. O trecho bíblico em consonância com o ano de 2012 , a moda do apocalipse maia.
    • Cristina Maciel
      Aonde foi parar aquela Rússia cheia de dificuldades mas calorosa? Os cenários prósperos vazios de sentimento parecem até ofensivos diante do desespero do menino.
    • Roberto Miranda
      A analogia exite no desprezo dos personagens em relação aos sofrimentos dos ucranianos na cena do noticiário. Pouco ou nada se importam com seus irmãos, seguem suas vidas sem constrangimento. Foi algo pontual e bem significativo.
    • silvio barbosa lo
      o melhor filme em cartaz, uma sociedade sufocante . ausente, egocêntrica cujo odio é força motriz.
    • Gabriel V.
      Tirando o filme ser russo, o filme não tem nada a ver com a Rússia. Não sei o que tanta gente viu de analogia política nesse filme. É um drama de disfuncionalidade familiar que pode acontecer em qualquer lugar do planeta.Aliás, excelente filme.
    • Gabriel Hudson Machado
      A dor do choro do garoto é quase tangível.
    • Junior M.
      e um filme que me deixor muito pensativo e me mostro que realmente tem pessoas que não naceram para ser pais.
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